São Paulo, sábado, 07 de fevereiro de 2009

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WALTER CENEVIVA

Bom vínculo da Justiça


Se não houver reação, a busca de novas vantagens pelo poder público, sacrificando o direito de defesa, não terá limites


A CONSTITUIÇÃO GARANTE a todos, como direito fundamental, a ampla defesa e o contraditório. Ou seja: não é só o direito de se defender, mas também o de atacar, afirmando a contraditoriedade ao alegado pela outra parte, seja esta quem for. Ocorre, porém, que os órgãos do poder público têm uma série grande de vantagens processuais.
Exemplo: prazos em questões civis, em dobro ou em quádruplo. Outra: os advogados das pessoas de direito privado são intimados pela publicação no "Diário Oficial", física ou eletrônica, correndo seus prazos a partir de cada intimação. Há advogados do poder público que só podem ser intimados pessoalmente, ou seja, quando quiserem ou quase.
O direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório, nesses casos, é ofendido. Não deveria haver diferença no tratamento entre entes públicos e cidadania comum -tratamento que inclui a obrigação do juiz de recorrer de sentença que profira contra o poder público.
Claro que esta é uma narrativa em termos gerais. Compreenderia variáveis específicas, sem interesse em coluna sobre a súmula vinculante.
Súmula vinculante? Para quem não seja do ramo, súmula deve compreender a síntese de decisões iguais ou assemelhadas decididas pelo tribunal. Algumas dessas súmulas são vinculantes. Tornam-se obrigatórias para todos os juízes.
Para não ir muito longe, é bom citar o parágrafo 2º do artigo 102 da Carta Magna, a dizer, desde a EC n.º 45/04, que "as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal". O texto é claro. Não precisa de maior explicação, mas vale outro exemplo, colhido no artigo 102-A, da Carta, incluído pela mesma emenda. Autoriza, em decisão do STF, depois de reiteradas manifestações no mesmo sentido, "aprovar súmula que, a partir de sua publicação na Imprensa Oficial, terá efeito vinculante", em relação aos mesmos órgãos referidos.
Há outros efeitos, mas passo à essência do assunto: o Supremo Tribunal Federal aprovou súmula vinculante (n.º 14) que desagradou servidores públicos das polícias, dos órgãos fiscais e do Ministério Público ao dizer: "É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa".
A ministra Ellen Gracie votou com a maioria, mas defendeu a necessidade da clareza do enunciado. Votou contra o ministro Joaquim Barbosa. Percebo que o leitor se surpreenderá: se a Constituição protege a ampla defesa e o contraditório, como reclamar contra a súmula, se ela assegura o que a Lei Maior garante? Pois é. O poder público já tem muitas vantagens. Mas, se não houver uma reação, como a adotada pelo STF, a busca de novas vantagens, sacrificando o direito de defesa, não terá limites. A Corte Suprema vinculou o caminho da justiça ao bom direito. Ainda bem.


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