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FERIADO TRÁGICO
Até neblina vira ameaça na viagem de 29 sobreviventes entre Leme e Anápolis que a Folha acompanhou
Sobraram assentos no retorno para casa
RODRIGO VERGARA
da Reportagem Local
Olhos arregalados e mãos dadas.
Apesar do tamanho e imponência
do ônibus da empresa Limatur
que os levaria de volta a Anápolis
(GO), os 29 romeiros sobreviventes do acidente ocorrido na rodovia Anhanguera, anteontem, embarcaram suspeitando da segurança que a estrutura de ferro seria capaz de oferecer.
Eram 16h30. Menos de 14 horas
antes, a vida daqueles passageiros
que agora entravam no ônibus dependia de conseguir sair de um
veículo idêntico, que ardia em
chamas. Salvaram-se os que pularam pelas janelas.
Os romeiros embarcaram abraçados aos cobertores e travesseiros
doados pela prefeitura de Leme.
Para muitos, o pequeno pacote
ocupava o lugar dos amigos e parentes que não conseguiram escapar do fogo.
Entre os dedos, quase todos levavam ainda uma lembrança do
motivo da viagem: um terço comprado em Aparecida do Norte, onde passaram o
feriado prolongado orando. Pouco depois do ônibus
tomar a mesma Anhanguera, rumo a
Minas Gerais,
um fiel sugeriu, o padre
Renato de Lima Lopes concordou e todos
rezaram um terço, que durou cerca de 25 minutos.
Antes da tragédia, o grupo de religiosos lotava dois ônibus da empresa Centro-Oeste Turismo. Na
partida silenciosa da cidade de Leme, na tarde de terça-feira, havia
lugares de sobra entre as 50 poltronas disponíveis no veículo.
Apesar disso, Maria Odila dos
Santos fez toda a viagem espremida com as duas filhas Adriana, 18,
e Marília, 10, em duas poltronas. A
quem lhe apontava um lugar vazio, Maria Odila endereçava um
sorriso constrangido, envergonhada de continuar com medo de
perder as filhas.
"Na hora do acidente, a Adriana
conseguiu empurrar a Marília pela
janela e pular depois. Eu estava
meio separada delas, foi um desespero, desespero de mãe. Não queria passar por isso de novo. Por isso vim grudada nelas", desabafou, na chegada, já em Anápolis.
A apreensão da mãe foi longa. Os
dois motoristas da Limatur que se
revezaram durante a viagem cumpriram o percurso entre Leme e
Anápolis em 13 horas e meia, quase quatro horas além do normal.
José Luis Dionísio, um dos motoristas, sorriu ao responder por
que a viagem foi tão demorada.
"Deve ter sido duro para eles
passar tanto tempo dentro de um
ônibus depois de tudo que aconteceu. Eu vim devagar, para evitar
solavancos, curvas muito acentuadas. O mais importante é que todo
mundo conseguisse dormir e descansar durante
a viagem."
Mas os sobressaltos foram inevitáveis. Mesmo
depois do anoitecer, os passageiros não se
rendiam ao sono. De cabeças
erguidas sobre
as poltronas,
eles monitoravam os movimentos do motorista.
Fumaça
Às 19h10, o ônibus seguia pela
Anhanguera, em uma longa subida. Ao chegar no topo, uma nuvem de poeira que o vento soprava
dos campos recém-arados cobria a
estrada, filtrando a luz dos faróis
que vinham em sentido contrário.
Os romeiros confundiram a cortina que cobria a estrada com uma
nuvem de fumaça. Foi como se
vissem fogo. Pelo menos cinco
mulheres se levantaram e gritaram
para o motorista que parasse antes
de atravessar a barreira suspensa
no ar. Em meio aos gritos, o padre
falou mais alto. Era só neblina.
Na escuridão do ônibus, ainda se
ouviam explicações, em voz baixa,
para a histeria. "Parecia com a fumaça do caminhão, achei que fosse outro acidente."
Ainda não. Mais 15 minutos e, às
19h23, surgiram luzes e cones na
pista. O padre se adiantou, dizendo que se tratava de uma blitz da
polícia. Agora ele errou. O ônibus
desfilou em silêncio ao longo dos
destroços de um caminhão carregado de cereais, tombado do lado
direito da estrada.
Jornal Nacional
Até o final da viagem, houve ainda duas provas de fogo para as lágrimas dos sobreviventes.
A primeira foi rever a freira Isabel Aparecida Cantelli, cujo nome
religioso é Dominique. Irmã Dominique ficou entre os 53 mortos,
mas anteontem, no "Jornal Nacional", reapareceu viva, em imagens de arquivo da TV Globo.
Os romeiros eram uma multidão
compacta em frente ao televisor
instalado em um restaurante de
beira de estrada, mas muitos não
resistiram à imagem da irmã, uma
das organizadoras da viagem.
Acabada a reportagem, o grupo
foi comer. A maioria. Alguns ficaram perambulando pelo posto.
A chegada a Anápolis abalou os
últimos nervos que restavam. O
grupo foi recebido na casa do padre Renato, onde já os aguardavam os parentes e amigos.
João Vaz, que se sobressaiu ao
grupo como um líder natural,
consolou todo mundo durante o
retorno. Agora era hora de ele
também chorar, ao rever a família.
Faltou a mãe, Maria Mesquita, que
também foi para Aparecida, mas
não volta nunca mais da viagem.
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