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OPINIÃO
A avaliação do livro didático e a Copa
SCIPIONE DI PIERRO NETTO
Em meados da década de 60, o
magistério de matemática foi levado a apaixonar-se por um tema
que se dava como irreversível, a
"matemática moderna"; quem
não o seguisse era tido como tolo
ou ultrapassado. Os que foram
prudentes salvaram-se, mas todos
sabem o desastre que significou e
os prejuízos que produziu.
Estranhavam alguns que nenhuma pesquisa científica tivesse sido
feita em campo, avaliando os resultados daquela conduta -que
se suspeitava correta- comparados à modéstia e a segurança de
outros tratamentos. Como diria
Hegel, "elegeu-se a suspeita como
paradigma da verdade".
Trinta anos depois, o fato se repete. Nenhuma pesquisa aferida.
Só resultados de alguns centros,
insuficientes para definir uma
conduta nacional. Privilegia-se
uma conduta pedagógica em detrimento de outras, sem fundamentos bem aferidos, com base
em fatos isolados, monografias ou
opiniões pessoais. O país precisa
de mais do que isso em educação.
Assim, 80% ou mais dos livros
escolhidos pelos professores de
matemática das escolas públicas e
particulares do país foram rejeitados pelo MEC, que contratou uma
ONG, o Cenpec, para a avaliação.
Três aspectos não podem dispensar análise: o normativo, o jurídico e o técnico. Os dois primeiros exigem respeito à lei: notório
saber, licitação e principalmente
pluralidade de metodologias, garantidos pela Lei de Diretrizes e
Bases e pela Constituição. Um
procurador da República é que
poderá se manifestar sobre isso.
Quanto ao aspecto técnico, podemos nos pronunciar, a contragosto, pois não há como argumentar sobre terceiros. Falando
sobre o nosso livro "Conceitos e
Histórias", afirma o avaliador:
"O item 5, "Sistema de numeração decimal', apresenta problemas de ordem conceitual, pois, segundo a apresentação inicial do
texto, "a contagem dos elementos
de um conjunto é sempre feita tomando-se como base o número de
elementos do agrupamento que se
faz'. Seguindo esse raciocínio, não
faz sentido a afirmativa, comum
em esporte, de que 22 jogadores
representarão o Brasil na Copa do
Mundo, os titulares e os reservas,
pois esses jogadores estão agrupados de 11 em 11. Segundo o exposto neste livro, como estamos trabalhando na base 11, o resultado
também deveria ser escrito na base 11, e não na base 10".
Parece inacreditável! Avaliem os
que entendem alguma coisa de
matemática. É uma pantomima?
Eis outra nota da avaliação:
"Na mesma página, a definição
de frações inversas está errada ao
afirmar que "frações inversas são
aquelas em que o produto é igual a
1 ou o numerador de uma é igual
ao denominador de outra'. Segundo essa definição, 2/3 é inversa de
5/2, pois o numerador de 2/3 é
igual ao denominador de 5/2".
Parece brincadeira! Um colega
que leu comigo perguntou: onde o
avaliador aprendeu matemática?
O terceiro tópico destina-se ao
entendimento de professor ou
profissional de matemática, quando, grifando, o examinador exige
que se demonstre que a soma dos
ângulos de um triângulo mede
180 antes que se fale no axioma
de Euclides, absurdo já convalidado em 1830 por Gauss, Lobatchevski e Bolyai. É de alarmar!
O que fazer, ministro? Uma avaliação com incorreções tão graves
não invalida o processo?
O direito de resposta é um sofisma
arrogante e perverso da Secretaria
da Educação Fundamental do
MEC: "pode-se reinscrever o livro
no programa...". Mas a inscrição
é bienal, publicada no ano seguinte; e o livro só voltará ao catálogo,
no mínimo, após quatro anos. É
como se alguém pudesse abandonar o emprego por quatro anos.
Enquanto a gente pensa e sofre,
ministro, como o MEC hoje é
"MED" (Educação e Desporto),
não valeria a pena o senhor mandar para a França aquele pretenso
avaliador que quis contar os jogadores da seleção na base 11 para
explicar isso ao Zagallo? Quem sabe o nosso treinador não fica esperto, arruma a defesa e a gente
ganha a Copa? Legal, não?
Scipione Di Pierro Netto, 71, matemático,
doutor em educação pela USP, professor aposentado da Faculdade de Educação da USP, professor titular do Departamento de Matemática
da PUC-SP e membro da Abrale (Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos)
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