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LETRAS JURÍDICAS
Reprodução assistida chegou ao código
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
O Código Civil de 2002
reconheceu, no artigo
1.597, os efeitos da reprodução assistida, que a ciência criou, para
preencher falhas da reprodução
clássica pela relação sexual do homem com a mulher. O reconhecimento da gravidez produzida em
laboratório seguiu-se a muitos
anos de experiência para chegar,
na segunda metade do século 20,
ao primeiro "bebê de proveta".
Embora adjetivada de "assistida", a gestação criada em clínica
de reprodução também é natural,
a contar do momento da transferência do embrião para o útero. A
relação sexual foi dispensada,
mas a gravidez, a gestação, o parto (ou o eventual abortamento)
são iguais ao que sempre foram.
A reprodução assistida se impôs
ao Direito. Sobrepôs-se a velhas
tradições sociais e religiosas. O catolicismo ainda sustenta que a relação sexual deve destinar-se apenas à reprodução, mas não tem
explicação aceita pela maioria
para quando ela não se submeta
a esse limite. As críticas feitas no
Ocidente cristão à gravidez em laboratório tiveram contra elas o
argumento de que Jesus não nasceu do contato físico entre seus
pais, José e Maria. Todavia, mesmo contornada a crítica de origem religiosa, a reprodução assistida ocasionou problemas jurídicos, que o Código Civil tenta resolver em parte. A codificação de
2002, na melhor tradição do Direito brasileiro, presume concebidos (até prova cabal em contrário) na constância do casamento
os filhos nascidos 180 dias, pelo
menos, depois de estabelecida a
convivência dos esposos ou até
300 dias após o fim da sociedade
conjugal -por morte, separação
judicial, nulidade ou anulação do
casamento.
A filiação passou a ser, desde
2003, reconhecida nos casos de inseminação artificial homóloga (o
espermatozóide e o óvulo são fornecidos pelos cônjuges ou companheiros) e heteróloga (o espermatozóide e o óvulo podem ser fornecidos por pessoas estranhas a um
ou a ambos os componentes do
casal). A fecundação homóloga
da esposa, quando devidamente
comprovada, permite reconhecimento da filiação mesmo de marido falecido.
As questões ético-jurídicas surgidas agora contrastam com a
realidade da sabedoria milenar,
segundo a qual a mãe é sempre
certa e o pai é sempre incerto. Sem
falar nas freqüentes trocas de bebês, com o ventre de aluguel, até a
mãe passou a ser incerta, porque
ainda se discute a maternidade
da que gestou o embrião ou de
quem deu o óvulo para formá-lo.
Outra matéria ético-jurídica é a
da legitimidade da filiação se o
espermatozóide utilizado em laboratório não for o do marido ou
companheiro, com ou sem a concordância expressa dele. O marido concordante terá a obrigação
de aceitar a paternidade no primeiro caso, mas não no segundo.
Digo concordância expressa, por
escrito, sem a menor dúvida
quanto à assinatura, ante a importância de que o acordo do homem constitua ato jurídico perfeito e acabado e, uma vez registrado, seja irrevogável. A prova
testemunhal, mesmo sendo legalmente aceitável, é tão sujeita a
variáveis que se pode considerar
fraco amparo para matéria tão
importante. A filiação é assunto
sério demais para ficar sujeita a
alternativas de humor dos que
participam da reprodução assistida, admitindo ou negando o reconhecimento. Se a reprodução natural, pelo método clássico, suscita problemas, será fácil calcular a
magnitude destes na reprodução
assistida. O tema é tão importante que terei de voltar a ele, tentando adivinhar o futuro na aplicação do novo código.
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