São Paulo, domingo, 07 de novembro de 2004

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TROCA DE PODER

Alto de Pinheiros, onde vive o prefeito eleito, alia grande arborização à disseminação de aparatos de segurança

Bairro de Serra é oásis em estado de alerta

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Alto de Pinheiros, bairro da zona oeste de São Paulo onde vive, há 20 anos, o prefeito eleito da cidade, José Serra (PSDB), é um oásis em estado de alerta.
Nos últimos dez anos, os muros dos casarões do bairro de classe média alta subiram, as cercas eletrificadas viraram lugar-comum e as guaritas de vigias proliferaram, assim como o fechamento de ruas que criaram bolsões residenciais.
Há carros de segurança privada rondando a região. E há um carro da PM permanentemente diante da casa onde mora o secretário de Estado da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho.
Serra mora próximo à praça Panamericana. Ali, o trânsito intenso impede as pessoas de repararem na estátua de Cristóvão Colombo disposta bem no centro do terreno. Ali, a unidade do supermercado Pão de Açúcar é a que mais vende vinhos de toda a rede paulistana. E, na rua de Serra, os vizinhos parecem não se incomodar com o vaivém de seguranças e da imprensa. "Deve aumentar o movimento por aqui, mas não me incomoda em nada", diz a vizinha de frente Yedda de Castro Lerner.
Além de Serra, quem der sorte pode encontrar com o poeta e compositor Arnaldo Antunes, com o ex-jogador de futebol Raí ou com os cineastas Fernando Meirelles e Beto Brant.
Mas, no Alto de Pinheiros, longe das praças e dos plantões na porta da casa do prefeito eleito, o que menos se vê é gente. "A vizinhança pouco se conhece. As casas são grandes e pouca gente sai do portão a pé", afirma o fotógrafo Marco Antônio de Moraes, 45, que vive no bairro há 26 anos.
A renda familiar média do bairro é de R$ 4.200 (contra R$ 1.400 do município de São Paulo) e cerca de 85% de seus moradores têm carro -segundo pesquisa Datafolha deste ano. O bairro é o paraíso de Audis, BMWs e Mercedes. Mas também é possível encontrar um Jaguar e integrantes do Clube do Puma em reunião na tradicional choperia Senzala, na praça Panamericana.
No bairro, ter carro é requisito básico -seja para ir a padarias, farmácias e supermercados (que raramente ficam "ali na esquina"), seja para se deslocar para outros pontos da cidade- pela carência da oferta de transporte público apontada por moradores.
"Toda vez que a SPTrans quer colocar uma nova linha na região é uma briga. Fazem abaixo-assinado e conseguem impedir sua instalação", diz Moraes. "Esse bairro é totalmente tucano. Até a pobreza é tucana, porque nos últimos quatro anos a prefeitura não colocou dinheiro no bairro. Mesmo assim, não votei no Serra."
Mais do que o medo da violência, Alto de Pinheiros tem sido sitiado pelos prédios que crescem colados em seus limites e pelo trânsito. Muitas ruas residenciais, antes tranqüilas, tornaram-se corredores de tráfego intenso.
Para fugir da lentidão da marginal Pinheiros e dos muitos semáforos da avenida Heitor Penteado, motoristas passaram a cortar caminho pelas vias do bairro, inventando atalhos e trajetos alternativos que ameaçam o sossego da região. Com isso, muitas ruas foram fechadas por cancelas. "O projeto de bolsões não foi criado para isolar o bairro, mas para desestimular o tráfego de passagem", explica o arquiteto Paulo Bastos, 68, conselheiro da Sociedade Amigos do Alto de Pinheiros (Saap).

Praças e lazer
No Alto de Pinheiros, a maioria das 52 praças locais tem pouco movimento, os bolsões de ruas ainda podem ser ampliados e o vigia Cristiano Medeiros sobe e desce a cancela que isola a rua Alberto Faria cerca de 120 vezes por dia.
Aos finais de semana e feriados, os dois atendentes da banca de jornais em frente ao colégio Santa Cruz morrem de tédio. "Isso aqui é um bairro morto. Se não tem aula, não tem nenhum movimento aqui", resmunga um deles.
Durante o dia, a praça do Pôr-do-sol é ponto de encontro de jovens, esportistas e donos de cães. À noite, o local, famoso por ser um mirante natural de São Paulo, transforma-se em uma espécie de "namoródromo", oferecendo cenas tórridas aos voyeurs de plantão e economia para o bolso dos apaixonados -mesmo sob o risco de sofrerem um assalto.
Próximo dali, na praça Província de Saitama, uma quadra de futebol faz a alegria de garotos da vizinhança. Alguns deles, entre uma embaixada e outra, revezam-se em tragadas de um cigarro de maconha compartilhado.
O bairro de pouco comércio e moradores endinheirados -o metro quadrado de terreno no Alto de Pinheiros custa em média R$ 1.700- tem moradores de rua dos mais excêntricos. Na mesma praça em que jovens batem bola, vivem dois sem-teto que armaram barracas de camping e dormem longe dos albergues.
Na Pedroso de Morais, vive há dez anos Raimundo Arruda Sobrinho, 66, conhecido como O Condicionado, que é como assina textos que entrega a passantes. Ele usa um saco de batatas como vestido, uma capa feita de lona preta e um chapéu de saco plástico. "Ouvi dizer que esse é o bairro mais rico do país. Mas, para mim, não existe lugar bom ou ruim. Em virtude da minha condição, não há diferença entre aqui e ali."

Árvores e pássaros
Logo que o sol raia, o movimento é intenso nas árvores do Alto de Pinheiros. A região parece um viveiro a céu aberto tamanho o número (e o barulho) de pássaros.
Árvores como ipês, jerivás, patis, jacarandás, sibipirunas, concentradas em 7,7 km2 de área, fazem do bairro um dos mais arborizados da cidade. São 84,5 m2 de cobertura vegetal por habitante do bairro (a Sé tem 0,22 m2 de verde por habitante).
Quem vive ali tem ao seu redor dez vezes mais vegetação que moradores da Vila Curuçá, na zona leste, por exemplo. Tantas árvores garantem uma temperatura média cerca de 3C menor que do restante do município.
Na contramão da população de pássaros e da profusão de árvores, o bairro vem sofrendo esvaziamento humano, crescimento populacional negativo -algo facilmente verificável pela grande quantidade de casas para vender e para alugar. De 1991 a 2000, a taxa de crescimento foi de -1,37%.
A evasão de moradores é sinal dos tempos: um bairro-jardim residencial em que a privacidade e a qualidade de vida de décadas atrás foi castigada pelo trânsito, pelo barulho dos ônibus e pela (ainda pouca) violência local.
Em 2003, o bairro computou apenas três casos de óbito por agressão entre seus moradores. Perde só para Moema, que teve dois casos desses no ano passado. Em compensação, no outro extremo está o Grajaú, com 318 mortes por agressão no mesmo ano.
Segundo o 14º DP, que cuida da região, a ocorrência mais comum no bairro é o furto de veículos.
Outros crimes, no entanto, abalaram o local neste ano. Em 7 de maio, o estudante Guilherme Mendes de Almeida, 15, foi morto com cinco tiros na praça Vicentina de Carvalho por um segurança que atuava na região.
Em 3 de agosto, um adolescente de 14 anos foi seqüestrado a caminho do colégio Santa Cruz, onde estudava. Ele estava na rua onde mora o secretário Abreu Filho. À época, Abreu Filho comentou sobre o caso: "Minha rua não é blindada. Acontecem crimes". O local tem vigilância policial 24 horas.

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