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TROCA DE PODER
Alto de Pinheiros, onde vive o prefeito eleito, alia grande arborização à disseminação de aparatos de segurança
Bairro de Serra é oásis em estado de alerta
FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL
Alto de Pinheiros, bairro da zona oeste de São Paulo onde vive,
há 20 anos, o prefeito eleito da cidade, José Serra (PSDB), é um oásis em estado de alerta.
Nos últimos dez anos, os muros
dos casarões do bairro de classe
média alta subiram, as cercas eletrificadas viraram lugar-comum e
as guaritas de vigias proliferaram,
assim como o fechamento de ruas
que criaram bolsões residenciais.
Há carros de segurança privada
rondando a região. E há um carro
da PM permanentemente diante
da casa onde mora o secretário de
Estado da Segurança Pública,
Saulo de Castro Abreu Filho.
Serra mora próximo à praça Panamericana. Ali, o trânsito intenso impede as pessoas de repararem na estátua de Cristóvão Colombo disposta bem no centro do
terreno. Ali, a unidade do supermercado Pão de Açúcar é a que
mais vende vinhos de toda a rede
paulistana. E, na rua de Serra, os
vizinhos parecem não se incomodar com o vaivém de seguranças e
da imprensa. "Deve aumentar o
movimento por aqui, mas não me
incomoda em nada", diz a vizinha
de frente Yedda de Castro Lerner.
Além de Serra, quem der sorte
pode encontrar com o poeta e
compositor Arnaldo Antunes,
com o ex-jogador de futebol Raí
ou com os cineastas Fernando
Meirelles e Beto Brant.
Mas, no Alto de Pinheiros, longe
das praças e dos plantões na porta
da casa do prefeito eleito, o que
menos se vê é gente. "A vizinhança pouco se conhece. As casas são
grandes e pouca gente sai do portão a pé", afirma o fotógrafo Marco Antônio de Moraes, 45, que vive no bairro há 26 anos.
A renda familiar média do bairro é de R$ 4.200 (contra R$ 1.400
do município de São Paulo) e cerca de 85% de seus moradores têm
carro -segundo pesquisa Datafolha deste ano. O bairro é o paraíso de Audis, BMWs e Mercedes. Mas também é possível encontrar um Jaguar e integrantes
do Clube do Puma em reunião na
tradicional choperia Senzala, na
praça Panamericana.
No bairro, ter carro é requisito
básico -seja para ir a padarias,
farmácias e supermercados (que
raramente ficam "ali na esquina"), seja para se deslocar para
outros pontos da cidade- pela
carência da oferta de transporte
público apontada por moradores.
"Toda vez que a SPTrans quer
colocar uma nova linha na região
é uma briga. Fazem abaixo-assinado e conseguem impedir sua
instalação", diz Moraes. "Esse
bairro é totalmente tucano. Até a
pobreza é tucana, porque nos últimos quatro anos a prefeitura não
colocou dinheiro no bairro. Mesmo assim, não votei no Serra."
Mais do que o medo da violência, Alto de Pinheiros tem sido sitiado pelos prédios que crescem
colados em seus limites e pelo
trânsito. Muitas ruas residenciais,
antes tranqüilas, tornaram-se
corredores de tráfego intenso.
Para fugir da lentidão da marginal Pinheiros e dos muitos semáforos da avenida Heitor Penteado,
motoristas passaram a cortar caminho pelas vias do bairro, inventando atalhos e trajetos alternativos que ameaçam o sossego da região. Com isso, muitas ruas foram
fechadas por cancelas. "O projeto
de bolsões não foi criado para isolar o bairro, mas para desestimular o tráfego de passagem", explica o arquiteto Paulo Bastos, 68,
conselheiro da Sociedade Amigos
do Alto de Pinheiros (Saap).
Praças e lazer
No Alto de Pinheiros, a maioria
das 52 praças locais tem pouco
movimento, os bolsões de ruas
ainda podem ser ampliados e o vigia Cristiano Medeiros sobe e desce a cancela que isola a rua Alberto Faria cerca de 120 vezes por dia.
