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URBANISMO
Para urbanista, faltam políticas setoriais à proposta da prefeitura
"Só 2ª fase salva o Plano Diretor"
DA REDAÇÃO
Por falta de políticas setoriais
detalhadas e articuladas e de uma
proposta urbanística consistente,
o texto do Plano Diretor proposto
pela Prefeitura de São Paulo e
complementado pela Câmara
Municipal não garante que os objetivos previstos pelo governo
-como redução significativa dos
congestionamentos, da favelização e das cheias- sejam atingidos nos dez próximos anos.
É essa a opinião do arquiteto e
urbanista Luiz Carlos Costa, 67,
professor de planejamento urbano da Universidade de São Paulo
que já participou da elaboração
de várias propostas de Plano Diretor nos últimos 20 anos.
Para corrigir o que classifica como "falhas e limitações do plano",
o arquiteto propõe que o governo
decida por uma aprovação da lei
em duas fases. Na primeira, a administração reconheceria no texto do substitutivo uma lei de diretrizes. Então, no decorrer dos próximos meses, produziria estudos
que permitissem definir ações,
normas, programas e planos específicos que devem ser adotados
para chegar à cidade desejada.
Folha - O texto do substitutivo do
Plano Diretor é um bom projeto para a cidade?
Luiz Carlos Costa - Ainda não é
um plano que cumpra seu papel.
Em junho, quando estava em
pauta o projeto do Executivo, corríamos o risco de chegar a dois resultados igualmente desastrosos:
o projeto ser totalmente rejeitado
ou totalmente aprovado. Rejeitar
totalmente o projeto significava
jogar fora os esforços feitos pela
atual administração para iniciar a
tempo o planejamento estratégico da cidade e aplicar de imediato
os instrumentos inovadores do
Estatuto da Cidade. Por outro lado, aprová-lo integralmente significaria dar por definitivo um
plano que muitos avaliaram como incompleto e desarticulado,
muito aquém do exigido para a
superação da crise de São Paulo.
Folha - Por que o plano do governo é incompleto e desarticulado?
Costa - A Constituição e o Estatuto da Cidade definem o Plano
Diretor como um conjunto de decisões articuladas, aprovadas em
lei, destinadas a reorientar o desenvolvimento urbano para objetivos prioritários em determinado
período histórico. Portanto, a
função do Plano Diretor só será
cumprida se ele satisfizer certas
condições: apresentar clareza e
justificativa dos objetivos prioritários; ter consistência das políticas a adotar; conter uma proposta
urbanística suficiente para gerar
as transformações desejadas do
território; e apresentar diretrizes
de ação bastante precisas para garantir a viabilidade e a coerência
dos programas. O projeto atual
deixa dúvidas sobre muitos desses aspectos. A única alternativa,
portanto, é criar tempo e oportunidade para o indispensável aperfeiçoamento do plano.
Folha - Qual seria a solução?
Costa - A solução objetiva, como
já foi proposto ao governo, está
em admitir a aprovação do plano
em dois tempos. Na primeira etapa, seriam definidos os objetivos
prioritários para a década, as diretrizes estratégicas para alcançá-los e os instrumentos já possíveis
de serem instituídos para desencadear as novas práticas. Na segunda, com tempo e organização,
seriam tomadas as decisões operacionais sobre planos específicos, projetos e normas reconhecidos como essenciais à eficácia do
Plano Diretor. Esse é o recurso para superar o impasse e assegurar
um plano à altura de São Paulo.
Folha - As melhorias necessárias
já não foram feitas no substitutivo
do vereador Nabil Bonduki?
Costa - Infelizmente não. Nabil e
sua equipe fizeram um trabalho
extraordinário, integrando sugestões desencontradas, em condições e prazos muito adversos.
Muito foi melhorado, mas não o
suficiente para salvar o plano de
seus vícios de origem.
Folha - Que problemas restaram?
Costa - Problemas relativos a políticas públicas setoriais, ao planejamento urbanístico e ao sistema
de planejamento. São problemas
bastante graves e suficientes para
comprometer muitos dos avanços que o plano propõe.
Folha - Quais são as políticas públicas setoriais essenciais?
Costa - Uma é a de circulação, relativa aos transportes e vias, cuja
principal missão é acabar com os
congestionamentos que paralisam a cidade. A segunda política é
a da habitação popular, cujo alvo
é atender a quase metade da população que não tem recursos para obter moradia nas condições
do mercado imobiliário e, por isso, é obrigada a aumentar as favelas, os cortiços e os bairros precários. A terceira política essencial é
a de saneamento e drenagem, que
inclui a questão dos mananciais
de água, indispensáveis à cidade.
Folha - Não se definem essas políticas no Plano Diretor?
