São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Chupe uma bala", diz atendente do SUS

Repórter da Folha tentou se inscrever em programa público de saúde para parar de fumar, mas não obteve sucesso

Na rede federal só atendem por telefone; na estadual, só há um centro de apoio; na cidade, fumante foi mandado para o único posto estadual

ROGÉRIO PAGNAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Segunda-feira, 1º de setembro. Do verso do maço de cigarros, ilustrado por um feto boiando em formol num vidro, retiro um 0800 do Ministério da Saúde: "Pare de Fumar".
Sem identificar-me como jornalista, fui em busca de uma ajuda pública e disposto a participar de um programa.
A ligação ao 0800 foi fácil. Já na primeira tentativa caí naqueles serviços automatizados: tecle 1 para isso, tecle 2 para aquilo. Depois de algumas encruzilhadas e informações gravadas, passei para um atencioso atendente. Ficou quase uma hora me dando informações.
Faço um resumo dos principais momentos do diálogo entre atendente, "que vai estar pesquisando", e o repórter com 18 anos de tabagismo e uns 130 mil cigarros no currículo.
Primeiro momento:
Atendente: "Você pode mascar chicletes, chupar balas. Mas não o dia todo".
Repórter: "Mas isso me dá mais vontade de fumar".
Atendente: "Então, não chupe bala nem masque chiclete".
Segundo momento:
Atendente: "Que horas você costuma mais fumar?"
Repórter: "O dia todo".
Atendente: "Nenhum momento específico?".
Repórter: "Não, o dia todo. Só não fumo aqui no escritório porque não posso".
Atendente: "Pelo que me falou, você fuma mais depois do almoço e depois do café. Então você precisa reduzir o café e evitar fumar após o almoço. Isso cria hábitos".
Fui direto ao ponto. Perguntei sobre ajuda médica, remédios e lista dos locais de atendimento em São Paulo. Falou sobre os remédios, mas não tinha locais de atendimento. Passou-me o telefone da Secretaria Municipal de Saúde.
Nesta, a atendente demonstrou não ter muita prática com o tema. Ouvi um folhear de páginas, ia e voltava, para buscar endereços que pedi, na região de Santa Cecília. Me passou, após algum tempo, dois deles.
O primeiro, o Caps (centros de atenção psicossocial) em Pinheiros. Após explicar minha intenção de parar de fumar, uma mulher disse confiante: "Vou chamar a expert nisso".
Segundos depois, atendeu-me a "expert". Informou-me, porém, que naquele lugar não existe o programa. Precisam de credenciamento.
No segundo, no Itaim Bibi, a sorte não foi diferente. A atendente disse tratar ali só casos mais graves: depressão e transtorno bipolar. Mas passou o número de uma UBS, que só dava ocupado. Desisti.
Terça-feira, 2 de setembro. Antes de procurar um posto de saúde, como recomendado no centro em Pinheiros, decidi ligar para a Secretaria de Estado da Saúde. A telefonista, antes de encaminhar-me, disse já ter conseguido fazer um namorado largar do vício apenas com conselhos. Desejou-me sorte.
Depois de passar por alguns ramais, "cheguei" ao Cratod (centro especializado) onde uma senhora informou existir um programa. Que parece bom. "Uma equipe multidisciplinar composta por clínico, psicólogo, psiquiatra, enfermagem e nutricionista que vai dar todos os parâmetros para que a pessoa consiga parar".
Problema. Preciso entrar numa fila de espera que ela nem soube dizer o tamanho nem dar expectativa de quando eu poderia ser chamado. São atendidas 20 pessoas por turma.
"Quando tiver vaga a gente te liga", garantiu. Primeiro, porém, precisei passar por uma pequena triagem. "Você tem disponibilidade de vir às quintas-feiras às 8h?".
Se não tivesse, estaria sem opções porque as reuniões só ocorrem às quintas-feiras às 8h. Não há horários alternativos para quem tem problemas para chegar tarde ao trabalho (mais tarde fiquei sabendo que a fila é superior a um ano).
Na quinta-feira, segui o conselho da "expert" de Pinheiros e fui a UBS do bairro. Rua Vitorino Camilo, na Santa Cecília.
Ali, o encaminhamento foi rápido. Depois de enfrentar pequena fila, foi a própria atendente do balcão que me encaminhou. Anotou no papel um endereço "Rua Prates, 165", no Bom Retiro. O endereço é o Cratod, o da fila sem fim.


Texto Anterior: Governo pune fumante e limita tratamento
Próximo Texto: Apoio a fumante é necessário, diz médico
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.