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"Chupe uma bala", diz atendente do SUS
Repórter da Folha tentou se inscrever em programa público de saúde para parar de fumar, mas não obteve sucesso
Na rede federal só atendem por telefone; na estadual, só há um centro de apoio; na cidade, fumante foi mandado para o único posto estadual
ROGÉRIO PAGNAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Segunda-feira, 1º de setembro. Do verso do maço de cigarros, ilustrado por um feto
boiando em formol num vidro,
retiro um 0800 do Ministério
da Saúde: "Pare de Fumar".
Sem identificar-me como
jornalista, fui em busca de uma
ajuda pública e disposto a participar de um programa.
A ligação ao 0800 foi fácil. Já
na primeira tentativa caí naqueles serviços automatizados:
tecle 1 para isso, tecle 2 para
aquilo. Depois de algumas encruzilhadas e informações gravadas, passei para um atencioso atendente. Ficou quase uma
hora me dando informações.
Faço um resumo dos principais momentos do diálogo entre atendente, "que vai estar
pesquisando", e o repórter com
18 anos de tabagismo e uns 130
mil cigarros no currículo.
Primeiro momento:
Atendente: "Você pode mascar chicletes, chupar balas. Mas
não o dia todo".
Repórter: "Mas isso me dá
mais vontade de fumar".
Atendente: "Então, não chupe bala nem masque chiclete".
Segundo momento:
Atendente: "Que horas você
costuma mais fumar?"
Repórter: "O dia todo".
Atendente: "Nenhum momento específico?".
Repórter: "Não, o dia todo.
Só não fumo aqui no escritório
porque não posso".
Atendente: "Pelo que me falou, você fuma mais depois do
almoço e depois do café. Então
você precisa reduzir o café e
evitar fumar após o almoço. Isso cria hábitos".
Fui direto ao ponto. Perguntei sobre ajuda médica, remédios e lista dos locais de atendimento em São Paulo. Falou sobre os remédios, mas não tinha
locais de atendimento. Passou-me o telefone da Secretaria
Municipal de Saúde.
Nesta, a atendente demonstrou não ter muita prática com
o tema. Ouvi um folhear de páginas, ia e voltava, para buscar
endereços que pedi, na região
de Santa Cecília. Me passou,
após algum tempo, dois deles.
O primeiro, o Caps (centros
de atenção psicossocial) em Pinheiros. Após explicar minha
intenção de parar de fumar,
uma mulher disse confiante:
"Vou chamar a expert nisso".
Segundos depois, atendeu-me a "expert". Informou-me,
porém, que naquele lugar não
existe o programa. Precisam de
credenciamento.
No segundo, no Itaim Bibi, a
sorte não foi diferente. A atendente disse tratar ali só casos
mais graves: depressão e transtorno bipolar. Mas passou o
número de uma UBS, que só
dava ocupado. Desisti.
Terça-feira, 2 de setembro.
Antes de procurar um posto de
saúde, como recomendado no
centro em Pinheiros, decidi ligar para a Secretaria de Estado
da Saúde. A telefonista, antes
de encaminhar-me, disse já ter
conseguido fazer um namorado largar do vício apenas com
conselhos. Desejou-me sorte.
Depois de passar por alguns
ramais, "cheguei" ao Cratod
(centro especializado) onde
uma senhora informou existir
um programa. Que parece
bom. "Uma equipe multidisciplinar composta por clínico,
psicólogo, psiquiatra, enfermagem e nutricionista que vai dar
todos os parâmetros para que a
pessoa consiga parar".
Problema. Preciso entrar numa fila de espera que ela nem
soube dizer o tamanho nem
dar expectativa de quando eu
poderia ser chamado. São atendidas 20 pessoas por turma.
"Quando tiver vaga a gente te
liga", garantiu. Primeiro, porém, precisei passar por uma
pequena triagem. "Você tem
disponibilidade de vir às quintas-feiras às 8h?".
Se não tivesse, estaria sem
opções porque as reuniões só
ocorrem às quintas-feiras às
8h. Não há horários alternativos para quem tem problemas
para chegar tarde ao trabalho
(mais tarde fiquei sabendo que
a fila é superior a um ano).
Na quinta-feira, segui o conselho da "expert" de Pinheiros
e fui a UBS do bairro. Rua Vitorino Camilo, na Santa Cecília.
Ali, o encaminhamento foi
rápido. Depois de enfrentar pequena fila, foi a própria atendente do balcão que me encaminhou. Anotou no papel um
endereço "Rua Prates, 165", no
Bom Retiro. O endereço é o
Cratod, o da fila sem fim.
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