São Paulo, domingo, 08 de outubro de 2006

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VÔO 1907

Ação mobilizou militares brasileiros até no Chile

Tenente-coronel voltou às pressas com outros 3 oficiais de missão no país andino

No local, tropas encontraram montes de corpos; deitada, de barriga para cima, uma das vítimas tinha as mãos em sinais de figa

EDUARDO SCOLESE
ENVIADO ESPECIAL A NOVO

PROGRESSO (PA) JOSÉ MASCHIO DA AGÊNCIA FOLHA, EM PEIXOTO DE AZEVEDO (MT) Início da noite de sexta em Brasília, perto das 18h, e o brigadeiro Jorge Kersul Filho, 50, recebe um casal de amigos em sua casa. Meia hora depois, toca o telefone. "Brigadeiro, venha imediatamente ao Condabra. Temos a informação de que uma aeronave de passageiros sumiu na floresta amazônica."
O militar se despede dos amigos e corre à reunião de emergência no Comando de Defesa Aérea Brasileira. O encontro do gabinete de crise dura algumas horas. Nele, Kersul é escalado para comandar a missão de busca e resgate dos 154 ocupantes do Boeing-737/800 da Gol. Até então, sabia-se apenas que a aeronave havia sumido perto da serra do Cachimbo, numa região de densa floresta entre o Mato Grosso e o Pará.
Kersul volta para casa, diz à família que poderá passar semanas distante e faz as malas. Enquanto isso, na Base dos Afonsos (RJ), homens do Para-Sar (Esquadrão Aeroterrestre de Resgate e Salvamento), tropa de elite da Aeronáutica, recolhem cordas, sacos, luvas e materiais de primeiros-socorros. Entre eles, o capitão de infantaria Eduardo Gomes Nogueira, 33, e o segundo-tenente-médico Felipe Domingues Lessa, 27. Todos têm pressa, pois têm de estar à meia-noite na Base do Galeão.
Já é final de noite, e o comandante do Para-Sar, o tenente-coronel Josbecasi Moreira Lima, 43, está numa missão de treinamento no Chile. Enquanto se prepara para dormir, é surpreendido com o noticiário da rede CNN. Pula da cama e dá o recado a outros três militares que o acompanham. "Pessoal, vamos embora. Temos trabalho urgente no Brasil."
Madrugada de sábado, e Kersul consegue pegar no sono por volta das 2h. Quatro horas depois, está a bordo de uma aeronave da FAB a caminho da base aérea da serra do Cachimbo, em Novo Progresso (PA).
A avião aterrissa às 8h. Uma hora e meia depois, a torre de comando da base recebe um aviso via rádio, repassado imediatamente a Kersul por um ramal. "Brigadeiro, achamos alguns destroços na floresta."
Kersul desliga o telefone, respira aliviado e liga a Brasília. O recado é dado ao seu superior.
Na base do Cachimbo, a ordem agora é dada à equipe do Para-Sar. Por conta da quantidade de equipamentos a bordo, o helicóptero que seguirá ao local do acidente levará só dois integrantes de elite da Aeronáutica. Serão os primeiros a descer na floresta para, quem sabe, localizar sobreviventes.
Um oficial que está ali no comando dá um tapa nas costas do segundo-tenente Lessa e avisa: "Vai você, meu caro, junto com o capitão Ivan [Edson]".
Médico, Lessa usa uma corda amarrada no helicóptero para descer na floresta em meio a árvores de até 40 metros. À sua frente, logo de cara, o corpo de um passageiro e uma fumaça incessante em parte da fuselagem que caíra 16 horas antes. Lessa ouve o capitão Ivan dar o recado por rádio ao helicóptero. "Não há sobreviventes por aqui. Vá buscar mais gente."
Enquanto uma equipe atua no local do acidente, notícias vindas de Peixoto de Azevedo, a 250 km dali, incomodam o brigadeiro que comanda as buscas. No fim da tarde de sábado, pessoas de lá dão entrevistas a redes de TV dizendo que alguns sobreviventes estavam sendo levados ao hospital da cidade.
Irritado, Kersul convoca uma reunião na base. "Como não estamos com sobreviventes e tem sobrevivente chegando na cidade? Quero ir amanhã cedo na área [do acidente]."
No domingo, após ver de perto alguns corpos e destroços, o brigadeiro diz à imprensa. "Não há sobreviventes. Só por um milagre", afirma na sede da fazenda Jarinã, a 15 minutos de vôo do local do acidente.
Um dia depois, em contato com familiares das vítimas, Kersul teve de se explicar.
"Brigadeiro, e se alguém, ao cair, tivesse ficado preso em cima da árvore?" "Minha senhora, digamos que algum dos passageiros tenha segurado na árvore, mas caiu de lá. Não sobreviveu, pois a altura é de 40 m."
No mesmo dia, o terceiro após a tragédia, o capitão de infantaria Nogueira segue na mata com seus colegas. Com um facão, tem a missão de cortar o cinto de segurança que ainda prende algumas das vítimas.
Nogueira caminha com o cuidado para não pisar nas vítimas. Há um grupo de 20 corpos próximo à calda da aeronave. O segundo-tenente Lessa se surpreende com a cena e desabafa.
"Parece que choveu corpo."
Numa selva infestada de abelhas, onde à noite se ouvem onças e jaguatiricas nas imediações, Lessa e Nogueira agora têm a companhia de seu comandante, o tenente-coronel Moreira Lima, recém-chegado do Chile. Experiente nessas ações, o chefe do Para-Sar sente o peso do acidente ao ser chamado aos gritos por outro militar. "Coronel, coronel, dá uma olhada aqui, por favor."
Moreira Lima corre e dá de cara com um corpo, que não sabe se é homem ou mulher. A vítima está deitada, de barriga para cima, com as mãos em sinais de figa. O comandante, após alguns segundos em silêncio, comenta com os demais ao seu lado. "Na queda, essa pessoa aqui teve tempo de sofrer."


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