São Paulo, sábado, 9 de maio de 1998

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DATA VENIA
Os jovens e o voto

ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA

A falta de interesse dos jovens pela política, atestada por pesquisas recentes, é mais do que um reflexo da deterioração por que passa a classe política, submetida constantemente a denúncias.
Trata-se, na verdade, de um fenômeno de "envelhecimento" das instituições tradicionais. Os políticos tornam-se cada vez menos interessantes e necessários às pessoas à medida que estas controlam melhor as suas vidas.
Os cidadãos passam a viver sob uma autogestão técnica, não necessitando mais de apoios políticos para suas realizações. No caso dos jovens, a percepção é que o sistema político não mais lhes convém. Os políticos não mudaram; suas características, em essência, são as mesmas dos tempos das capitanias. O velho predomina no cenário. Quase todos parecem impermeáveis às mudanças.
Diante disso, expande-se o ceticismo entre os jovens. A consequência só poderia ser a omissão como comportamento político.
E tudo acontece de forma sutil. Os jovens fazem uma "revolução silenciosa". Trata-se, porém, de um movimento perigosamente letal contra a democracia, pois a consequente supressão do voto subtrai sua própria razão de ser.
A negativa ao voto é a negação da democracia. Estamos chegando ao fim da democracia representativa, pela qual elegemos nossos representantes por séculos.
Maculado o sistema representativo, no entanto, pelo reiterado descumprimento do mandato outorgado, é compreensível que o mandante não mais queira constituir o mandatário. Em países como o Brasil, tal descumprimento torna-se prática generalizada.
Traição a objetivos prometidos, desvio de propósitos e corrupção, que têm marcado a política brasileira, põem em dúvida a própria legitimidade do nosso sistema democrático. Nesse cenário, estiola-se o discurso surrado da democracia formal, pelo qual o voto é o grande instrumento de mudança, o elo entre o cidadão e o político.
Não é, pois, de estranhar a pequena procura dos jovens de 16 anos pelo título de eleitor. Incriminá-los é querer minimizar um portentoso problema. A questão não reside nos valores da juventude, mas no sistema representativo, conspurcado pela conduta desviante e aética da classe dirigente.
A rebeldia "silenciosa" dos jovens não deve ser encarada como falta de consciência política. O sistema político é que está putrefato, abrindo espaço para uma democracia pós-representativa, pela qual as pessoas se auto-representam. Há condições de recuperar a crença no sistema, no voto e na própria democracia representativa? Não se a condição estiver na supressão do voto: sacrificá-lo é sacrificar a democracia.
Criar sistemas que impeçam os desvios e adulterações do sistema de representação, dar maior transparência à gestão da coisa pública e reformar o aparelho partidário constituem, entre outras, medidas que podem e devem ser adotadas. Mesmo assim, há que lembrar que seu alcance será limitado.


Antônio Claudio Mariz de Oliveira, 52, advogado, foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção de São Paulo, e secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo



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