São Paulo, quinta, 10 de setembro de 1998

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OPINIÃO

O Godzilla dos "equívocos"

HEBE TOLOSA

Quem pensa que compreender o que se lê só ocorre com pessoas bem alfabetizadas está enganado. Há preconceitos e até interesses outros que "obnubilam" o leitor, fazendo com que ele leia como lhe interessa, fato extremamente grave quando se deseja construir a cidadania - grave, ademais, quando se trata de jornalista, por definição formador de opiniões.
Sabe muito bem o repórter que a versão vale mais que o fato. Daí advém uma lição, nem sempre tão bem lembrada, do que ocorreu com os donos da Escola Base, destruídos por irresponsabilidade, afoiteza e ânsia por manchetes de grande parte desses profissionais da imprensa, que, com a versão, ergueram o fato virtual como real.
Mas quando a atitude de "ver" o que se deseja (ou o que foi encomendado pelo "rei" do momento) e ler o que não está escrito produz manchetes, temos de pensar na nova cegueira que toma conta de nossa cultura, parte da crescente descrença no que se fala ou escreve, de nossa desconfiança paranóica que sorri, cética, quando se elogia alguma pessoa pública.
É doença altamente contagiosa e perigosa, pois transforma inocentes em ingênuos ignorantes, úteis a algum interesse esconso, e nivela, por baixo, tudo e todos à condição de cúmplices inequívocos de ações pouco recomendáveis.
Com isso, assassina-se qualquer laivo de esperança, e todos são jogados na vala dos "órfãos revoltados", abandonados pelos detentores de cargos públicos, todos igualmente considerados ineficazes e indignos de confiança.
É tão fantástica a criatura parida nessas circunstâncias que Godzilla pisando o solo de Nova York passa a ser piada cinematográfica. Ele hoje está em toda parte, como um deus onipresente, principalmente nos corações e mentes dessa enorme massa de desconfiados, firme no propósito de inocular a própria doença nos que se encontram com o sistema imunológico danificado.
Freud, de grandes "sacadas", escreveu sobre o fenômeno da "projeção". Ele via nas interpretações inadequadas o próprio autor pondo "para fora" o que dentro dele se passava. E os antigos contam que Zeus, quando criou o ser humano, pôs duas sacolas no seu pescoço: uma atrás, contendo nossos defeitos, e outra na frente, com os defeitos alheios. Quanto mais nos curvamos com o peso dos nossos defeitos, mais enxergamos a sacola com os dos outros.
O mundo se encontra nessa bobagem da "globalização", o que inclui a globalização das bobagens. Que esse Godzilla virtual, criado pela mais veloz de todas as energias, a imaginação humana, não venha se transformar no mortal algoz de nossa espécie.


Hebe Tolosa, educadora, é secretária da Educação do município de São Paulo



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