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VÔO 1907/SAÚDE
Morte trágica traz risco de luto patológico, diz médico
Pessoas próximas de vítimas, como do caso do Boeing, tendem a sofrer mais
Sintomas como sensação de solidão, irritação excessiva, busca constante pelo morto e sensação de anestesia são comuns entre parentes
CONSTANÇA TATSCH
DA REPORTAGEM LOCAL
As famílias das vítimas do
acidente do vôo 1907 reúnem
alguns dos fatores de risco para
viver um luto patológico. Embora a maioria das pessoas seja
capaz de enfrentar bem o luto,
algumas têm mais dificuldade
em razão de elementos como a
relação com o morto ou as condições em que ocorreu a morte.
Segundo João Paulo Consentino Solano, psiquiatra, psicoterapeuta e coordenador do
ProLu (projeto de Proteção ao
Luto) da Unifesp, as famílias
sempre precisam de apoio.
No caso do acidente, perder
um pai, filho ou marido de forma inesperada e, ainda por cima, violenta faz a assimilação
dessa morte ser mais difícil.
Além disso, o fato de muitos
passageiros serem jovens também repercute de forma negativa nos enlutados.
O luto patológico, ou complicado, ocorre quando o quadro
pede tratamento. "É freqüente
que reações agudas se tornem
crônicas e, assim, requeiram
interferência. Quando o luto é
patológico, a pessoa precisa de
ajuda psicoterapêutica ou psiquiátrica, com medicação e até
internação", afirma Solano.
Nesses casos, a pessoa não aceita a perda, sente desesperança
crônica, não consegue investir
sua capacidade de amar em outros e tem a vida paralisada.
Alguns critérios médicos ajudam a apontar quem passa por
essa situação. Sentimentos como solidão, vida vazia, excessiva irritabilidade, falta de objetivos, busca constante pelo morto e sensação de anestesia podem ocorrer durante o luto,
mas, se duram mais de dois meses e, principalmente, comprometem a vida social e ocupacional do indivíduo, pode ser necessária atenção especial.
Nos países desenvolvidos, o
luto é considerado um importante problema de saúde pública. Entre os enlutados há queda
da imunidade, maior freqüência aos médicos, mais internações, mais cirurgias, maior risco de problema psiquiátrico e
maior mortalidade.
"Apesar de a grande maioria
elaborar o luto bem, as agências
de saúde deveriam se preocupar com o ônus ao sistema de
saúde. É um fato que a mortalidade entre os enlutados é
maior do que a da média da população", afirma o psiquiatra.
Ritual fúnebre
No caso do avião, segundo
Solano, encontrar os corpos é
fundamental para que as famílias enfrentem melhor essa fase. "A coisa de poder ou não resgatar os corpos e poder fazer
um ritual fúnebre é importante. Quando a pessoa não reencontra seu ente querido nem
depois da morte, é mais difícil."
Ir ao local do acidente pode
ser a vontade da família, mas é
preciso cuidado. "A gente deve
permitir que quem queira tenha acesso ao local. Mas existe
o fato de ver seus familiares
muito mutilados. O ideal é convencer a pessoa a abrir mão
desse direito. Essas imagens ficam gravadas", explica.
Noticiar a morte de um ente
querido a alguém é difícil. O
psiquiatra acredita que é melhor que ela seja dada de forma
gradativa. "Na prática, a gente
vê que, ao dar uma má notícia,
existe uma comunicação inconsciente, há registro de que a
notícia pode ser pior. Gera angústia, mas não há como fugir."
A rede social é fundamental
para que a pessoa se recupere.
Portanto, familiares e amigos
devem estar disponíveis.
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