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DATA VENIA
Os jovens e o voto
ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA
A falta de interesse dos jovens
pela política, atestada por pesquisas recentes, é mais do que um reflexo da deterioração por que passa a classe política, submetida
constantemente a denúncias.
Trata-se, na verdade, de um fenômeno de "envelhecimento"
das instituições tradicionais. Os
políticos tornam-se cada vez menos interessantes e necessários às
pessoas à medida que estas controlam melhor as suas vidas.
Os cidadãos passam a viver sob
uma autogestão técnica, não necessitando mais de apoios políticos para suas realizações. No caso
dos jovens, a percepção é que o
sistema político não mais lhes
convém. Os políticos não mudaram; suas características, em essência, são as mesmas dos tempos
das capitanias. O velho predomina
no cenário. Quase todos parecem
impermeáveis às mudanças.
Diante disso, expande-se o ceticismo entre os jovens. A consequência só poderia ser a omissão
como comportamento político.
E tudo acontece de forma sutil.
Os jovens fazem uma "revolução
silenciosa". Trata-se, porém, de
um movimento perigosamente letal contra a democracia, pois a
consequente supressão do voto
subtrai sua própria razão de ser.
A negativa ao voto é a negação
da democracia. Estamos chegando
ao fim da democracia representativa, pela qual elegemos nossos representantes por séculos.
Maculado o sistema representativo, no entanto, pelo reiterado
descumprimento do mandato outorgado, é compreensível que o
mandante não mais queira constituir o mandatário. Em países como o Brasil, tal descumprimento
torna-se prática generalizada.
Traição a objetivos prometidos,
desvio de propósitos e corrupção,
que têm marcado a política brasileira, põem em dúvida a própria
legitimidade do nosso sistema democrático. Nesse cenário, estiola-se o discurso surrado da democracia formal, pelo qual o voto é o
grande instrumento de mudança,
o elo entre o cidadão e o político.
Não é, pois, de estranhar a pequena procura dos jovens de 16
anos pelo título de eleitor. Incriminá-los é querer minimizar um
portentoso problema. A questão
não reside nos valores da juventude, mas no sistema representativo,
conspurcado pela conduta desviante e aética da classe dirigente.
A rebeldia "silenciosa" dos jovens não deve ser encarada como
falta de consciência política. O sistema político é que está putrefato,
abrindo espaço para uma democracia pós-representativa, pela
qual as pessoas se auto-representam. Há condições de recuperar a
crença no sistema, no voto e na
própria democracia representativa? Não se a condição estiver na
supressão do voto: sacrificá-lo é
sacrificar a democracia.
Criar sistemas que impeçam os
desvios e adulterações do sistema
de representação, dar maior transparência à gestão da coisa pública
e reformar o aparelho partidário
constituem, entre outras, medidas
que podem e devem ser adotadas.
Mesmo assim, há que lembrar que
seu alcance será limitado.
Antônio Claudio Mariz de Oliveira, 52, advogado, foi presidente da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB), seção de São Paulo, e secretário
da Segurança Pública do Estado de São Paulo
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