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São Paulo, sábado, 06 de dezembro de 2003

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SP 450

Cidade vai se valorizar com reocupação de seu centro

São Paulo tem um déficit habitacional de 380 mil casas e 420 mil imóveis vagos

LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Fruto da ação histórica de seus habitantes, a cidade de São Paulo é tudo o que os paulistanos têm, aquilo que conseguiram construir. Com seus paradoxos, encantos e problemas, deve ser, porém, objeto de uma reavaliação urbana profunda, que reveja como ela vem sendo ocupada, para que, principalmente, se volte a habitar a região central.
Essa abordagem predominou no penúltimo debate da série "A Vida na Metrópole", promovido pela Folha com o apoio da UniFMU e que teve como tema "Morar em São Paulo".
Realizado na noite da última quinta-feira, o encontro atraiu uma platéia de 160 pessoas ao auditório do Museu Brasileiro de Escultura e teve como debatedores Verônica Kroll, coordenadora do Fórum de Cortiços e Sem-Teto de São Paulo, Ermínia Maricato, secretária-executiva do Ministério das Cidades, o arquiteto e professor da FAU-USP Paulo Mendes da Rocha, e o também arquiteto e presidente do Museu de Arte de São Paulo, Júlio Neves. A coordenação foi do escritor e colunista da Folha Marcelo Rubens Paiva.
"A cidade é o habitat humano criado por todos. Não há do que reclamar: ela é o que construímos, mas também fruto do colonialismo, da especulação predatória. Só muito recentemente surgiu a consciência em relação a isso. Portanto, trata-se de usar a experiência que temos para reconstruir nosso habitat", afirmou o arquiteto Paulo Mendes da Rocha.
Para o professor da USP, "as construções que devem marcar uma cidade são as casas, não os palácios ou viadutos. Por isso é um absurdo o que estamos fazendo há muito tempo. De qualquer maneira, a cidade é uma coisa fantástica, o abrigo dos desamparados. Mas como disse Brecht, quando os desamparados começam a chegar em grande número, algo de horrível está acontecendo no lugar de onde eles partem".
Mendes da Rocha disse não ter dúvida de que a cidade "é o melhor lugar para viver" e que São Paulo "é extraordinária, um dos lugares mais seguros do mundo. Aqueles que se afastam da cidade e se isolam em seus carros blindados e casas superprotegidas são uns tolos".
Júlio Neves ressaltou o que para ele são duas características dos paulistanos: primeiro, os moradores não estão acostumados a discutir sua própria cidade; segundo, a população "não tem qualquer tipo de preconceito em relação a quem vem de fora para viver aqui".
Segundo disse, há 50 anos não se acompanha devidamente o crescimento da cidade, por isso surpreende o fato de haver "50 mil medidores de luz desligados no centro da cidade, enquanto as pessoas estão morando cada vez mais longe".
A secretária-executiva do Ministério das Cidades ofereceu mais dados relativos a essa questão: "Há, segundo o IBGE, cerca de 420 mil imóveis vagos, fechados na cidade, número muito maior do que o déficit habitacional de São Paulo, que é de 380 mil. Ou seja, tem alguma coisa muito errada aí. Isso é um escândalo".
Ermínia Maricato destacou ainda pesquisa de estudantes da FAU-USP que indicaram a existência, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de quatro cidades na metrópole: "Há uma Europa, há uma Ásia, há uma Índia e uma África. Os dados explicitam isso, mas essas cidades não são visíveis".
Entre outros aspectos ressaltados pela pesquisa, segundo disse, está "a imobilidade daqueles que vivem na nossa África, onde 50% dos moradores só andam a pé. Outra dado revelador é o fato de a população ir crescendo quanto mais avançamos em direção à periferia, enquanto a oferta de empregos segue o caminho exatamente contrário".
Ermínia Maricato lembrou ainda o fato de os dois capítulos da Constituição de 88 terem demorado 12 anos para serem regulamentados e elogiou o Estatuto das Cidades. "Nós ficamos de costas para o problema das cidades nos últimos 20 anos", disse.
Verônica Kroll, por sua vez, ressaltou a importância que, segundo ela, tiveram as ocupações realizadas pelo movimento que dirige em prédios desabitados do centro da cidade no final da década passada e começo desta. "Com as invasões as pessoas ficaram sabendo que havia tantos imóveis vazios no centro, o que não era do conhecimento de todos. O problema agora é que sempre que se fala em reocupação do centro os preços disparam."
Ela afirmou que o movimento dos moradores de cortiço e dos sem-teto tem que levar essas pessoas "a fazer parte da cidade. Uma cidade em que os ricos foram morar no mato para se esconder dos pobres. Só que seus motoristas, empregadas e faxineiras continuam morando nos cortiços".
Verônica disse que veio do Paraná no final dos anos 80 e que acha São Paulo "linda, mas que está muito abandonada". E também tem muito viaduto. "O pior é que são todos iguais. No exterior pelo menos um é assim, outro é assado, cada um construído de um jeito. Aqui é tudo igual."
Ela apontou ainda o problema do trânsito como um empecilho à recuperação da cidade: "Eu demoro uma hora e meia todo dia para ir da Vila Prudente ao centro. Ida e volta... é o mesmo tempo que se gasta para ir ao Rio".
O problema do trânsito, e a opção pelo transporte individual, constitui, para Ermínia Maricato, uma prioridade na seleção dos problemas paulistanos.
Mendes da Rocha vê, nesta questão, um exemplo da "tolice" que segundo ele predomina: "Outro dia estava vendo um daqueles programas em que um helicóptero fica mostrando a cidade toda congestionada, 120 quilômetros de carros parados. No intervalo comercial o que aparece é a propaganda de um automóvel. Ou seja, uma tolice tremenda".
Como o tema da ocupação do centro e a dos imóveis vazios predominava, o mediador Marcelo Rubens Paiva pediu a Ermínia Maricato que explicasse por que há tantas moradias desabitadas na cidade. "Nós não sabemos exatamente. Estamos pedindo ajuda ao IBGE para saber se são espólios, se é por causa do preço do aluguel, se é porque as reformas para torná-los habitáveis ficariam muito caras. Mas o pano de fundo dessa situação é o seguinte: a propriedade, no Brasil, não se submete à função social."
Júlio Neves afirmou que seria importante saber de quem são esses imóveis para poder criar um programa de financiamento para sua reocupação. Ermínia argumentou que é preciso cuidado para que isso não gere especulação e aumento dos preços.
Verônica opôs à situação dos imóveis vazios à dos cortiços superlotados: "O preço do aluguel de um cortiço é quase o mesmo de um sobradinho na Barra Funda, mas só que para alugar um desses é preciso renda, fiador etc. No cortiço, não."


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