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Símbolos do apagão aéreo dizem não se arrepender
Controladores afirmam estar dispostos a enfrentar a fúria de passageiros afetados pela paralisação em nome da segurança no ar
Sargentos que fizeram greve de fome em Manaus relatam como movimento foi articulado
KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS
Os controladores de vôo do
Cindacta-4, sediado em Manaus, deram um "rosto" à crise
aérea brasileira ao se deixarem
fotografar durante greve de fome e aquartelamento.
A imagem virou símbolo do
30 de março, dia em que o caos
se instaurou novamente nos
aeroportos do Brasil. A Folha
localizou e entrevistou cinco
dos controladores que aparecem na fotografia.
Eles dizem que não se arrependem da manifestação nem
da imagem, registrada dentro
do alojamento de 30 metros
quadrados do Cindacta-4, no
qual permaneceram confinados e em greve de fome até a
madrugada do dia 31. No protesto, pediam melhores condições de trabalho.
"Sentimos tristeza e constrangimento pelas imagens que
vimos pela televisão, de mulheres, homens, crianças e idosos
dormindo no chão dos aeroportos", disse o sargento Walber Sousa Oliveira, 26. "Mas estamos dispostos a enfrentar o
constrangimento ou a fúria de
algum passageiro em decorrência da segurança no ar."
Depois da manifestação, que
se espalhou por todo o país parando os aeroportos brasileiros, foi instaurado um IPM (Inquérito Policial Militar) podendo levar os controladores a
penalidades que variam de
quatro a oito anos de detenção,
conforme o regimento interno
da Justiça Militar.
Na quinta-feira, o sindicato
da categoria pediu perdão à sociedade na tentativa de retomar as negociações com o governo e amenizar as punições.
O Cindacta-4 (Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo), em
Manaus, foi criado a partir da
implantação do projeto Sivam
(Sistema de Vigilância da Amazônia) e é responsável pelo
controle do tráfego aéreo no
Amazonas, Roraima e Mato
Grosso e em parte do Pará. O
centro funciona como a "porta
de entrada" do país, responsável por 90% do tráfego aéreo
que evolui dos Estados Unidos
e da América Central.
Como o sargento Oliveira,
dois dos outros operadores de
tráfego aéreo entrevistados
-os também sargentos Lisandro Koyama, 28, e Daniel Tavares de Lima, 28- deixaram
suas famílias em Belém (PA)
para fazer o curso da FAB na
Escola de Especialistas de Guaratinguetá, em São Paulo, antes
de ingressarem no Cindacta-4.
Na escola estudaram também os outros sargentos entrevistados: o fluminense Alex
Gonçalves Sá, 25, e o cearense
Rivelino de Paiva, 36.
Todos os controladores entrevistados se deslocaram para
Manaus entre 2001 e 2005. São
casados e ganham salários entre R$ 1.600 e R$ 2.500, em valores líquidos. Pagam aluguel
porque não conseguiram uma
casa cedida pela FAB. Trabalham numa jornada de 36 horas por semana, variável de
acordo com a escala.
No dia 30 de março, os controladores do Cindacta-4 fizeram circular entre eles uma
carta na qual relatavam os problemas nas operações do tráfego aéreo. A notícia correu entre
os Cindactas através de ligações de telefones celulares.
"Não temos como saber se
nós fomos os primeiros [a iniciar o protesto]. Começamos a
ligar para os nossos amigos de
escola [do curso em Guaratinguetá] para saber o que estava
acontecendo. Aqui pensamos
em nos mobilizar a partir de
quinta para sexta-feira", disse
Oliveira.
"O pessoal que ia chegando
[para cumprir a escala] ficava
sabendo da greve de fome e ia
fazendo também, e assim foi
repassando. Acabou sendo
uma sensibilização geral."
A paralisação em Manaus começou à meia-noite de sexta-feira e reuniu operadores de
quatro turnos, cerca de 50 dos
65 profissionais do órgão. Alguns controladores permaneceram 30 horas sem comer.
Com 15 anos como profissional do controle de tráfego aéreo, o sargento Rivelino de Paiva afirma que a motivação para
o protesto foi o "estado psicológico" dos controladores. "Somos tratados como máquina,
esquecendo da parte psicológica, mental, física, social, familiar, médica."
Entre os problemas operacionais apontados na carta, os
controladores citavam falhas
nos radares (como variações de
rumo, velocidade e nível de
vôo) e nas freqüências de rádio
-que, segundo eles, põem em
risco a segurança dos aviões.
Questionaram ainda a carga-horária de 180 horas de trabalho por mês, quando o máximo
regulamentado é 168, e falta de
investimento da FAB em cursos de língua inglesa.
"A greve de fome e o aquartelamento voluntário foram a
única decisão possível diante
de todo o problema. Fiquei 23
horas sem comer", disse Daniel
Lima, na função desde 2002.
O protesto acabou na madrugada do dia 31 de março. Os
controladores se negaram a revelar quem, dentro do Cindacta-4, tirou a foto-símbolo da
crise aérea.
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