São Paulo, domingo, 08 de abril de 2007

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Símbolos do apagão aéreo dizem não se arrepender

Controladores afirmam estar dispostos a enfrentar a fúria de passageiros afetados pela paralisação em nome da segurança no ar

Sargentos que fizeram greve de fome em Manaus relatam como movimento foi articulado

KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS

Os controladores de vôo do Cindacta-4, sediado em Manaus, deram um "rosto" à crise aérea brasileira ao se deixarem fotografar durante greve de fome e aquartelamento.
A imagem virou símbolo do 30 de março, dia em que o caos se instaurou novamente nos aeroportos do Brasil. A Folha localizou e entrevistou cinco dos controladores que aparecem na fotografia.
Eles dizem que não se arrependem da manifestação nem da imagem, registrada dentro do alojamento de 30 metros quadrados do Cindacta-4, no qual permaneceram confinados e em greve de fome até a madrugada do dia 31. No protesto, pediam melhores condições de trabalho.
"Sentimos tristeza e constrangimento pelas imagens que vimos pela televisão, de mulheres, homens, crianças e idosos dormindo no chão dos aeroportos", disse o sargento Walber Sousa Oliveira, 26. "Mas estamos dispostos a enfrentar o constrangimento ou a fúria de algum passageiro em decorrência da segurança no ar."
Depois da manifestação, que se espalhou por todo o país parando os aeroportos brasileiros, foi instaurado um IPM (Inquérito Policial Militar) podendo levar os controladores a penalidades que variam de quatro a oito anos de detenção, conforme o regimento interno da Justiça Militar.
Na quinta-feira, o sindicato da categoria pediu perdão à sociedade na tentativa de retomar as negociações com o governo e amenizar as punições.
O Cindacta-4 (Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo), em Manaus, foi criado a partir da implantação do projeto Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) e é responsável pelo controle do tráfego aéreo no Amazonas, Roraima e Mato Grosso e em parte do Pará. O centro funciona como a "porta de entrada" do país, responsável por 90% do tráfego aéreo que evolui dos Estados Unidos e da América Central.
Como o sargento Oliveira, dois dos outros operadores de tráfego aéreo entrevistados -os também sargentos Lisandro Koyama, 28, e Daniel Tavares de Lima, 28- deixaram suas famílias em Belém (PA) para fazer o curso da FAB na Escola de Especialistas de Guaratinguetá, em São Paulo, antes de ingressarem no Cindacta-4.
Na escola estudaram também os outros sargentos entrevistados: o fluminense Alex Gonçalves Sá, 25, e o cearense Rivelino de Paiva, 36.
Todos os controladores entrevistados se deslocaram para Manaus entre 2001 e 2005. São casados e ganham salários entre R$ 1.600 e R$ 2.500, em valores líquidos. Pagam aluguel porque não conseguiram uma casa cedida pela FAB. Trabalham numa jornada de 36 horas por semana, variável de acordo com a escala.
No dia 30 de março, os controladores do Cindacta-4 fizeram circular entre eles uma carta na qual relatavam os problemas nas operações do tráfego aéreo. A notícia correu entre os Cindactas através de ligações de telefones celulares.
"Não temos como saber se nós fomos os primeiros [a iniciar o protesto]. Começamos a ligar para os nossos amigos de escola [do curso em Guaratinguetá] para saber o que estava acontecendo. Aqui pensamos em nos mobilizar a partir de quinta para sexta-feira", disse Oliveira.
"O pessoal que ia chegando [para cumprir a escala] ficava sabendo da greve de fome e ia fazendo também, e assim foi repassando. Acabou sendo uma sensibilização geral."
A paralisação em Manaus começou à meia-noite de sexta-feira e reuniu operadores de quatro turnos, cerca de 50 dos 65 profissionais do órgão. Alguns controladores permaneceram 30 horas sem comer.
Com 15 anos como profissional do controle de tráfego aéreo, o sargento Rivelino de Paiva afirma que a motivação para o protesto foi o "estado psicológico" dos controladores. "Somos tratados como máquina, esquecendo da parte psicológica, mental, física, social, familiar, médica."
Entre os problemas operacionais apontados na carta, os controladores citavam falhas nos radares (como variações de rumo, velocidade e nível de vôo) e nas freqüências de rádio -que, segundo eles, põem em risco a segurança dos aviões. Questionaram ainda a carga-horária de 180 horas de trabalho por mês, quando o máximo regulamentado é 168, e falta de investimento da FAB em cursos de língua inglesa.
"A greve de fome e o aquartelamento voluntário foram a única decisão possível diante de todo o problema. Fiquei 23 horas sem comer", disse Daniel Lima, na função desde 2002.
O protesto acabou na madrugada do dia 31 de março. Os controladores se negaram a revelar quem, dentro do Cindacta-4, tirou a foto-símbolo da crise aérea.


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