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LETRAS JURÍDICAS
Discussões sobre o mito do salário mínimo
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
As discussões sobre o
valor do salário mínimo,
resolvido pelo governo, que o Legislativo deve confirmar, não
conseguirão superar a realidade
básica: trata-se de incontornável
exercício de imaginação, quase
mitológica quando se pensa nas
necessidades do trabalhador e de
sua família, as quais o salário deve satisfazer integralmente. O mito começa com o adjetivo "mínimo". Pensado em termos de valor,
o mínimo pode ser qualquer um a
partir de um centavo. O adjetivo
não se refere ao valor, mas ao
conjunto dos direitos a serem satisfeitos. O critério da destinação
esperada desse tipo de remuneração vem definido pela Constituição (artigo 7º, inciso IV).
Os direitos dos trabalhadores
urbanos e rurais, além de outros
que visem à melhoria de sua condição social, incluem o salário
mínimo. É fixado em lei (por isso
depende do Legislativo). É unificado nacionalmente (igual para o
trabalhador do Rio de Janeiro e
de São Paulo ou de qualquer outro município do Brasil, grande
ou pequeno). A Carta Magna relaciona as necessidades básicas:
moradia, alimentação, educação,
saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social.
Mas não é só: o mínimo deve sofrer reajustes periódicos, que lhe
preservem o poder aquisitivo, ou
seja, a possibilidade de tornar efetivos os direitos assegurados.
O constituinte de 1988, sabendo
do aspecto ficcional do inciso IV,
que acabo de mencionar, encerrou-o com grande prudência política, ao vedar a vinculação do salário mínimo para qualquer fim.
Antes de 1988, era freqüente estabelecer liame de diversas situações com essa remuneração, mesmo fora do mercado de trabalho,
até pela circunstância lógica de
ser a menor possível. A única exceção aberta existe atualmente
quando a vinculação seja determinada pela própria Carta. Serve
de exemplo o artigo 201, no parágrafo 2º: nenhum benefício que
substitua o salário de contribuição do aposentado ou pensionado poderá ser inferior ao salário
mínimo. Diz o governo petista
(incidindo no mesmo comportamento que criticava em seus predecessores quando era oposição)
que o salário de R$ 260,00 é o mínimo possível.
Dentro de dois anos, a criação
legal do salário mínimo fará 70
anos, pois surgiu em janeiro de
1936. Depois foi acolhido na CLT
e, finalmente, teve a tabela regionalizada aprovada. Se, no início,
o salário mínimo foi uma grande
conquista dos trabalhadores, depois, aos poucos, com as alterações de sua sistemática, foi ficando cada vez mais distante da finalidade básica de cobrir as despesas vitais do trabalhador e de
sua família. Isso até chegar ao mito de hoje.
Mesmo assim e por incrível que
pareça, o salário mínimo tem
uma função social palpável: os
aumentos de seu valor -quando
correspondam ao preceito constitucional de acompanhamento do
poder aquisitivo da moeda- representam uma garantia para os
mais pobres. Talvez por essa nobre missão protetora dos que estão próximos da linha da miserabilidade, apesar de todos os defeitos, continua vivo no universo das
relações de trabalho. Nos anos futuros, a discussão retornará com
a mesma monotonia do passado,
conforme os discordantes sejam
da situação ou da oposição.
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