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LETRAS JURÍDICAS
Tílburi jurídico
WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas
A revista "Time", da qual a
Folha passou a publicar um
suplemento, trouxe notícia sobre fatos que acabarão aparecendo nos tribunais brasileiros, suscitados em caso submetido à Corte Suprema de
Justiça do Estado de Nova
York. A questão é simples: Steven e Maureen se casaram,
mas não tiveram filhos. Cinco
anos depois se divorciaram.
No período de vida em comum, utilizaram os procedimentos da reprodução assistida, na clínica de um hospital,
para tentarem a gravidez "in
vitro". Desses procedimentos
restaram cinco embriões, formados com o esperma dele e os
óvulos dela. Maureen, hoje
com 40 anos, quer engravidar
com aqueles embriões, mas
Steven se opõe vigorosamente.
O leitor, querendo, pode
provocar um bom debate em
seu círculo de amizades, porque, com certeza, o assunto
passará a ser comum. Embora
não se disponha de estatística
confiável sobre o número de
embriões congelados, só no
Brasil devem ser alguns milhares, envolvendo situações pessoais as mais diversas, de solteiros, divorciados, companheiros e até embriões formados com pessoa estranha ao
cônjuge.
No momento de escrever este
comentário ignoro o resultado
do julgamento nova-iorquino,
mas dou minha opinião. Se me
coubesse julgar o processo de
Maureen e Steven, votaria a favor deste. No caso deles houve
autorização escrita, dada ao
hospital, para que qualquer
embrião remanescente fosse
doado para uma instituição de
pesquisa. Depois de proposto o
divórcio, porém, a mulher notificou o hospital para que os
embriões não fossem destruídos. Steven quer manter a
combinação originária, mandando os embriões para pesquisa. Ele tem razão.
Primeiro, pelo ajuste de vontades, livremente feito entre
eles. Segundo, porque o embrião foi formado com o seu
esperma e, portanto, ele tem
direito de não querer ser pai de
uma criança nascida do fracassado casamento com Maureen.
Terceiro, porque, na pior das
hipóteses, o embrião é propriedade comum dos dois e a
vontade de ambos vale igualmente.
Mesmo que não houvesse a
declaração escrita sobre o destino dos embriões, votaria a favor dele. No estado de casado,
quis ter filhos com sua mulher.
Sobrevindo o divórcio, encerraram-se todos os vínculos entre ambos. Ou seja: nada mais
os une. Os dois passaram a ser
plenamente livres para tentarem maternidade ou paternidade com outros parceiros.
Por outro lado, se Maureen tiver um filho graças aos embriões formados com sêmen de
Steven e predominar a tese da
paternidade biológica, obrigará ao pagamento de alimentos.
Haverá direito à herança.
Criar-se-á o absurdo de obrigá-lo a fortes despesas e a assegurar parte de sua herança por
força de uma filiação contrária
à essência mesma da natureza
humana.
O tema vai propor, no futuro, outro debate: a paternidade
biológica deve preponderar sobre a paternidade afetiva? A
paternidade de quem recebeu,
criou, manteve e educou a
criança vale mais ou menos do
que a relação biológica, ainda
que ocasional e passageira, entre o homem e a mulher?
A ciência, na segunda metade do século, transformou os
conhecimentos humanos numa proporção nunca dantes
assinalada, em velocidade e em
profundidade. O direito acompanha, de tílburi, o avião a jato
da ciência, mas nos campos da
família e da relação entre os sexos. Resolver o drama da responsabilidade pela filiação exige solução breve. O caso de
Nova York confirma a insuficiência dos meios jurídicos, a
ser superada.
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