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São Paulo, quinta-feira, 09 de outubro de 2003

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VIOLÊNCIA

Comerciante, segundo sua mulher, foi reclamar de equipamento em rua perigosa; policial que fazia bico diz que ele parecia sacar arma

Discussão sobre radar termina em morte

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Parentes no velório de Samuel Escobar Carrasco, morto por um policial que fazia bico na zona leste


GILMAR PENTEADO
ALENCAR IZIDORO

DA REPORTAGEM LOCAL

Uma discussão sobre um radar móvel na zona leste de São Paulo terminou, na madrugada de ontem, com a morte do comerciante Samuel Escobar Carrasco, 31. Ele foi atingido por um tiro disparado por um sargento da Polícia Militar, que fazia bico ilegalmente como segurança da empresa responsável pelo radar.
O carro do comerciante já havia sido multado, no último mês, duas vezes na mesma avenida.
O sargento Carlos Roberto Valereano, 47, fugiu do local do crime. Ele se apresentou ao 62º DP (Ermelino Matarazzo) cinco horas depois e foi indiciado por homicídio doloso (com intenção), mas não foi preso. Ele foi poupado da prisão em flagrante por ter, segundo a polícia, procurado a delegacia, por confessar ter atirado no comerciante e por ter entregue a arma usada no crime, um revólver calibre 38.
O comerciante foi atingido por um tiro, que atravessou seu braço esquerdo e se alojou no coração. O crime ocorreu na avenida Assis Ribeiro, em São Miguel Paulista, às 0h30 de ontem. Segundo a mulher do comerciante, Rita de Cássia Paganini, 24, que estava no carro com ele, Carrasco parou seu Vectra prata depois de perceber um flash do radar.
Ele iria, segundo ela, reclamar contra a colocação do radar de madrugada em uma área de alta periculosidade. O limite permitido naquele trecho é de 50 km/h.
A reportagem apurou que as análises iniciais não localizaram no aparelho a imagem de nenhum Vectra prata ultrapassando a velocidade máxima naquele horário -mas apenas a de um veículo preto, a 61 km/h, cuja placa está ilegível. Paganini afirma que seu marido estava a 60 km/h.
O Vectra, segundo dados do Detran-SP e da CET, acumula R$ 1.999,25 em sete multas que ainda não foram pagas nos últimos dois anos (quatro delas por excesso de velocidade). Ele já havia sido flagrado por radares na Assis Ribeiro três vezes -incluindo os dias 18 e 19 de setembro.
O registro oficial do carro também aponta que seus documentos foram apreendidos em novembro de 2001. Licenciamento e IPVA (R$ 2.202,11) estão atrasados.

Versões
A Polícia Civil investiga duas versões do crime. Na primeira, sustentada por Rita de Cássia Paganini, Carrasco foi agredido e morto sem motivo. Na segunda, defendida pelo sargento da PM, ele teria feito um gesto que parecia sacar uma arma. Carrasco estava desarmado.
Segundo sua mulher, os dois voltavam de uma festa quando o comerciante percebeu o flash de um radar móvel. Quando ele saiu do carro e começou a reclamar da multa, teria sido cercado por dois homens armados. Um deles, segundo Paganini, deu uma coronhada em Carrasco, que teria caído sobre o equipamento.
Logo depois, segundo a mulher, o mesmo homem fez o disparo contra o comerciante. "O homem também apontou o revólver para mim e não me matou porque apareceram vários motoboys", disse Paganini. O comerciante voltou para o carro e tentou dirigir, mas desmaiou. Morreu no hospital.
O operador de radar da Consladel (uma das empresas que cuidam dos aparelhos móveis em SP) Washington Luiz dos Santos Bastos, 30, disse, no boletim de ocorrência feito na madrugada, que estava perto do aparelho quando teria visto o comerciante sair do carro e tentar destruí-lo. Logo depois, teria havia uma briga entre o sargento e Carrasco.
À tarde, Bastos foi ouvido novamente e disse que o disparo ocorreu quando o comerciante tentava segurar o braço do PM. A descrição contrasta com o depoimento do sargento no 62º DP, às 6h de ontem. Valereano disse que atirou porque o comerciante parecia sacar uma arma. Ele também confirmou trabalhar para a empresa Consladel como segurança -o bico é proibido pelo Estatuto da Polícia Militar.
Valereano é policial militar há 24 anos e estava lotado no CFAP (Centro de Formação de Aperfeiçoamento de Praças). Ele foi afastado das funções e está à disposição da Corregedoria da PM.
Ele e a mulher do comerciante devem depor no 62º DP nesta semana. "Se for apurado que ele [o PM] não está falando a verdade, vou pedir a prisão preventiva", disse o delegado Gilmar Pasquini Contrera. A polícia tenta descobrir quem seria o segundo homem armado descrito por Paganini. Carrasco será enterrado hoje, no cemitério Vila Formosa 2.
Os radares móveis existentes em São Paulo são operados pelo consórcio Monitor, que é remunerado por "produção" -recebe R$ 26,87 para cada multa registrada e paga pelos motoristas.


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