São Paulo, segunda-feira, 08 de março de 2004

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FEBEM

Grupo liderado por professor universitário tenta ajudar menores e funcionários e ganha confiança dentro da instituição

Voluntários estimulam reflexão de internos

Ciete Silverio/Folha Imagem
Internos da Febem dentro do complexo Tatuapé, na zona leste de São Paulo, onde recebem atendimento psicológico voluntário


GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Como se faz para ser professor universitário?", pergunta A.L.F.S., 17, interno da Febem. Carlos Roberto do Prado, 51, professor universitário e voluntário na instituição, afirma que é preciso muito trabalho e estudo. Depois de contar que já foi até bóia-fria, Prado percebe que o jovem está emocionado e pergunta se ele sonha com a profissão de professor. A resposta surpreende. "É porque eu matei um", justifica o interno.
Para muitos, a resposta pode ser apenas a confissão de um crime ou até uma provocação. Para Prado, porém, é o começo da recuperação do jovem. Ao tentar saber sobre a vítima, o interno começou a assimilar a gravidade do crime cometido, segundo o professor.
"A emoção era porque ele estava finalmente percebendo o que fez", diz Prado, líder de um grupo de voluntários que trabalha com internos da unidade 19 da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor), no complexo Tatuapé, na zona leste de São Paulo. "Se o interno não perceber realmente o que fez, sua permanência na Febem vai ser inútil."
O interno falava a verdade. Ele era reincidente. Foi preso pela primeira vez por latrocínio (roubo com a morte da vítima) e estava internado de novo, por roubo. A confissão foi feita em forma de desabafo a Prado.
Administrador de empresas, com mestrado direcionado para o terceiro setor (que abrange as organizações não-governamentais) e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Educação da Universidade Mackenzie, ele organizou, no ano passado, um grupo de seis pessoas -formado por profissionais e estudantes na área de psicologia- para prestar atendimento a internos e também a funcionários da Febem. Integram a equipe a mulher de Prado, que é psicóloga, e a filha.

Medo e desconfiança
De setembro a dezembro do ano passado, o grupo conversou com internos em cadeiras colocadas no pátio da unidade. As conversas eram em grupo e individuais. Dos 102 internos da unidade, na maioria com perfil primário grave, 74 quiseram participar da experiência.
Com os funcionários, foram feitas dinâmicas de grupo e conversas coletivas. Participaram do porteiro ao diretor. A segunda fase do projeto começou ontem. O grupo de seis voluntários já cresceu para 14.
A primeira etapa foi suficiente para encontrar algumas semelhanças entre internos e funcionários. Entre elas, medo e desconfiança em relação ao outro.
Segundo Prado, o interno chega à instituição com medo de tudo, vê o servidor como um inimigo em potencial e não tem noção clara do crime que cometeu. "O interno sabe que fez algo errado, mas não percebe profundamente o mal que causou", diz.
O funcionário, por outro lado, também tem medo. Teme se tornar refém em rebeliões ou ser agredido. Muitos vêem o interno apenas como um prisioneiro que deve ser mantido encarcerado.

Resistência
Encampado pela direção da unidade, o trabalho do grupo enfrentou resistências de ambos os lados. Internos e funcionários desconfiaram que aquilo poderia ser usado contra eles.
O primeiro passo para ganhar a confiança foi o sigilo das informações. Nada do que é conversado com o interno vai para o relatório -documento feito por técnicos da Febem que informa à Justiça as condições do interno e pede ou não a sua desinternação. Não se comenta o que o interno falou do funcionário e vice-versa.
"Isso seria quebra de confiança. Seria antiético. E essas informações podem acabar sendo usadas pelas duas partes", diz o professor, que faz questão de dizer a internos e funcionários que o atendimento não é institucional.
"O interno vê o relatório como uma forma de premiação ou punição. Mas ele precisa falar sobre seus problemas sem pensar nisso", diz o professor. E, segundo ele, não é só o menor que se sente abandonado. "O funcionário também se sente um pouco abandonado em relação ao reconhecimento de seu trabalho."
As conversas com o grupo parecem ter ajudado o interno A.L.F.S. a voltar para a rua. Ele, que completou 18 anos no mês passado, foi desinternado em novembro de 2003. Segundo informações da direção da unidade, o jovem já está estudando e trabalhando.



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