São Paulo, domingo, 08 de outubro de 2006

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VÔO 1907/SAÚDE

Morte trágica traz risco de luto patológico, diz médico

Pessoas próximas de vítimas, como do caso do Boeing, tendem a sofrer mais

Sintomas como sensação de solidão, irritação excessiva, busca constante pelo morto e sensação de anestesia são comuns entre parentes

CONSTANÇA TATSCH
DA REPORTAGEM LOCAL

As famílias das vítimas do acidente do vôo 1907 reúnem alguns dos fatores de risco para viver um luto patológico. Embora a maioria das pessoas seja capaz de enfrentar bem o luto, algumas têm mais dificuldade em razão de elementos como a relação com o morto ou as condições em que ocorreu a morte.
Segundo João Paulo Consentino Solano, psiquiatra, psicoterapeuta e coordenador do ProLu (projeto de Proteção ao Luto) da Unifesp, as famílias sempre precisam de apoio.
No caso do acidente, perder um pai, filho ou marido de forma inesperada e, ainda por cima, violenta faz a assimilação dessa morte ser mais difícil. Além disso, o fato de muitos passageiros serem jovens também repercute de forma negativa nos enlutados.
O luto patológico, ou complicado, ocorre quando o quadro pede tratamento. "É freqüente que reações agudas se tornem crônicas e, assim, requeiram interferência. Quando o luto é patológico, a pessoa precisa de ajuda psicoterapêutica ou psiquiátrica, com medicação e até internação", afirma Solano. Nesses casos, a pessoa não aceita a perda, sente desesperança crônica, não consegue investir sua capacidade de amar em outros e tem a vida paralisada.
Alguns critérios médicos ajudam a apontar quem passa por essa situação. Sentimentos como solidão, vida vazia, excessiva irritabilidade, falta de objetivos, busca constante pelo morto e sensação de anestesia podem ocorrer durante o luto, mas, se duram mais de dois meses e, principalmente, comprometem a vida social e ocupacional do indivíduo, pode ser necessária atenção especial.
Nos países desenvolvidos, o luto é considerado um importante problema de saúde pública. Entre os enlutados há queda da imunidade, maior freqüência aos médicos, mais internações, mais cirurgias, maior risco de problema psiquiátrico e maior mortalidade.
"Apesar de a grande maioria elaborar o luto bem, as agências de saúde deveriam se preocupar com o ônus ao sistema de saúde. É um fato que a mortalidade entre os enlutados é maior do que a da média da população", afirma o psiquiatra.

Ritual fúnebre
No caso do avião, segundo Solano, encontrar os corpos é fundamental para que as famílias enfrentem melhor essa fase. "A coisa de poder ou não resgatar os corpos e poder fazer um ritual fúnebre é importante. Quando a pessoa não reencontra seu ente querido nem depois da morte, é mais difícil."
Ir ao local do acidente pode ser a vontade da família, mas é preciso cuidado. "A gente deve permitir que quem queira tenha acesso ao local. Mas existe o fato de ver seus familiares muito mutilados. O ideal é convencer a pessoa a abrir mão desse direito. Essas imagens ficam gravadas", explica.
Noticiar a morte de um ente querido a alguém é difícil. O psiquiatra acredita que é melhor que ela seja dada de forma gradativa. "Na prática, a gente vê que, ao dar uma má notícia, existe uma comunicação inconsciente, há registro de que a notícia pode ser pior. Gera angústia, mas não há como fugir."
A rede social é fundamental para que a pessoa se recupere. Portanto, familiares e amigos devem estar disponíveis.


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