São Paulo, domingo, 9 de agosto de 1998

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Fato de ser mulher ajuda a conquistar
a confiança dos suspeitos

Perita diz que adora profissão e trabalha onde sempre sonhou

da Reportagem Local

Quando prestou vestibular, aos 17 anos, para fonoaudiologia, biologia e física ao mesmo tempo, a perita criminal Jane Belucci não imaginava que, 21 anos depois, estaria no meio da mata do parque do Estado e que teria sua imagem gravada por câmeras de TV enquanto tentava tirar o anel da mão de uma das oito vítimas do maníaco encontradas no local.
Nem pensaria que, ao voltar para casa exausta, com fome e suja, se sentiria realizada. Depois de 16 anos de profissão, Jane, 38, ainda perde horas de sono tentando reconstituir crimes. E confessa que não contém a vaidade quando assina um laudo e encerra um caso "com chave de ouro".
"Dificilmente erro na minha primeira impressão sobre o desfecho de um crime", diz Jane, que afirma adorar a profissão e trabalhar onde sempre sonhou -o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, DHPP.
O pai, delegado aposentado, deu o pontapé inicial na carreira de Jane ao matricular a filha, sem consultá-la, no curso de biologia.
"Eu queria ser investigadora e até passei em concurso para delegada, mas meu pai falava que os peritos são a nata da polícia."
Ela diz que não planeja o mesmo futuro para a filha Giuliana, 9. Mas acha que ela também vai acabar sendo perita. "Outro dia cheguei em casa e ela veio me contar "mãe, acabou de aparecer na TV um homem com ferimento de uma (arma calibre) 12'. Fiquei pasma. Não temos arma em casa nem assistimos programas violentos, mas ela presta atenção em tudo e gosta do assunto", conta.
O marido de Jane também é policial, instrutor de tiro. O filho Gustavo, 12, parece ser o único da família que não seguirá a carreira. "Ele tem horror a sangue".
Junto com Jane trabalham outras duas mulheres entre 25 peritos. Ela diz que no começo, quando era a única perita mulher do DHPP, teve medo de não ser aceita entre os colegas. Mas acha que hoje o fato de ser mulher lhe garante vantagens, principalmente na hora de conquistar a confiança dos suspeitos nas reconstituições.
"Não faço o gênero durona. Converso muito com as famílias dos presos e sempre acabo me emocionando." Às vezes, a emoção gera constrangimento, como quando um rapaz de 18 anos que negava autoria de um crime não resistiu e chorou no ombro da perita, ao admitir a culpa durante uma reconstituição.
A proximidade com os criminosos e com os cadáveres -que diz adorar e tratar com respeito- e a dedicação ao trabalho não impediram que Jane descuidasse da vaidade e da vida familiar. Ela faz musculação, vai ao cabeleireiro e à maquiadora todas as sextas-feiras, único dia em que não vai ao DHPP. Às vezes ainda tem tempo para buscar os filhos na escola. De vez em quando, o esquema falha. "Já cheguei a esquecer meus filhos na escola", diz. "Mas minha mãe quebrou o galho." (MALU GASPAR)




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