São Paulo, sábado, 11 de abril de 1998

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LETRAS JURÍDICAS
Tílburi jurídico

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

A revista "Time", da qual a Folha passou a publicar um suplemento, trouxe notícia sobre fatos que acabarão aparecendo nos tribunais brasileiros, suscitados em caso submetido à Corte Suprema de Justiça do Estado de Nova York. A questão é simples: Steven e Maureen se casaram, mas não tiveram filhos. Cinco anos depois se divorciaram.
No período de vida em comum, utilizaram os procedimentos da reprodução assistida, na clínica de um hospital, para tentarem a gravidez "in vitro". Desses procedimentos restaram cinco embriões, formados com o esperma dele e os óvulos dela. Maureen, hoje com 40 anos, quer engravidar com aqueles embriões, mas Steven se opõe vigorosamente.
O leitor, querendo, pode provocar um bom debate em seu círculo de amizades, porque, com certeza, o assunto passará a ser comum. Embora não se disponha de estatística confiável sobre o número de embriões congelados, só no Brasil devem ser alguns milhares, envolvendo situações pessoais as mais diversas, de solteiros, divorciados, companheiros e até embriões formados com pessoa estranha ao cônjuge.
No momento de escrever este comentário ignoro o resultado do julgamento nova-iorquino, mas dou minha opinião. Se me coubesse julgar o processo de Maureen e Steven, votaria a favor deste. No caso deles houve autorização escrita, dada ao hospital, para que qualquer embrião remanescente fosse doado para uma instituição de pesquisa. Depois de proposto o divórcio, porém, a mulher notificou o hospital para que os embriões não fossem destruídos. Steven quer manter a combinação originária, mandando os embriões para pesquisa. Ele tem razão.
Primeiro, pelo ajuste de vontades, livremente feito entre eles. Segundo, porque o embrião foi formado com o seu esperma e, portanto, ele tem direito de não querer ser pai de uma criança nascida do fracassado casamento com Maureen. Terceiro, porque, na pior das hipóteses, o embrião é propriedade comum dos dois e a vontade de ambos vale igualmente.
Mesmo que não houvesse a declaração escrita sobre o destino dos embriões, votaria a favor dele. No estado de casado, quis ter filhos com sua mulher. Sobrevindo o divórcio, encerraram-se todos os vínculos entre ambos. Ou seja: nada mais os une. Os dois passaram a ser plenamente livres para tentarem maternidade ou paternidade com outros parceiros. Por outro lado, se Maureen tiver um filho graças aos embriões formados com sêmen de Steven e predominar a tese da paternidade biológica, obrigará ao pagamento de alimentos. Haverá direito à herança. Criar-se-á o absurdo de obrigá-lo a fortes despesas e a assegurar parte de sua herança por força de uma filiação contrária à essência mesma da natureza humana.
O tema vai propor, no futuro, outro debate: a paternidade biológica deve preponderar sobre a paternidade afetiva? A paternidade de quem recebeu, criou, manteve e educou a criança vale mais ou menos do que a relação biológica, ainda que ocasional e passageira, entre o homem e a mulher?
A ciência, na segunda metade do século, transformou os conhecimentos humanos numa proporção nunca dantes assinalada, em velocidade e em profundidade. O direito acompanha, de tílburi, o avião a jato da ciência, mas nos campos da família e da relação entre os sexos. Resolver o drama da responsabilidade pela filiação exige solução breve. O caso de Nova York confirma a insuficiência dos meios jurídicos, a ser superada.



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