São Paulo, domingo, 08 de outubro de 2006

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VÔO 1907/INVESTIGAÇÃO

Acidente da Gol causa guerra de acusações

Aeronáutica, Infraero e empresa americana ExcelAire, dona do jato, trocam insinuações sobre os motivos da queda

Só há duas confirmações: o Legacy viajava na "contramão" e houve falha grave de comunicação com o comando aéreo de Brasília

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

Praticamente dez dias depois da queda do Boeing-737/800 da Gol, matando 154 pessoas, há uma guerra de acusações entre Aeronáutica, Infraero (empresa de infra-estrutura aeroportuária) e a norte-americana ExcelAire, dona do Legacy que atingiu o Boeing.
O único ator fora dessa guerra verbal é justamente a maior vítima, a Gol, que tem evitado declarações públicas, muito menos polêmicas.
Até agora, há dois pontos cruciais já confirmados:
1) o Legacy estava na "contramão", em 37 mil pés, quando deveria estar em 36 mil pés de altitude naquela região e na direção norte;
2) a partir desse erro, houve uma falha grave de comunicação que, se não causou o acidente, pode ter sido fundamental para não impedi-lo.
O centro de controle aéreo Cindacta-1, em Brasília, tentou várias vezes contato por rádio com o Legacy, sem sucesso. E o Legacy alega ter tentado se comunicar mais de uma vez com o Cindacta-1, sem conseguir, e por isso não mudou a altitude.
Na guerra de acusações, as autoridades aeronáuticas brasileiras lançam a suspeita de que o Legacy não respondeu porque os pilotos americanos poderiam estar fora da cabine de comando, confraternizando com os passageiros.
Diretores da ExcelAire que estavam no avião, como o seu vice-presidente David Rimmer, classificam essa possibilidade como "ridícula, insana".
"É ultrajante", reagiu o vice-presidente de manutenção da ExcelAire, Ralph Michielli, que viajava no Legacy na hora do choque com o Boeing.
A ExcelAire provoca ainda: para considerar a hipótese de os pilotos estarem fora da cabine, é preciso considerar igualmente a de que os controladores de vôo do Cindacta-1 também não estavam a postos ou estavam distraídos.
Na Aeronáutica, desde o início da semana, considera-se virtualmente descartada a responsabilidade do Boeing da Gol, avalia-se que as chances de erro do Cindacta são "pequenas" e despejam-se as suspeitas da culpa sobre o Legacy.
Se o Cindacta-1 confirma que o transponder (antena que aciona o sistema anticolisão dos aviões mais modernos) estava inoperante no Legacy, e se os dois pilotos juram que não o desligaram, uma hipótese é de "mau contato".
Um dos pontos considerados chaves é se o Legacy deveria baixar de 37 mil para 36 mil pés, mesmo sem contato com o Cindacta-1. Para a Aeronáutica, sim, ele teria que mudar a altitude, porque era o previsto no plano de vôo original. Para a ExcelAire, não, ele não poderia mudar, porque o plano de vôo é um "pedaço de papel" sujeito à realidade e às determinações do controle de vôo.
Em conversa com interlocutores brasileiros, Rimmer, muito emocionado, fez uma comparação: o plano de vôo previa três altitudes -37 mil pés até Brasília, 36 mil depois e 38 mil a partir de determinado ponto entre Brasília e Manaus.
"Sem contato com o controle aéreo e, portanto, sem autorização, como os pilotos poderiam cruzar de 36 mil para 38 mil, mesmo com o plano de vôo prevendo isso?"
Segundo ele, conforme a Folha apurou, só quem poderia saber as condições de clima, de tráfego e de segurança para autorizar a mudança, fosse para 36 mil, em Brasília, fosse para 38 mil, mais adiante, seria o controle aéreo.
O novo fator na guerra de versões, ataques e defesas foi dado pelo presidente da Infraero, brigadeiro J. Carlos Pereira, ao admitir que possa ter havido falha do Cindacta-1.
Na Aeronáutica, seus pares não estão gostando nada das manifestações dele. Numa conversa informal com seus assessores, no meio da semana, o comandante da Força, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, reclamou: "Ele [J. Carlos] entende de aeroporto. Quem fala de aeronáutica sou eu".


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