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LETRAS JURÍDICAS
Denuncismo Furado
WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas
Nos últimos anos estimulou-se a impressão de que a
operação "Mãos Limpas", na
Itália, realizaria o sonho da
Justiça, punindo culpados, livrando inocentes e eliminando a corrupção no serviço público italiano. A não ser pelo
estrépito do noticiário (com
lucros para a mídia) e por suicídios de acusados (alguns decorrentes de abusos das autoridades), o resultado, passado
o tempo, foi, em uma só palavra, zero.
Recordei, faz meses, que nenhum expurgo punitivo, com
desrespeito aos direitos fundamentais, merece apoio do
democrata. O maccartismo
americano, por ser mais recente, dramatiza o inconveniente do modelo, quando
transposto para a pretensão
de pureza política.
Entre nós, processos sumários da ditadura militar resultaram em uma ou outra punição de delinquentes. Menos
importantes, porém, que os
abusos cometidos e as vantagens pessoais obtidas por representantes do poder graças,
inclusive, como visto nas últimas semanas, à tortura e às
pressões psicológicas que destruíram vidas, mesmo quando
não mataram suas vítimas.
É bom esclarecer: a referência ao resultado negativo das
"Mani Puliti" não é minha. É
de respeitável representante
da magistratura italiana, o
procurador Gherardo Colombo, um dos grandes astros daquela operação, ao lado de
Antonio Di Pietro.
Em palestra na Universidade de Florença, em abril, debatendo sobre processo, televisão e deslegitimação, Colombo recordou, conforme noticiado pelo "Corriere della
Sera", que pouco foi descoberto, havendo ficado de fora
muitos personagens "sequestráveis". Colombo usou a palavra "ricattabili", que se refere ao verbo "ricattare", o qual
tanto significa sequestrar
quanto resgatar.
O magistrado italiano
acrescentou, segundo a mesma fonte: "Serei pessimista,
mas percebo que a possibilidade de administrar Justiça,
frente a todos pelo mesmo
modo, está chegando ao que
era nos anos 80. Ou seja: zero".
Anotei há tempos que, das
milhares de prisões cautelares
e de inquirições abertas, poucas chegaram a resultado concreto condenatório final. A
demora da Justiça provocou a
prescrição de crimes dos quais
os corruptos, supostos ou verdadeiros, eram acusados.
Contribuíram para esse efeito complicações criadas pelos
próprios acusadores, ao lado
de "provas" suspeitíssimas, colhidas com o testemunho de
pistoleiros e traficantes alegadamente "arrependidos", que
passaram a fazer denúncias
em troca de vantagens penais.
A Itália é o exemplo vivo de
que esse sistema, em grande
parte dos casos, não funciona.
Finalmente, diz Colombo que
algumas dificuldades decorreram da falta de resposta das
rogatórias internacionais,
com pedidos de informação
formulados pelas autoridades
italianas.
Injustiças cometidas, pressões ilegais, desrespeito aos
direitos humanos, objetivos
políticos ocultos acoplados ao
escândalo certamente influíram para desestimular a colaboração de autoridades de
outros países. O grande herói
das "mãos limpas", Antonio
Di Pietro, elegeu-se senador.
Hoje é acusado de haver recebido um empréstimo de 100
milhões de liras (cerca de R$
62.500,00) de seu ex-amigo, o
empresário construtor Antonio D'Adamo, para ajudar na
compra de sua casa em Curno, o qual veio a ser pago, mas
sem juros, segundo o "Corriere".
A prática democrática da
Justiça que respeite os direitos
dos acusados é tão defeituosa
quanto a democracia. Todavia, não há sistema mais eficaz de se realizar a Justiça
monopolizada pelo Estado,
considerando que é melhor
absolver dez culpados do que
punir erroneamente um inocente.
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