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VÔO 1907
Ação mobilizou militares brasileiros até no Chile
Tenente-coronel voltou às pressas com outros 3 oficiais de missão no país andino
No local, tropas encontraram montes de corpos; deitada, de barriga para cima,
uma das vítimas tinha as mãos em sinais de figa
EDUARDO SCOLESE
ENVIADO ESPECIAL A NOVO
PROGRESSO (PA)
JOSÉ MASCHIO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PEIXOTO DE
AZEVEDO (MT)
Início da noite de sexta em
Brasília, perto das 18h, e o brigadeiro Jorge Kersul Filho, 50,
recebe um casal de amigos em
sua casa. Meia hora depois, toca
o telefone. "Brigadeiro, venha
imediatamente ao Condabra.
Temos a informação de que
uma aeronave de passageiros
sumiu na floresta amazônica."
O militar se despede dos amigos e corre à reunião de emergência no Comando de Defesa
Aérea Brasileira. O encontro do
gabinete de crise dura algumas
horas. Nele, Kersul é escalado
para comandar a missão de
busca e resgate dos 154 ocupantes do Boeing-737/800 da Gol.
Até então, sabia-se apenas que
a aeronave havia sumido perto
da serra do Cachimbo, numa
região de densa floresta entre o
Mato Grosso e o Pará.
Kersul volta para casa, diz à
família que poderá passar semanas distante e faz as malas.
Enquanto isso, na Base dos
Afonsos (RJ), homens do Para-Sar (Esquadrão Aeroterrestre
de Resgate e Salvamento), tropa de elite da Aeronáutica, recolhem cordas, sacos, luvas e
materiais de primeiros-socorros. Entre eles, o capitão de infantaria Eduardo Gomes Nogueira, 33, e o segundo-tenente-médico Felipe Domingues
Lessa, 27. Todos têm pressa,
pois têm de estar à meia-noite
na Base do Galeão.
Já é final de noite, e o comandante do Para-Sar, o tenente-coronel Josbecasi Moreira Lima, 43, está numa missão de
treinamento no Chile. Enquanto se prepara para dormir, é
surpreendido com o noticiário
da rede CNN. Pula da cama e dá
o recado a outros três militares
que o acompanham. "Pessoal,
vamos embora. Temos trabalho urgente no Brasil."
Madrugada de sábado, e Kersul consegue pegar no sono por
volta das 2h. Quatro horas depois, está a bordo de uma aeronave da FAB a caminho da base
aérea da serra do Cachimbo,
em Novo Progresso (PA).
A avião aterrissa às 8h. Uma
hora e meia depois, a torre de
comando da base recebe um
aviso via rádio, repassado imediatamente a Kersul por um ramal. "Brigadeiro, achamos alguns destroços na floresta."
Kersul desliga o telefone, respira aliviado e liga a Brasília. O
recado é dado ao seu superior.
Na base do Cachimbo, a ordem agora é dada à equipe do
Para-Sar. Por conta da quantidade de equipamentos a bordo,
o helicóptero que seguirá ao local do acidente levará só dois
integrantes de elite da Aeronáutica. Serão os primeiros a
descer na floresta para, quem
sabe, localizar sobreviventes.
Um oficial que está ali no comando dá um tapa nas costas
do segundo-tenente Lessa e
avisa: "Vai você, meu caro, junto com o capitão Ivan [Edson]".
Médico, Lessa usa uma corda
amarrada no helicóptero para
descer na floresta em meio a árvores de até 40 metros. À sua
frente, logo de cara, o corpo de
um passageiro e uma fumaça
incessante em parte da fuselagem que caíra 16 horas antes.
Lessa ouve o capitão Ivan dar o
recado por rádio ao helicóptero. "Não há sobreviventes por
aqui. Vá buscar mais gente."
Enquanto uma equipe atua
no local do acidente, notícias
vindas de Peixoto de Azevedo, a
250 km dali, incomodam o brigadeiro que comanda as buscas. No fim da tarde de sábado,
pessoas de lá dão entrevistas a
redes de TV dizendo que alguns
sobreviventes estavam sendo
levados ao hospital da cidade.
Irritado, Kersul convoca uma
reunião na base. "Como não estamos com sobreviventes e tem
sobrevivente chegando na cidade? Quero ir amanhã cedo na
área [do acidente]."
No domingo, após ver de perto alguns corpos e destroços, o
brigadeiro diz à imprensa. "Não
há sobreviventes. Só por um
milagre", afirma na sede da fazenda Jarinã, a 15 minutos de
vôo do local do acidente.
Um dia depois, em contato
com familiares das vítimas,
Kersul teve de se explicar.
"Brigadeiro, e se alguém, ao
cair, tivesse ficado preso em cima da árvore?" "Minha senhora, digamos que algum dos passageiros tenha segurado na árvore, mas caiu de lá. Não sobreviveu, pois a altura é de 40 m."
No mesmo dia, o terceiro
após a tragédia, o capitão de infantaria Nogueira segue na mata com seus colegas. Com um
facão, tem a missão de cortar o
cinto de segurança que ainda
prende algumas das vítimas.
Nogueira caminha com o cuidado para não pisar nas vítimas. Há um grupo de 20 corpos
próximo à calda da aeronave. O
segundo-tenente Lessa se surpreende com a cena e desabafa.
"Parece que choveu corpo."
Numa selva infestada de abelhas, onde à noite se ouvem onças e jaguatiricas nas imediações, Lessa e Nogueira agora
têm a companhia de seu comandante, o tenente-coronel
Moreira Lima, recém-chegado
do Chile. Experiente nessas
ações, o chefe do Para-Sar sente o peso do acidente ao ser chamado aos gritos por outro militar. "Coronel, coronel, dá uma
olhada aqui, por favor."
Moreira Lima corre e dá de
cara com um corpo, que não sabe se é homem ou mulher. A vítima está deitada, de barriga
para cima, com as mãos em sinais de figa. O comandante,
após alguns segundos em silêncio, comenta com os demais ao
seu lado. "Na queda, essa pessoa aqui teve tempo de sofrer."
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