São Paulo, sábado, 10 de julho de 2004

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LETRAS JURÍDICAS

Grécia, Once Caldas, Santo André: quem diria?

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

O leitor não está enganado. Esta é a coluna "Letras Jurídicas" comum, semana após semana. Para entender a pertinência do título com a aplicação do direito, é necessária uma breve incursão pelo reino do futebol. A seleção campeã da Eurocopa, o clube que conquistou a Taça Libertadores e a agremiação campeã da Copa do Brasil eram excluídos das previsões como possíveis vencedores desses torneios, o que é normal ante o chavão da crônica esportiva, segundo a qual os resultados são imprevisíveis no futebol. O chavão é, porém, desmentido pela estatística. O número reduzidíssimo de seleções ou clubes que triunfaram na história dessas e de outras competições mostra que o resultado no futebol é geralmente previsível.
Um dos ideais do direito aplicado é a previsibilidade do resultado no tempo (não deve demorar), nos custos envolvidos (deve ser gratuito ou, ao menos, barato) e na realização do justo (atribuir a cada um o que é seu, independentemente das condições econômicas ou sociais). Ponto no qual os juristas estão de acordo está em que a previsibilidade tripla é condição fundamental para a prestação judicial. Isso constitui a base da credibilidade do que for decidido e de sua filha dileta, a confiança no Poder Judiciário.
Há um forte desejo de previsibilidade. As pesquisas de opinião sugerem, porém, que esse objetivo não é satisfeito na entrega dos direitos processuais reclamados a quem os tenha, especialmente em face do poder público, do qual o Poder Judiciário é partícipe. É razoável dizer que o povo anda desconfiado no referente à possibilidade de obter a reparação do direito ofendido, do dano sofrido, no plano civil e no plano criminal, sem muito gasto e num tempo pelo menos razoável.
É fácil prever, segundo o mesmo critério, a diferença de tratamento dos réus pobres e dos réus ricos para respeito ao princípio da igualdade de todos perante a lei. A desigualdade não se refere apenas ao veredicto final do Judiciário mas também ao tempo de duração dos processos, conforme o poder econômico ou político dos contendores. Executar a sentença do vitorioso contra o poder público é obra para um novo Hércules.
Parece possível e recomendável reconhecer que, nos quesitos tempo, custos e resultado eficaz, o Judiciário é menos previsível que o futebol. A imprevisibilidade, diferentemente do afirmado pelo colonialismo cultural subdesenvolvido de muitos, não é coisa que só acontece no Brasil. O mal dos outros não é, contudo, consolo nosso. Tomemos o exemplo dos processos contra o INSS ou contra a Caixa Econômica Federal, que se eternizam na Justiça Federal. Os processos contra o Estado e o município de São Paulo, que se eternizam na Justiça deste Estado, tornando impossível prever quando terminarão, embora a Constituição fixe prazos restritos para o pagamento. É forçoso admitir que o Judiciário facilita a demora de seu co-exercente da administração pública, o Executivo.
Devo, contudo, reconhecer que se vê, pela primeira vez desde a vigência da nova Constituição em 1988, instalada na consciência dos operários do direito e de alguns agentes públicos, a convicção de que a desatenção com os "consumidores" da Justiça precisa terminar. Para o cidadão brasileiro, a mensagem não é otimista em termos de decisões breves, justas e baratas, a curto prazo. Parece, porém, haver no horizonte do direito uma Grécia, um Once Caldas e um Santo André como fios de esperança judicial: o Senado. Quem diria?...


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