Costa - O projeto não apresenta
definições e propostas suficientemente fortes e precisas que criem
garantias de que seus objetivos serão atingidos. Por exemplo: não
há nenhuma quantificação explícita entre as ações propostas e os
objetivos que se pretende alcançar ou entre os custos dos programas e os recursos que podem ser
mobilizados no período do Plano
Diretor. Mais: não se indica quanto das metas de produção depende da ação do município ou de
parcerias com outras esferas de
governo ou com o setor privado.
Assim, não se pode avaliar quanto
da demanda estimada poderá ser
atendida ou o quanto a sociedade
deverá pagar pelas políticas.
Folha - O sr. disse que muitos não
conseguem obter moradia nas condições do mercado imobiliário. Que
política imobiliária e fundiária o
Plano Diretor deve propor?
Costa - Cabe ao Plano Diretor
definir uma nova e mais civilizada
relação entre o setor imobiliário, o
poder público e o conjunto da sociedade, que viabilize a cidade desejada da próxima década. Isso
implicaria em acrescentar às normas da produção imobiliária algumas exigências fundamentais
de interesse coletivo até aqui desconsideradas. Três dessas exigências: conter a tendência de adensamento das construções em níveis compatíveis com a capacidade de suporte das diferentes zonas; assegurar a disponibilidade
de terras para habitação popular e
serviços essenciais; e obrigar os
empreendimentos a ressarcir a
coletividade dos custos de urbanização decorrentes da verticalização que produzem.
Folha - Essas exigências não são
feitas? O sr. pode dar algum exemplo de um resultado do texto que
considera insatisfatório?
Costa - Sim, os índices máximos
de aproveitamento [área construída permitida em relação à metragem do terreno". O projeto original já propunha índices máximos maiores que os do atual zoneamento. Mas esses índices não
foram explicitamente fundamentados no cálculo da capacidade de
suporte das zonas. Por isso, é inegável o risco de que pudessem ser
agravados os congestionamentos
e a superocupação de muitos
bairros. O substitutivo acabou
piorando ainda mais esse risco,
pois, igualmente sem os estudos
necessários, aumentou em quase
três vezes a área urbana onde se
pode construir até quatro vezes a
área do terreno, num total muito
superior à demanda e à própria
capacidade executiva do setor
imobiliário. O fato de o substitutivo ter eliminado os equivocados
estoques de potencial construtivo
propostos não eliminou a necessidade de se fixar um limite para o
adensamento no Plano Diretor.
Folha - E quanto à outorga onerosa [cobrança pelo direito de construir acima do permitido", que tanta polêmica tem provocado?
Costa - A adoção da outorga
onerosa sobre o direito de construir constitui uma decisão de
grande repercussão econômica e
política. É natural que sua discussão tenha sido fortemente influenciada por pressões do setor
imobiliário. Não se pode dizer
que os demais interessados e os
principais beneficiários tenham
igualmente participado da discussão, dada sua maior dificuldade
de informação e mobilização. O
desequilíbrio acabou se refletindo
no debate. Por exemplo: o substitutivo acabou reduzindo à metade os recursos anuais a serem providos pela outorga onerosa e sua
aplicação resultará adiada. Além
disso, concedeu-se gratuidade da
outorga aos que apresentarem
projetos rapidamente, com o risco de isso gerar uma corrida especulativa que pode acabar esgotando o potencial de muitas áreas.
Folha - Quais as transformações
estruturais mais importantes a serem atingidas com o plano?
Costa - Primeiro, a reversão da
tendência de elitização e esvaziamento populacional dominante
em toda a área de urbanização
consolidada, que deve ser reaproveitada para propósitos sociais e
funcionais diversificados. Segundo: a limitação e a recuperação da
periferia popular precária que se
densifica, gueto vergonhoso da
exclusão social. Terceiro: a implantação de um sistema integrado de circulação que contribua
para unificar e equalizar a acessibilidade em todo o território. Por
fim, a consolidação de unidades
territoriais orgânicas estruturadas em eixos e pólos que garantam a unidade da cidade, a identidade de regiões mais equilibradas
e autônomas e a reorientação dos
vetores de urbanização que invadem áreas a preservar. Para isso, é
sobretudo fundamental que o
Plano Diretor contenha todos os
elementos necessários para assegurar a coerência, no conjunto da
cidade, das ações executivas e
normativas propostas. Não basta,
por exemplo, definir um sistema
de transportes com determinada
capacidade se não ficarem igualmente estabelecidos os limites
quantitativos de uso do solo para
as regiões servidas por ele. Não
creio que essas funções do plano
urbanístico possam ser cumpridas com os elementos contidos no
projeto. Apesar dos diversos mapas que ele contém, não se consegue visualizar claramente qual o
plano urbanístico proposto, seus
objetivos e a estratégia de implementação.
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