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"Mais importante é desenvolver novas drogas", diz cientista
ENVIADOS ESPECIAIS A DURBAN
Tudo o que o pesquisador David Ho, um dos pais do coquetel
anti-Aids, costuma dizer em suas
palestras causa um grande impacto na comunidade médica. Este
ano, durante o 13º Congresso
Mundial de Aids, em Durban, na
África do Sul, foi com um tom
mais comedido que falou da possibilidade de erradicação do HIV.
Mesmo quando o vírus está indetectável no corpo, há sinais de
que ele continua ativo. Segundo
Ho, com as "armas" atuais, levaria quase 60 anos para eliminar o
vírus do organismo.
Mas não são apenas más notícias. De acordo com Ho, as drogas
atuais já melhoraram a qualidade
de vida dos pacientes. O pesquisador espera que, daqui a alguns
anos, os novos medicamentos
contornem a resistência do vírus
ao coquetel.
Leia abaixo entrevista exclusiva
concedida à Folha.
Folha - Na sua opinião, qual é a
meta mais importante para melhorar a vida das pessoas que vivem
hoje com HIV/Aids?
David Ho - A resposta depende
do país. Se estamos falando dos
Estados Unidos, do Brasil ou do
resto do mundo. Para o mundo
inteiro, de forma geral, o mais importante é ter um número maior
de medicamentos acessíveis para
países em desenvolvimento e
uma melhor infra-estrutura para
administrar essas drogas. Esse é
um grande desafio.
Mas no caso dos Estados Unidos ou do Brasil, onde a maior
parte dos pacientes já está recebendo o coquetel, eu acho que o
mais importante é desenvolver
novas drogas, que são mais fáceis
de tomar e mais seguras, porém
que mantêm a potência dos medicamentos. Eu vejo essas drogas
sendo desenvolvidas em um futuro próximo.
Folha - Durante os próximos
anos, o sr. acredita que o tratamento anti-Aids será baseado em medicamentos?
Ho - Sim, a terapia medicamentosa será a parte mais importante.
Eu não estou dizendo que será a
única arma contra a doença. Ainda precisamos considerar o sistema imunológico (de defesa). Se
ele estiver severamente danificado, então precisamos trabalhar
para repará-lo. Há ainda a questão dos reservatórios (regiões onde o HIV fica latente, escondendo-se do sistema de defesa e das
drogas). Se há formas de eliminar
esses reservatórios, então essa será a meta das pesquisas nos próximos anos.
Hoje só temos o controle da infecção. Nós não temos a cura por
causa da persistência desses reservatórios.
Folha - Se for possível controlar a
doença com drogas e eliminar os
reservatórios, seria possível curar a
doença?
Ho - Baseando-se em tudo que
sabemos hoje, em teoria, essa
combinação de terapias eliminaria todos os componentes virais
que conhecemos. O problema é
que há coisas que nós não sabemos ainda. Hoje, se o HIV voltar a
aparecer no corpo mesmo depois
de eliminá-lo por meio de drogas,
podemos culpar os reservatórios.
Mas, é importante manter em
mente que há outros problemas
envolvidos na infecção, além dos
reservatórios.
Folha - Após o coquetel anti-Aids,
os médicos estavam muito otimistas. Hoje, no entanto, médicos e
pacientes estão enfrentando outra
realidade: a resistência aos medicamentos. Qual é a sua expectativa
para esses pacientes?
Ho -Depende muito da intensidade da resistência. Há pacientes
nos quais o vírus já está tão resistente que a única esperança são os
novos medicamentos que estão
sendo desenvolvidos. Mas há pacientes com uma resistência menor e para eles ainda podemos
usar diferentes combinações de
drogas, além das novas que ainda
serão lançadas.
O ponto mais importante é que
nós devemos continuar a desenvolver drogas que serão ativas
mesmo contra vírus resistentes
aos medicamentos atuais. A droga ABT-378, por exemplo, é muito promissora. Mais importante
ainda é trabalhar no desenvolvimento de novas classes de drogas
(ver texto ao lado).
Folha - Nos últimos dois anos,
criou-se uma ideologia de tratar o
paciente o mais rápido possível
com a combinação de drogas mais
potentes. Mas essa ideologia vem
perdendo força nos últimos anos.
Qual é a sua opinião?
Ho -Minha opinião é que o melhor tratamento deve ser o primeiro a ser usado e o mais cedo
possível. Não só o mais potente,
mas também o mais simples e tolerável.
Eu sei que há médicos que discordam. Não temos dados suficientes que sugerem qual é a melhor forma, mas acho que há uma
corrente forte que acredita que a
melhor chance de tratar o vírus é
na primeira tentativa.
Minha única preocupação seria
administrar drogas que têm dosagens de uma ou duas vezes ao dia.
Hoje, temos consciência de que
precisamos entender melhor a situação do paciente. Se ele não estiver preparado para aderir corretamente ao tratamento, então não
importa qual a combinação de
drogas, a terapia não funcionará
adequadamente.
Eu tenho dificuldade de tomar
antibióticos por mais de uma semana. Por isso, entendo a dificuldade de o paciente aderir.
Folha - Sendo um dos descobridores do coquetel anti-Aids, o sr. está
desapontado com o fato de as drogas não conseguirem erradicar o
vírus?
Ho -Eu ainda estou trabalhando
com as mesmas metas. Sim, estamos encontrando mais problemas, mas, nos últimos anos,
aprendemos a lidar com as dificuldades. Estamos trabalhando
com novas estratégias. Então, os
resultados só surgirão em alguns
anos.
Para mim, que estou envolvido
com a ciência básica, há progresso. Pode ainda não ser um progresso representativo para o paciente, mas isso é comum na medicina. O próprio coquetel é um
exemplo de um grande avanço
que foi desenvolvido aos poucos.
Avanços como esse não ocorrem
todos os dias. Eles são baseados
em conhecimentos que se acumulam. É como construir um prédio.
Pouco a pouco, tijolo por tijolo.
(GABRIELA SCHEINBERG E JAIRO BOUER)
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