São Paulo, segunda-feira, 10 de junho de 2002

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AMBIENTE

Moradores da área contaminada por uma unidade da Shell, na zona sul de São Paulo, reclamam de abandono

Vila Carioca teme virar "área fantasma"


RENATO ESSENFELDER
DA REPORTAGEM LOCAL

Desde que foi confirmada a contaminação de uma área de pelo menos 180 mil m2 na Vila Carioca (zona sul de São Paulo), os moradores da região afirmam que passaram a viver atemorizados.
Muitos declaram que se sentem "abandonados" e têm medo que o bairro se torne uma "vila fantasma" e que eles passem a ser tachados de "contaminados".
Eles reclamam que, enquanto a Shell -responsável pela poluição-, o governo e o Ministério Público brigam na Justiça para saber quem deve fazer o quê, ninguém se preocupa em remover as substâncias tóxicas ou prestar contas à população.
E os exames médicos realizados até agora dependeram da boa vontade de dois laboratórios privados que, convidados pela CPI municipal dos postos de combustível, decidiram não cobrar nada.
O assunto tomou conta da vizinhança. Nas rodas de amigos, nos bares, nas ruas, a história da contaminação química predomina.
Segundo Darci Vitoriano Wenzel, 56, pânico e desinformação imperam na vila. Moradores vivem com medo de doenças, contágio dos filhos, desvalorização imobiliária, abandono pelas autoridades e até preconceito, diz ela.
"Todo mundo entrou em desespero, ninguém sabe o que está acontecendo", queixa-se Lúcia Aparecida Almeida, 32, vizinha da base da Shell.
Ela tem síndrome do pânico e faz acompanhamento psicológico. Seus medos, diz, são muitos: filho, irmão, marido, tia e mãe têm problemas de saúde sem causa diagnosticada (falta de ar, tonturas, crises de enxaqueca). Ela se queixa dos mesmos sintomas.
Além disso, segundo ela, a casa onde mora desvalorizou por causa dos rumores de contaminação generalizada. A horta de onde tirava frutas e legumes foi cimentada. Lúcia não tem mais coragem de consumir as plantas.
Outra moradora preocupada com a horta que teve anos atrás é Leila Alves, 50. O jardim não é usado desde a década de 80, mas, mesmo assim, a possibilidade de uma contaminação anterior preocupa hoje. Leila consumiu alface, almeirão, cebolinha, salsinha e frutas da horta por quase duas décadas. Ela também consumia água de poço -a água da Vila Carioca só passou a vir encanada há cerca de 20 anos.

Exames
Nos últimos dias 28 e 7, técnicos de dois laboratórios particulares recolheram amostras de sangue, cabelo e urina de cerca de 30 pessoas. O objetivo é avaliar a contaminação por metais pesados e derivados de petróleo. Os resultados podem sair ainda nesta semana.
Darci submeteu-se aos testes e, agora, evita pensar no diagnóstico. Ela diz acreditar ter todos os sintomas de uma provável contaminação: sente falta de ar, fadiga, dor nas articulações, tem as mãos trêmulas e fraqueza muscular.
Como todos os seus vizinhos, Darci parou de beber água encanada. Hoje, só consome água mineral, engarrafada. A comida ainda é feita com água da torneira, por questões econômicas. "Faço assim porque não tem outro jeito, mas tenho medo", diz.
Luciana Martins, 29, também passou a temer a água e orientou os filhos Felipe, 8, e Camila, 6, a não usar as torneiras ou fontes da vizinhança. Ela mora no condomínio Auri Verde, a menos de cem metros da unidade da Shell.
Em outro dos 122 apartamentos do condomínio, a vendedora Izabel Vendrame conta que a preocupação com a saúde das crianças é grande, pois o poço do Auri Verde foi usado nos quatro primeiros meses do ano. Na época, os moradores ainda não tinham idéia dos riscos da contaminação, que é alvo de investigação do Ministério Público desde 1993.
As mães temem que o tempo tenha sido o suficiente para contaminar as crianças. Assustadas, elas reivindicam que os filhos sejam submetidos a exames.


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