São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2001

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URBANISMO

Reforma prevê reabertura de cinema e criação de observatório em um dos mais democráticos condomínios de SP

Copan, 50, quer virar atração turística

Ed Viggiani/Folha Imagem
Escada externa em um dos últimos andares do edifício Copan; após reforma, prédio terá um observatório na cobertura e elevador panorâmico


CÉLIA CHAIM
REPORTAGEM LOCAL

De repente, dona Carminah (com o "h" obrigatório, segundo sua vizinha e numerologista Vera) perdeu o sossego e ganhou companhia. O edifício Copan, um dos marcos arquitetônicos da cidade, onde ela mora e paga aluguel de R$ 200 por mês por uma quitinete, voltou ao noticiário e seu apartamento no 31º andar, por estar sempre com a porta aberta, virou cenário de reportagem na televisão.
O Copan, aquela imensa onda de concreto revestida de pastilhas brancas e cinzas que o arquiteto Oscar Niemeyer pôs em pé no número 200 da avenida Ipiranga, centro de São Paulo, vai passar por uma reforma ousada e custosa nos seus 50 anos. Niemeyer, que detesta avião, não vem a São Paulo cuidar do "seu Copan". Ele passou a missão para o arquiteto paulista Ciro Birondi, de sua inteira confiança.
Para restaurar o condomínio serão necessários R$ 20 milhões, calcula o arquiteto Birondi, que quase caiu da cadeira quando Niemeyer o chamou ao telefone para convidá-lo a assumir a missão. "As obras vão recuperar o que for possível do projeto original", diz Birondi.
A principal atração do novo Copan será o observatório na cobertura, cujo acesso se dará por um elevador panorâmico com 20 assentos e onde, além da vista da cidade, o visitante terá à disposição um restaurante e um bar.
A reforma prevê um espaço para exposições, um jardim no terceiro andar com pista de cooper, a restauração de seus 20 elevadores forrados de madeira e a reinauguração do cinema (fechado para a abertura de um centro religioso). "O jardim vai acentuar a curva do projeto e recuperar um detalhe do projeto original", diz Birondi.
Uma nova paisagem para cartões postais deverá surgir: a parte de trás do edifício será recuperada e a escada circular receberá proteção de chapas de alumínio microperfuradas que darão à iluminação um efeito especial. "O Copan não tem frente nem fundos, é uma escultura", diz o arquiteto. Do projeto faz parte também uma passarela de ligação com a praça Roosevelt.
O dinheiro virá de parcerias que o condomínio está negociando com empresas de diversos setores, principalmente bancos.
O Copan, com a reforma, vai assumir a condição de atração turística, como aconteceu com um edifício residencial projetado por Gaudí, o gênio espanhol da arquitetura, em Barcelona: apesar do uso residencial, o edifício permite visitas de turistas de acordo com algumas regras.
Reformado, o Copan, uma das construções mais bonitas da cidade, resgata sua relevância original, uma homenagem a São Paulo e a Oscar Niemeyer. "Se esse prédio tem alguma importância para esta cidade, com sua longa e ondulada fachada de vidro, é ao meu amigo Octavio Frias (publisher da Folha) que devemos agradecer. Foi ele que me convocou e teve a coragem de construí-lo", afirma Niemeyer.
O síndico Affonso Celso Prazeres de Oliveira está orgulhoso. "Se já é atípico, o Copan será exclusivo", diz. Os moradores cobrem de elogios Oliveira e atribuem a ele não só a iniciativa da reforma, mas principalmente o milagre de ter transformado um condomínio de 5.000 habitantes, que tremia com o tráfico de drogas, prostituição a portas abertas, festas de arromba e tudo que advém dessa mistura, num condomínio único na cidade, provavelmente o mais democrático de todos.
Graças à sua administração diligente, a paz reina, soberana, entre brancos, negros, pobres que emprestam arroz do vizinho, empresários bem-sucedidos que ocupam 150 m2, solteirões, viúvos e descasados de alta renda, moças de programa, casais homossexuais, idosos solitários, travestis, jovens estudantes, mães solteiras, pais de fim-de-semana.
