São Paulo, sábado, 08 de maio de 2004

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LETRAS JURÍDICAS

Discussões sobre o mito do salário mínimo

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

As discussões sobre o valor do salário mínimo, resolvido pelo governo, que o Legislativo deve confirmar, não conseguirão superar a realidade básica: trata-se de incontornável exercício de imaginação, quase mitológica quando se pensa nas necessidades do trabalhador e de sua família, as quais o salário deve satisfazer integralmente. O mito começa com o adjetivo "mínimo". Pensado em termos de valor, o mínimo pode ser qualquer um a partir de um centavo. O adjetivo não se refere ao valor, mas ao conjunto dos direitos a serem satisfeitos. O critério da destinação esperada desse tipo de remuneração vem definido pela Constituição (artigo 7º, inciso IV).
Os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, incluem o salário mínimo. É fixado em lei (por isso depende do Legislativo). É unificado nacionalmente (igual para o trabalhador do Rio de Janeiro e de São Paulo ou de qualquer outro município do Brasil, grande ou pequeno). A Carta Magna relaciona as necessidades básicas: moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Mas não é só: o mínimo deve sofrer reajustes periódicos, que lhe preservem o poder aquisitivo, ou seja, a possibilidade de tornar efetivos os direitos assegurados.
O constituinte de 1988, sabendo do aspecto ficcional do inciso IV, que acabo de mencionar, encerrou-o com grande prudência política, ao vedar a vinculação do salário mínimo para qualquer fim. Antes de 1988, era freqüente estabelecer liame de diversas situações com essa remuneração, mesmo fora do mercado de trabalho, até pela circunstância lógica de ser a menor possível. A única exceção aberta existe atualmente quando a vinculação seja determinada pela própria Carta. Serve de exemplo o artigo 201, no parágrafo 2º: nenhum benefício que substitua o salário de contribuição do aposentado ou pensionado poderá ser inferior ao salário mínimo. Diz o governo petista (incidindo no mesmo comportamento que criticava em seus predecessores quando era oposição) que o salário de R$ 260,00 é o mínimo possível.
Dentro de dois anos, a criação legal do salário mínimo fará 70 anos, pois surgiu em janeiro de 1936. Depois foi acolhido na CLT e, finalmente, teve a tabela regionalizada aprovada. Se, no início, o salário mínimo foi uma grande conquista dos trabalhadores, depois, aos poucos, com as alterações de sua sistemática, foi ficando cada vez mais distante da finalidade básica de cobrir as despesas vitais do trabalhador e de sua família. Isso até chegar ao mito de hoje.
Mesmo assim e por incrível que pareça, o salário mínimo tem uma função social palpável: os aumentos de seu valor -quando correspondam ao preceito constitucional de acompanhamento do poder aquisitivo da moeda- representam uma garantia para os mais pobres. Talvez por essa nobre missão protetora dos que estão próximos da linha da miserabilidade, apesar de todos os defeitos, continua vivo no universo das relações de trabalho. Nos anos futuros, a discussão retornará com a mesma monotonia do passado, conforme os discordantes sejam da situação ou da oposição.


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