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COTIDIANO IMAGINÁRIO
A pasta de Greenspan
MOACYR SCLIAR
Colunista da Folha
"Pasta de Greenspan serve de barômetro: peso da maleta indica
mudança de juros." Dinheiro,
1.fev.2000
Recentemente realizou-se
numa pequena cidade européia um importante (e secreto)
encontro de economistas. O tema do conclave era: "Sinais
econômicos em Alan Greenspan." Partindo do princípio segundo o qual a economia
mundial depende, em muito,
das decisões do presidente do
Federal Reserve norte-americano, os analistas procuraram
encontrar, no próprio Greenspan, indicadores de tendência
no mercado global.
Um dos trabalhos tentou
mostrar a influência das rugas
da testa de Greenspan na conjuntura econômica. Quanto
mais preocupado com a inflação Greenspan estiver, esse era
o raciocínio, mais fundas serão
as rugas em sua testa. Daí o autor chegou a uma fórmula: a
profundidade das rugas, medidas em milímetros, elevadas ao
quadrado e multiplicadas por
uma constante, dariam a taxa
de inflação no mês seguinte.
A tese, contudo, não pôde ser
demonstrada, em primeiro lugar, porque o autor não conseguiu calcular a constante da
fórmula e, em segundo lugar,
por que, apesar de todos os rogos e súplicas, Greenspan não
deixou que medissem a profundidade de suas rugas, alegando que logo outros autores
pretenderiam medir diferentes
partes de sua anatomia, o que
ele não podia permitir.
Mais bem elaborado foi um
outro trabalho, este baseado
na pasta de Greenspan. O raciocínio era o seguinte: para
demonstrar a necessidade de
elevar a taxa de juros, o presidente teria de levar, na pasta,
numerosos relatórios e gráficos
- ponderáveis tanto do ponto
de vista de argumentação como de peso propriamente dito.
Através de um modelo teórico, o autor mostrou a correlação do peso da referida pasta
com a curva da taxa de juros.
E, diferentemente de seu predecessor, teve uma oportunidade
única para comprovar a sua tese. Ele estava presente à reunião em que Greenspan, por
um momento, esqueceu a maleta num canto.
Depois de alguma vacilação
de natureza ética, o economista apoderou-se dela e correu à
sala ao lado, onde havia uma
balança. Mas ocorreu um problema: ele não sabia usar a balança. Essas coisas de supermercado ficam por conta de
minha esposa, disse mais tarde, à guisa de desculpa.
Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal
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