|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SP 450
Cidade vai se valorizar com reocupação de seu centro
São Paulo tem um déficit habitacional de 380 mil casas e 420 mil imóveis vagos
LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Fruto da ação histórica de seus
habitantes, a cidade de São Paulo
é tudo o que os paulistanos têm,
aquilo que conseguiram construir. Com seus paradoxos, encantos e problemas, deve ser, porém, objeto de uma reavaliação
urbana profunda, que reveja como ela vem sendo ocupada, para
que, principalmente, se volte a habitar a região central.
Essa abordagem predominou
no penúltimo debate da série "A
Vida na Metrópole", promovido
pela Folha com o apoio da UniFMU e que teve como tema "Morar
em São Paulo".
Realizado na noite da última
quinta-feira, o encontro atraiu
uma platéia de 160 pessoas ao auditório do Museu Brasileiro de Escultura e teve como debatedores
Verônica Kroll, coordenadora do
Fórum de Cortiços e Sem-Teto de
São Paulo, Ermínia Maricato, secretária-executiva do Ministério
das Cidades, o arquiteto e professor da FAU-USP Paulo Mendes
da Rocha, e o também arquiteto e
presidente do Museu de Arte de
São Paulo, Júlio Neves. A coordenação foi do escritor e colunista
da Folha Marcelo Rubens Paiva.
"A cidade é o habitat humano
criado por todos. Não há do que
reclamar: ela é o que construímos,
mas também fruto do colonialismo, da especulação predatória. Só
muito recentemente surgiu a
consciência em relação a isso.
Portanto, trata-se de usar a experiência que temos para reconstruir nosso habitat", afirmou o arquiteto Paulo Mendes da Rocha.
Para o professor da USP, "as
construções que devem marcar
uma cidade são as casas, não os
palácios ou viadutos. Por isso é
um absurdo o que estamos fazendo há muito tempo. De qualquer
maneira, a cidade é uma coisa
fantástica, o abrigo dos desamparados. Mas como disse Brecht,
quando os desamparados começam a chegar em grande número,
algo de horrível está acontecendo
no lugar de onde eles partem".
Mendes da Rocha disse não ter
dúvida de que a cidade "é o melhor lugar para viver" e que São
Paulo "é extraordinária, um dos
lugares mais seguros do mundo.
Aqueles que se afastam da cidade
e se isolam em seus carros blindados e casas superprotegidas são
uns tolos".
Júlio Neves ressaltou o que para
ele são duas características dos
paulistanos: primeiro, os moradores não estão acostumados a
discutir sua própria cidade; segundo, a população "não tem
qualquer tipo de preconceito em
relação a quem vem de fora para
viver aqui".
Segundo disse, há 50 anos não
se acompanha devidamente o
crescimento da cidade, por isso
surpreende o fato de haver "50
mil medidores de luz desligados
no centro da cidade, enquanto as
pessoas estão morando cada vez
mais longe".
A secretária-executiva do Ministério das Cidades ofereceu
mais dados relativos a essa questão: "Há, segundo o IBGE, cerca
de 420 mil imóveis vagos, fechados na cidade, número muito
maior do que o déficit habitacional de São Paulo, que é de 380 mil.
Ou seja, tem alguma coisa muito
errada aí. Isso é um escândalo".
Ermínia Maricato destacou ainda pesquisa de estudantes da
FAU-USP que indicaram a existência, de acordo com o Índice de
Desenvolvimento Humano
(IDH), de quatro cidades na metrópole: "Há uma Europa, há uma
Ásia, há uma Índia e uma África.
Os dados explicitam isso, mas essas cidades não são visíveis".
Entre outros aspectos ressaltados pela pesquisa, segundo disse,
está "a imobilidade daqueles que
vivem na nossa África, onde 50%
dos moradores só andam a pé.
Outra dado revelador é o fato de a
população ir crescendo quanto
mais avançamos em direção à periferia, enquanto a oferta de empregos segue o caminho exatamente contrário".
Ermínia Maricato lembrou ainda o fato de os dois capítulos da
Constituição de 88 terem demorado 12 anos para serem regulamentados e elogiou o Estatuto das
Cidades. "Nós ficamos de costas
para o problema das cidades nos
últimos 20 anos", disse.
Verônica Kroll, por sua vez, ressaltou a importância que, segundo ela, tiveram as ocupações realizadas pelo movimento que dirige
em prédios desabitados do centro
da cidade no final da década passada e começo desta. "Com as invasões as pessoas ficaram sabendo que havia tantos imóveis vazios no centro, o que não era do
conhecimento de todos. O problema agora é que sempre que se
fala em reocupação do centro os
preços disparam."
Ela afirmou que o movimento
dos moradores de cortiço e dos
sem-teto tem que levar essas pessoas "a fazer parte da cidade. Uma
cidade em que os ricos foram morar no mato para se esconder dos
pobres. Só que seus motoristas,
empregadas e faxineiras continuam morando nos cortiços".
Verônica disse que veio do Paraná no final dos anos 80 e que
acha São Paulo "linda, mas que
está muito abandonada". E também tem muito viaduto. "O pior é
que são todos iguais. No exterior
pelo menos um é assim, outro é
assado, cada um construído de
um jeito. Aqui é tudo igual."
Ela apontou ainda o problema
do trânsito como um empecilho à
recuperação da cidade: "Eu demoro uma hora e meia todo dia
para ir da Vila Prudente ao centro. Ida e volta... é o mesmo tempo
que se gasta para ir ao Rio".
O problema do trânsito, e a opção pelo transporte individual,
constitui, para Ermínia Maricato,
uma prioridade na seleção dos
problemas paulistanos.
Mendes da Rocha vê, nesta
questão, um exemplo da "tolice"
que segundo ele predomina: "Outro dia estava vendo um daqueles
programas em que um helicóptero fica mostrando a cidade toda
congestionada, 120 quilômetros
de carros parados. No intervalo
comercial o que aparece é a propaganda de um automóvel. Ou
seja, uma tolice tremenda".
Como o tema da ocupação do
centro e a dos imóveis vazios predominava, o mediador Marcelo
Rubens Paiva pediu a Ermínia
Maricato que explicasse por que
há tantas moradias desabitadas
na cidade. "Nós não sabemos exatamente. Estamos pedindo ajuda
ao IBGE para saber se são espólios, se é por causa do preço do
aluguel, se é porque as reformas
para torná-los habitáveis ficariam
muito caras. Mas o pano de fundo
dessa situação é o seguinte: a propriedade, no Brasil, não se submete à função social."
Júlio Neves afirmou que seria
importante saber de quem são esses imóveis para poder criar um
programa de financiamento para
sua reocupação. Ermínia argumentou que é preciso cuidado para que isso não gere especulação e
aumento dos preços.
Verônica opôs à situação dos
imóveis vazios à dos cortiços superlotados: "O preço do aluguel
de um cortiço é quase o mesmo de
um sobradinho na Barra Funda,
mas só que para alugar um desses
é preciso renda, fiador etc. No
cortiço, não."
Texto Anterior: Paraná: Justiça nega pedido de empresas que permitiria reajuste de pedágios Próximo Texto: Revitalização: Recuperação começou na década de 90 com parcerias Índice
|