São Paulo, domingo, 7 de junho de 1998

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GILBERTO DIMENSTEIN
O lado bom do desemprego

Investigações produzidas nas universidades americanas vêm associando, com cada vez mais dados, o desemprego ao aumento de casos de suicídio.
Os estudos mostram que o suicídio faz parte de uma galeria de distúrbios psicológicos. Cresce o consumo de álcool e drogas, provocando maior número de internações psiquiátricas -e separações conjugais.
Uma das explicações para essas tragédias foi detectada no Brasil, depois que uma professora de psicologia coordenou entrevistas com 180 desempregados. Constatou-se que eles se sentiam culpados, entrando num processo esmagador de baixa estima -um dos fatores que desencadeiam depressão.
Coordenadora da pesquisa, Maria Nilde Mascellani, da Faculdade de Psicologia da PUC, notou que os desempregados achavam, no fundo, que mereciam estar mesmo na rua; afinal, não estudaram.
O processo perverso é que eles vêem em si a razão da culpa, mas não na sociedade que deixou de lhes dar chance de qualificação, frequentando a escola.
Por mais doloroso que seja, o desemprego tem um lado bom. É um dos detonadores de uma revolução silenciosa no Brasil, capaz de mexer nas estruturas de poder e alavancar a cidadania.

Num ritmo jamais visto em nosso país aquece a demanda por conhecimento, envolvendo das categorias mais altas e bem-remuneradas até o principiante operário.
Os sindicatos mesclam, agora, as tradicionais demandas por salário com investimentos em qualificação profissional, um dos anestésicos contra o desemprego. Sindicatos viram, na prática, escolas.
Brigam com os patrões para que ajustem cada vez mais os tradicionais centros de treinamento para que se encaixem às novas necessidades do mercado.
Preocupadas com as falhas do setor público, empresas montam suas próprias escolas de primeiro e segundo graus.
Um dos fatos novos mais relevantes do país é a avalanche de matrículas no chamado ensino médio, o antigo colegial. São 8 milhões de estudantes matriculados no segundo grau, a imensa maioria em escolas públicas.
Apenas um detalhe ajuda a explicar essa correria: a Honda no Brasil exige de seus faxineiros colegial completo.


A tendência é igualmente agitada para os executivos, obrigados a se reciclar permanentemente.
A revista "Exame" calcula que as 500 maiores empresas brasileiras tenham gasto, no ano passado, US$ 650 milhões para treinar seus dirigentes.
Basta abrir o jornal e ver quantos seminários e cursos são oferecidos, trazendo personalidades internacionais.
Ou, então, ver a demanda por cursos e professores de inglês; requisito que significa a chance de estar empregado ou na rua.


Diante do aumento da procura, aumento da oferta de conhecimento.
Apesar de todas (e merecidas) críticas, melhoram as faculdades privadas, pagando salários mais competitivos aos professores.
Universidades americanas oferecem cursos à distância, com aulas complementares feitas no Brasil. Os programas de educação continuada da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, estão superlotados.
Além do crescente acesso à Internet, as TVs por assinatura oferecem informação qualificada para avanço profissional. Exemplos: TVs Senac, Universitária e Futura.


O mercado editorial se adapta com rapidez.
Jornais cobrem mais e mais temas ligados à educação e recursos humanos. As disputas por leitores produziu uma guerra de ofertas de bens culturais, tão criticada entre jornalistas. Bobagem.
Na prática, os brindes estão aumentando, como nunca, o acesso a bens culturais como enciclopédias e material didático. Fosse um plano organizado pelo ministério ou secretarias da educação para democratizar o saber, seria inviável financeiramente.
Surgem publicações especializadas como "Você", da Editora Abril, voltada a recursos humanos. A editora Globo entra na guerra das revistas, lançando "Época".


O fato óbvio: na medida em que mais pessoas estudam para se manter no mercado de trabalho, sobe a gula por conhecimento.
A sociedade é obrigada, na marra, a preparar melhor seus trabalhadores, valorizando a educação, antes que fiquem obsoletos.
O resultado é que, também na marra, somos obrigados a ter melhores escolas; logo, melhores cidadãos.
Da mesma forma se se acabou com a escravidão por motivos econômicos, vamos ter de acabar com a ignorância para sobreviver numa economia globalizada e cada vez mais competitiva.


PS - Uma das coisas que me deixam mais espantados na minha volta de Nova York é ver como, apesar de tantos sinais de evolução, uma expressiva parcela dos brasileiros acredita que o Brasil está piorando.
Pode-se até dizer que poderíamos estar bem melhor, culpando governos e elites por omissão e incompetência (concordo em boa parte). Temos ótimas iniciativas públicas; a bolsa-escola, do PT, é das mais elogiáveis; o Ministério da Educação tem acertado muito mais do que errado. Reproduzem-se inspiradores parcerias de governo com a comunidade.
Pode-se até dizer também, considerando nossas possibilidades, que somos um lixo social (e concordo plenamente).
Não há base na realidade, porém, para sustentar que a nação esteja indo para trás. O notável da experiência brasileira é a vitalidade da sociedade, numa reação à lerdeza oficial.
Excesso de pessimismo é uma mentira que mostra pelo menos uma das seguintes verdades: burrice, ignorância, demagogia ou doença mental.




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