São Paulo, segunda, 10 de agosto de 1998

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OPINIÃO
Avaliação dos livros didáticos

REGINA HUBNER

Diversos jornais e revistas têm publicado artigos de alguns autores e editoras que se queixam da avaliação dos livros didáticos feitas pelo Ministério da Educação. Tentam desqualificar o processo de controle de qualidade dessa compra, iniciado em 1996, caracterizando-o como intolerante e antidemocrático, "censura" comparável à do regime militar. É preciso perguntar, no entanto, por que esses senhores gritam tanto.
É importante lembrar que os livros didáticos representam uma fatia considerável do mercado editorial brasileiro. Por duas décadas, a escolha dos professores se deu apenas a partir de uma listagem que o MEC enviava às escolas com o nome e o código dos livros.
Evidentemente, nesse contexto, a escolha do educador muitas vezes era influenciada pelas bem elaboradas estratégias de marketing das editoras, e o ministério comprava e distribuía livros repletos de erros conceituais e preconceitos, entre outros absurdos.
Para o mercado editorial, esse procedimento nada tinha de extraordinário, pois, tratando-se de um sistema comercial, o livro didático, assim como os remédios, era (e ainda é) vendido como um produto qualquer -com dignas exceções. Mas, para o sistema educacional do país, essa é uma questão muito mais complexa, diretamente ligada à problemática da qualidade do ensino público.
Preocupado com isso, o ministério optou por uma política inédita para os livros didáticos, mesmo em países democráticos: oferecer ao professor um guia com diversos títulos (cerca de 200). Na maioria dos países ocidentais, como a França, não há uma variedade tão grande de livros didáticos para consulta anual dos professores: em geral, distribui-se um mesmo livro por série e por disciplina para todas as escolas públicas.
A política assumida pelo MEC pretende desencadear um processo pedagógico de melhoria de condições de ensino e aprendizagem.
De um lado, o professor tem informações sobre bons livros e pode, aos poucos, aprimorar sua prática; de outro, contribui com o mercado editorial de livros didáticos, uma vez que os pareceres das equipes são enviados às editoras, que podem utilizá-los (e muitas já o fizeram) para melhorar a qualidade desse material didático.
O MEC convidou entidades representativas de professores, universidades, secretários municipais e estaduais, editores, autores e sindicatos de livreiros para seminários de estudo e discussão dos critérios a ser usados no processo de avaliação, inclusive prorrogando prazos para receber sugestões retardatárias desses representantes.
Assim, ao contrário do que querem fazer crer alguns, essa é uma ação participativa e principalmente corajosa, uma vez que o Programa Nacional do Livro Didático, criado em 1977, pela primeira vez avalia o produto que compra.
Não é difícil imaginar as resistências a tal iniciativa, que afeta interesses privados e altera quadros de compras com movimento anual de cerca de R$ 300 milhões.
Como em todo processo inovador, há sempre o que rever e melhorar. Mas o trabalho revela profundo respeito aos alunos e professores e faz parte do grande desafio de promover a qualidade do ensino fundamental no país.
O Cenpec, instituição sem fins lucrativos que há dez anos desenvolve trabalhos comprometidos com a escola pública, é uma das organizações não-governamentais que cooperam com o MEC nesse projeto, responsabilizando-se especialmente pela edição do guia.
Coerente com seu ideário, este centro, reconhecido nacionalmente, não poderia deixar de se manifestar em relação aos princípios éticos que nortearam a avaliação dos livros didáticos, chamando a atenção de educadores (e da opinião pública) para os diversos interesses privados atingidos pela produção dos guias. Como em muitos livros didáticos, o que alguns editores e autores escondem na imprensa pode induzir o leitor a erro de interpretação.


Regina Maria Hubner, 52, mestre em educação, é pesquisadora do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), responsável pelo projeto "Avaliação do Livro Didático"



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