São Paulo, sábado, 09 de dezembro de 2006

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Justiça dá indenização a militar ferido a bala

Tribunal do Rio obriga o Exército a pagar R$ 130 mil a Edmilson Campos

Sargento foi vítima de um tiro de pistola em 98, mas Forças Armadas dizem que ele tentou suicídio; militar mal consegue se comunicar

RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO

Os maiores prazeres de Edmilson Campos, 30, são tomar sol na piscina do prédio, em Jacarepaguá (zona oeste do Rio), passear e ir à igreja. Desde setembro de 1998, nada disso ele consegue fazer sozinho.
Vítima de um tiro de pistola na cabeça que lhe deixou seqüelas irreversíveis, passa a maior parte do tempo no quarto, dormindo, ouvindo música evangélica ou em sessões das cinco especialidades médicas de que precisa ter acompanhamento. Está preso à cadeira de rodas, fala com dificuldade, tem movimentos e raciocínio lentos e não consegue mexer o lado direito do corpo.
Nas paredes da sala do apartamento onde vive com a mãe, Deuseni, há dez fotos de um outro Edmilson Campos: do atlético, fardado e orgulhoso sargento do 26º Batalhão de Infantaria Pára-Quedista, tropa de elite do Exército Brasileiro.
O Tribunal Regional Federal (TRF) do Rio de Janeiro condenou a União a pagar R$ 130 mil por danos morais à família do militar, reformado por invalidez, em setembro. A medida confirma decisão de primeira instância e conclui que as lesões sofridas pelo sargento decorreram de disparo efetuado em quartel, "o que configura responsabilidade da União".

Acusação
Relatório do Inquérito Policial Militar (IPM) que apurou o caso, assinado pelo então major Aloysio Arthur Chaves Pinto -hoje tenente-coronel-, conclui por tentativa de suicídio. A família contesta.
O IPM contraria ao menos quatro laudos técnicos do Exército e da Polícia Civil do Rio, que afirmam ser impossível a tese do suicídio, tendo em vista diversas razões: a distância longa do disparo, o local do ferimento, a falta de resíduos de pólvora na mão do militar e exame grafotécnico apontando que Campos não assinou uma suposta cautela de arma com a qual teria disparado.

Sofrimento
A indenização visa a compensar o sofrimento da família e o fato de a mãe do militar, Deuseni, ter parado de trabalhar para cuidar do filho por cinco anos. Também é reparação à acusação do encarregado do IPM contra Deuseni e a filha Edith, de falso testemunho e calúnia. Segundo Aloysio, elas não admitiam a tentativa de suicídio "para poderem receber integralmente a pensão da reforma e o seguro de vida que não é pago em caso de suicídio".
É a terceira ação vencida pela família. Até agora, porém, por causa dos recursos da União, nenhuma indenização monetária foi paga. Em 2003, a Justiça garantiu a Campos tratamento de fonoaudiologia, neurologia, psiquiatria, além de fisioterapia e psicologia e, ainda, o acompanhamento diário de um enfermeiro militar.
De acordo com avaliações médicas, Campos está regredindo. O quadro é irreversível, segundo um boletim médico.
Ele tem pouca consciência do que acontece ao redor e não se lembra de nada do que aconteceu no dia do incidente. Por esses motivos, não foi entrevistado pela Folha.

Dor forte
Ultimamente, tem sentido fortes dores de cabeça, e pouco tem saído de casa. "Ele diz sempre que foi treinado para suportar tudo, então se está reclamando é porque [a dor] está forte mesmo", conta a mãe.
Apesar do incidente, Campos continua a cultivar admiração pelo Exército, pela Brigada Pára-Quedista, e se irrita quando alguém critica a Força e gosta de lembrar sua condição de pára-quedista. "Não sou "frutinha", não, sou PQD! [sigla em alusão à brigada]", disse, um dia, ao ser pego pelo enfermeiro para ser removido da cama.


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