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VÔO 1907/INVESTIGAÇÃO
Acidente da Gol causa guerra de acusações
Aeronáutica, Infraero e empresa americana ExcelAire, dona do jato, trocam insinuações sobre os motivos da queda
Só há duas confirmações:
o Legacy viajava na
"contramão" e houve falha
grave de comunicação com
o comando aéreo de Brasília
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
Praticamente dez dias depois
da queda do Boeing-737/800
da Gol, matando 154 pessoas,
há uma guerra de acusações entre Aeronáutica, Infraero (empresa de infra-estrutura aeroportuária) e a norte-americana
ExcelAire, dona do Legacy que
atingiu o Boeing.
O único ator fora dessa guerra verbal é justamente a maior
vítima, a Gol, que tem evitado
declarações públicas, muito
menos polêmicas.
Até agora, há dois pontos
cruciais já confirmados:
1) o Legacy estava na "contramão", em 37 mil pés, quando
deveria estar em 36 mil pés de
altitude naquela região e na direção norte;
2) a partir desse erro, houve
uma falha grave de comunicação que, se não causou o acidente, pode ter sido fundamental para não impedi-lo.
O centro de controle aéreo
Cindacta-1, em Brasília, tentou
várias vezes contato por rádio
com o Legacy, sem sucesso. E o
Legacy alega ter tentado se comunicar mais de uma vez com
o Cindacta-1, sem conseguir, e
por isso não mudou a altitude.
Na guerra de acusações, as
autoridades aeronáuticas brasileiras lançam a suspeita de
que o Legacy não respondeu
porque os pilotos americanos
poderiam estar fora da cabine
de comando, confraternizando
com os passageiros.
Diretores da ExcelAire que
estavam no avião, como o seu
vice-presidente David Rimmer,
classificam essa possibilidade
como "ridícula, insana".
"É ultrajante", reagiu o vice-presidente de manutenção da
ExcelAire, Ralph Michielli, que
viajava no Legacy na hora do
choque com o Boeing.
A ExcelAire provoca ainda:
para considerar a hipótese de
os pilotos estarem fora da cabine, é preciso considerar igualmente a de que os controladores de vôo do Cindacta-1 também não estavam a postos ou
estavam distraídos.
Na Aeronáutica, desde o início da semana, considera-se
virtualmente descartada a responsabilidade do Boeing da
Gol, avalia-se que as chances de
erro do Cindacta são "pequenas" e despejam-se as suspeitas
da culpa sobre o Legacy.
Se o Cindacta-1 confirma que
o transponder (antena que
aciona o sistema anticolisão
dos aviões mais modernos) estava inoperante no Legacy, e se
os dois pilotos juram que não o
desligaram, uma hipótese é de
"mau contato".
Um dos pontos considerados
chaves é se o Legacy deveria
baixar de 37 mil para 36 mil
pés, mesmo sem contato com o
Cindacta-1. Para a Aeronáutica,
sim, ele teria que mudar a altitude, porque era o previsto no
plano de vôo original. Para a
ExcelAire, não, ele não poderia
mudar, porque o plano de vôo é
um "pedaço de papel" sujeito à
realidade e às determinações
do controle de vôo.
Em conversa com interlocutores brasileiros, Rimmer, muito emocionado, fez uma comparação: o plano de vôo previa
três altitudes -37 mil pés até
Brasília, 36 mil depois e 38 mil a
partir de determinado ponto
entre Brasília e Manaus.
"Sem contato com o controle
aéreo e, portanto, sem autorização, como os pilotos poderiam cruzar de 36 mil para 38
mil, mesmo com o plano de vôo
prevendo isso?"
Segundo ele, conforme a Folha apurou, só quem poderia
saber as condições de clima, de
tráfego e de segurança para autorizar a mudança, fosse para
36 mil, em Brasília, fosse para
38 mil, mais adiante, seria o
controle aéreo.
O novo fator na guerra de
versões, ataques e defesas foi
dado pelo presidente da Infraero, brigadeiro J. Carlos Pereira,
ao admitir que possa ter havido
falha do Cindacta-1.
Na Aeronáutica, seus pares
não estão gostando nada das
manifestações dele. Numa conversa informal com seus assessores, no meio da semana, o comandante da Força, brigadeiro
Luiz Carlos Bueno, reclamou:
"Ele [J. Carlos] entende de aeroporto. Quem fala de aeronáutica sou eu".
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