São Paulo, Segunda-feira, 10 de Julho de 2000
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"Mais importante é desenvolver novas drogas", diz cientista

ENVIADOS ESPECIAIS A DURBAN

Tudo o que o pesquisador David Ho, um dos pais do coquetel anti-Aids, costuma dizer em suas palestras causa um grande impacto na comunidade médica. Este ano, durante o 13º Congresso Mundial de Aids, em Durban, na África do Sul, foi com um tom mais comedido que falou da possibilidade de erradicação do HIV.
Mesmo quando o vírus está indetectável no corpo, há sinais de que ele continua ativo. Segundo Ho, com as "armas" atuais, levaria quase 60 anos para eliminar o vírus do organismo.
Mas não são apenas más notícias. De acordo com Ho, as drogas atuais já melhoraram a qualidade de vida dos pacientes. O pesquisador espera que, daqui a alguns anos, os novos medicamentos contornem a resistência do vírus ao coquetel.
Leia abaixo entrevista exclusiva concedida à Folha.

Folha - Na sua opinião, qual é a meta mais importante para melhorar a vida das pessoas que vivem hoje com HIV/Aids?
David Ho -
A resposta depende do país. Se estamos falando dos Estados Unidos, do Brasil ou do resto do mundo. Para o mundo inteiro, de forma geral, o mais importante é ter um número maior de medicamentos acessíveis para países em desenvolvimento e uma melhor infra-estrutura para administrar essas drogas. Esse é um grande desafio.
Mas no caso dos Estados Unidos ou do Brasil, onde a maior parte dos pacientes já está recebendo o coquetel, eu acho que o mais importante é desenvolver novas drogas, que são mais fáceis de tomar e mais seguras, porém que mantêm a potência dos medicamentos. Eu vejo essas drogas sendo desenvolvidas em um futuro próximo.

Folha - Durante os próximos anos, o sr. acredita que o tratamento anti-Aids será baseado em medicamentos?
Ho -
Sim, a terapia medicamentosa será a parte mais importante. Eu não estou dizendo que será a única arma contra a doença. Ainda precisamos considerar o sistema imunológico (de defesa). Se ele estiver severamente danificado, então precisamos trabalhar para repará-lo. Há ainda a questão dos reservatórios (regiões onde o HIV fica latente, escondendo-se do sistema de defesa e das drogas). Se há formas de eliminar esses reservatórios, então essa será a meta das pesquisas nos próximos anos.
Hoje só temos o controle da infecção. Nós não temos a cura por causa da persistência desses reservatórios.

Folha - Se for possível controlar a doença com drogas e eliminar os reservatórios, seria possível curar a doença?
Ho -
Baseando-se em tudo que sabemos hoje, em teoria, essa combinação de terapias eliminaria todos os componentes virais que conhecemos. O problema é que há coisas que nós não sabemos ainda. Hoje, se o HIV voltar a aparecer no corpo mesmo depois de eliminá-lo por meio de drogas, podemos culpar os reservatórios. Mas, é importante manter em mente que há outros problemas envolvidos na infecção, além dos reservatórios.

Folha - Após o coquetel anti-Aids, os médicos estavam muito otimistas. Hoje, no entanto, médicos e pacientes estão enfrentando outra realidade: a resistência aos medicamentos. Qual é a sua expectativa para esses pacientes?
Ho -
Depende muito da intensidade da resistência. Há pacientes nos quais o vírus já está tão resistente que a única esperança são os novos medicamentos que estão sendo desenvolvidos. Mas há pacientes com uma resistência menor e para eles ainda podemos usar diferentes combinações de drogas, além das novas que ainda serão lançadas.
O ponto mais importante é que nós devemos continuar a desenvolver drogas que serão ativas mesmo contra vírus resistentes aos medicamentos atuais. A droga ABT-378, por exemplo, é muito promissora. Mais importante ainda é trabalhar no desenvolvimento de novas classes de drogas (ver texto ao lado).

Folha - Nos últimos dois anos, criou-se uma ideologia de tratar o paciente o mais rápido possível com a combinação de drogas mais potentes. Mas essa ideologia vem perdendo força nos últimos anos. Qual é a sua opinião?
Ho -
Minha opinião é que o melhor tratamento deve ser o primeiro a ser usado e o mais cedo possível. Não só o mais potente, mas também o mais simples e tolerável.
Eu sei que há médicos que discordam. Não temos dados suficientes que sugerem qual é a melhor forma, mas acho que há uma corrente forte que acredita que a melhor chance de tratar o vírus é na primeira tentativa.
Minha única preocupação seria administrar drogas que têm dosagens de uma ou duas vezes ao dia. Hoje, temos consciência de que precisamos entender melhor a situação do paciente. Se ele não estiver preparado para aderir corretamente ao tratamento, então não importa qual a combinação de drogas, a terapia não funcionará adequadamente.
Eu tenho dificuldade de tomar antibióticos por mais de uma semana. Por isso, entendo a dificuldade de o paciente aderir.

Folha - Sendo um dos descobridores do coquetel anti-Aids, o sr. está desapontado com o fato de as drogas não conseguirem erradicar o vírus?
Ho -
Eu ainda estou trabalhando com as mesmas metas. Sim, estamos encontrando mais problemas, mas, nos últimos anos, aprendemos a lidar com as dificuldades. Estamos trabalhando com novas estratégias. Então, os resultados só surgirão em alguns anos.
Para mim, que estou envolvido com a ciência básica, há progresso. Pode ainda não ser um progresso representativo para o paciente, mas isso é comum na medicina. O próprio coquetel é um exemplo de um grande avanço que foi desenvolvido aos poucos. Avanços como esse não ocorrem todos os dias. Eles são baseados em conhecimentos que se acumulam. É como construir um prédio. Pouco a pouco, tijolo por tijolo.
(GABRIELA SCHEINBERG E JAIRO BOUER)

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