São Paulo, quinta, 11 de junho de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

INCULTA & BELA
"O menor juros"

PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha


Dia desses, comentei aqui um texto da propaganda de uma construtora. A frase era "O charme de se morar bem". O pessoal da agência anda lendo esta coluna. A propaganda já mudou. A frase foi sumariamente defenestrada.
Mas outras andam esbanjando inspiração. É o caso da de uma rede de lojas de eletrodomésticos, cujo lema é "O menor juros".
Em língua é comum o fenômeno da transferência. É o que ocorre, por exemplo, com a palavra "óculos". Por ser objeto único, uma peça só, trata-se da coisa como se ela fosse una. Disso surgem as formas "o óculos", "meu óculos", "este óculos", "óculos escuro", "meu óculos sumiu" etc.
Óculos é o plural de óculo. Como são dois -cada lente é um óculo-, o substantivo é plural, portanto todos os seus acompanhantes devem vir no plural: os óculos, estes óculos, meus óculos, óculos escuros, meus óculos sumiram. Mas, na prática, no Brasil isso não pega de jeito nenhum.
Talvez seja esse o caso da palavra juros. Esse termo soa como se fosse uma espécie de sinônimo de taxa, ou seja, como se também fosse uma coisa una. Mas juros é o plural de juro. Então é recomendável dizer o juro, os juros, o menor juro, os menores juros.
Outra propaganda que esbarra no problema do singular e do plural é a de uma instituição financeira oficial.
Diz o texto publicitário que o banco apóia "as micros e pequenas empresas". Apesar de micro significar pequeno, na prática a microempresa é menor do que a pequena. Na linguagem jornalística, por redução, micro virou substantivo, sinônimo de microcomputador e de microempresa.
Nesses casos, faz sentido dizer "as micros", ou "os micros". No primeiro caso, as micros são as microempresas; no segundo, os micros são os microcomputadores.
Mas, quando se diz "as micros e pequenas empresas", na verdade o que se quer dizer é "as microempresas e as pequenas empresas". Nesse caso, é errado pluralizar micro. Deve-se dizer "as micro e pequenas empresas".
Até a propaganda do CD-ROM "Nossa Língua Portuguesa", do professor Pasquale, que por acaso sou eu, caiu na arapuca. Recentemente foi publicada uma propaganda em que se lia "quizer". Não me restou nada além de lamentar a presença constante do capeta, que está sempre de plantão.
Espero que a agência já tenha feito o que fez a do edifício e o que deveriam fazer a da loja de eletrodomésticos e a do banco oficial, ou seja, espero que na próxima apareça "quiser", com "s", como determinam as normas ortográficas em vigor. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras


E-mail:inculta@uol.com.br



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.