Aos finais de semana e feriados,
os dois atendentes da banca de
jornais em frente ao colégio Santa
Cruz morrem de tédio. "Isso aqui
é um bairro morto. Se não tem aula, não tem nenhum movimento
aqui", resmunga um deles.
Durante o dia, a praça do Pôr-do-sol é ponto de encontro de jovens, esportistas e donos de cães.
À noite, o local, famoso por ser
um mirante natural de São Paulo,
transforma-se em uma espécie de
"namoródromo", oferecendo cenas tórridas aos voyeurs de plantão e economia para o bolso dos
apaixonados -mesmo sob o risco de sofrerem um assalto.
Próximo dali, na praça Província de Saitama, uma quadra de futebol faz a alegria de garotos da vizinhança. Alguns deles, entre
uma embaixada e outra, revezam-se em tragadas de um cigarro de
maconha compartilhado.
O bairro de pouco comércio e
moradores endinheirados -o
metro quadrado de terreno no Alto de Pinheiros custa em média
R$ 1.700- tem moradores de rua
dos mais excêntricos. Na mesma
praça em que jovens batem bola,
vivem dois sem-teto que armaram barracas de camping e dormem longe dos albergues.
Na Pedroso de Morais, vive há
dez anos Raimundo Arruda Sobrinho, 66, conhecido como O
Condicionado, que é como assina
textos que entrega a passantes. Ele
usa um saco de batatas como vestido, uma capa feita de lona preta
e um chapéu de saco plástico.
"Ouvi dizer que esse é o bairro
mais rico do país. Mas, para mim,
não existe lugar bom ou ruim. Em
virtude da minha condição, não
há diferença entre aqui e ali."
Árvores e pássaros
Logo que o sol raia, o movimento é intenso nas árvores do Alto de
Pinheiros. A região parece um viveiro a céu aberto tamanho o número (e o barulho) de pássaros.
Árvores como ipês, jerivás, patis, jacarandás, sibipirunas, concentradas em 7,7 km2 de área, fazem do bairro um dos mais arborizados da cidade. São 84,5 m2 de
cobertura vegetal por habitante
do bairro (a Sé tem 0,22 m2 de verde por habitante).
Quem vive ali tem ao seu redor
dez vezes mais vegetação que moradores da Vila Curuçá, na zona
leste, por exemplo. Tantas árvores
garantem uma temperatura média cerca de 3C menor que do
restante do município.
Na contramão da população de
pássaros e da profusão de árvores,
o bairro vem sofrendo esvaziamento humano, crescimento populacional negativo -algo facilmente verificável pela grande
quantidade de casas para vender e
para alugar. De 1991 a 2000, a taxa
de crescimento foi de -1,37%.
A evasão de moradores é sinal
dos tempos: um bairro-jardim residencial em que a privacidade e a
qualidade de vida de décadas
atrás foi castigada pelo trânsito,
pelo barulho dos ônibus e pela
(ainda pouca) violência local.
Em 2003, o bairro computou
apenas três casos de óbito por
agressão entre seus moradores.
Perde só para Moema, que teve
dois casos desses no ano passado.
Em compensação, no outro extremo está o Grajaú, com 318 mortes
por agressão no mesmo ano.
Segundo o 14º DP, que cuida da
região, a ocorrência mais comum
no bairro é o furto de veículos.
Outros crimes, no entanto, abalaram o local neste ano. Em 7 de
maio, o estudante Guilherme
Mendes de Almeida, 15, foi morto
com cinco tiros na praça Vicentina de Carvalho por um segurança
que atuava na região.
Em 3 de agosto, um adolescente
de 14 anos foi seqüestrado a caminho do colégio Santa Cruz, onde
estudava. Ele estava na rua onde
mora o secretário Abreu Filho. À
época, Abreu Filho comentou sobre o caso: "Minha rua não é blindada. Acontecem crimes". O local tem vigilância policial 24 horas.
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