São seis seis blocos que se diferenciam pelo tamanho do apartamento, de 30 m2 a 150 m2, e pela renda dos moradores (os que ocupam os blocos E e F têm renda mais baixa, até quatro salários mínimos). No bloco A predominam os apartamentos de dois quartos; no B, as quitinetes; no C e no D, os de três quartos; e no E e no F, as dimensões são variadas.
O Copan tem história. Di Cavalcanti, o célebre pintor brasileiro, morou lá, no bloco D, quando namorava a artista plástica Noemia Mourão. O ator Paulo Autran também. Assim como Patrício Bisso, o precursor das "drag queens" e o cantor Cauby Peixoto, entre tantos outros.
O ilustre que mais deixou saudade para vizinhos e síndico foi o teatrólogo Plínio Marcos, que morou nos blocos E e B. Muitos ainda se lembram da história que ele costumava contar de que num dos 1.160 apartamentos do Copan foi deixada na mudança de um inquilino uma senhora de idade que ficou lá, ocupando o apartamento duplamente abandonado -pelo dono e pelo locatário.
A história pode ser fruto da imaginação de Plínio Marcos, mas faz parte da mística que coloca como amistosos vizinhos pessoas que jamais frequentariam o mesmo espaço, de classes sociais as mais diferentes.
Pedro Herz, dono da Livraria Cultura, trocou em 1986 um apartamento nos Jardins por uma vista extraordinária no 32º do bloco C do Copan. "Meu primeiro obstáculo visual é a serra da Cantareira." Outras vantagens, segundo Herz: o charme do centro, a proximidade do Teatro Municipal e do Cultura Artística, a facilidade de acesso a todo tipo de serviço no térreo do condomínio, a chance de andar a pé e a linha de ônibus da Praça da República que leva ao aeroporto de Guarulhos. "Não saio daqui por nada." Herz mora sozinho em 150 m2.
A configuração familiar no Copan tem variações que vão além do tradicional pai, mãe e filhos. Todas as composições são possíveis e respeitadas -desde que não interfiram na compostura do condomínio. "As prostitutas têm todo o direito de morar aqui, desde que não tragam o trabalho para dentro de casa", diz o síndico.
O cineasta italiano Federico Fellini (1920-1993), que gostava de trabalhar com não-atores e fez do sonho e da fantasia a sua matéria-prima, seria o padroeiro ideal do Copan. Ali estão algumas versões típicas de seus personagens populares, de fácil identificação e grande carga emocional.
Dona Carminah, pianista e cantora lírica que já morou na rua e há oito anos conseguiu alugar um apartamento no Copan, parece ter saído do clássico "Amarcord". O Copan, como a obra-prima de Fellini, tem muitos personagens. A mulher atraente, o vendedor ambulante, o músico deficiente. "Aqui não falta nada, nem mãe de santo", diz Carminah.
A diversidade parece ser a característica mais acentuada do prédio. Uma das vizinhas e aluna de inglês de dona Carminah é a prostituta G., mãe de uma garota de 9 anos que mora com o pai e pensa que a mãe é enfermeira, como pensam o pai de G. e toda a sua família. Outro é o advogado português José Almeida, de 72 anos, aposentado, 12 dos quais no Copan. Ele diz que adora viver ali.
Maiara, 7 anos, e seu irmão Alik, 6, que vivem com Maria da Graça, a avó-mãe, figura familiar muito frequente por lá, têm poucos amigos para brincar no playground improvisado na rua estreita que separa o prédio da agência do Bradesco. Mas elas também não querem mudar.
O que é que o Copan tem? Tem a mão de Oscar Niemeyer, que atrai centenas de arquitetos estrangeiros todos os anos (só no ano passado foram 320, segundo o síndico). Tem um projeto de tombamento da fachada pelo Patrimônio Histórico em andamento. Tem tudo perto. Tem personalidade e alma. Os moradores descobrem nova resposta a cada dia. Agora é a reforma, que começa em março e acabará conforme o desembolso dos patrocinadores.



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