São Paulo, quinta-feira, 12 de abril de 2001

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SISTEMA PRISIONAL

Entidades de direitos humanos registram 584 vítimas no Estado desde setembro, após visita de relator da ONU

SP tem 206 casos de tortura após relatório

GABRIELA ATHIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Enquanto o relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas), Nigel Rodley, divulgava oficialmente, ontem, em Genebra, o relatório sobre tortura no Brasil, entidades de direitos humanos reuniram-se na capital paulista para fazer um balanço dos novos casos de tortura registrados após a visita do diplomata ao país: 206, com pelo menos 584 vítimas. Isso só no Estado de São Paulo.
Os dados colhidos no relatório de Rodley contemplam denúncias de tortura feitas entre 97 e agosto do ano passado. O diplomata percorreu quatro Estados e o Distrito Federal entre 20 de agosto e 12 de setembro.
Os novos casos foram registrados no período de setembro de 2000 até ontem, no sistema penitenciário, em delegacias de polícia e na Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor).
Dos 206 casos, 12 passaram a compor um relatório complementar das comissões de direitos humanos do país, entregue a Rodley há uma semana. O documento também cita oito casos ocorridos em outros Estados.
O deputado Renato Simões (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, que leu trechos do relatório complementar no plenário da ONU, explicou que o documento poderá ser utilizado pelas Nações Unidas para solicitar soluções específicas para essas ocorrências ao governo brasileiro.
Para Maria Luísa Mendonça, da direção da Justiça Global (instituição de direitos humanos), o relatório de Rodley deverá provocar reações mais contundentes do governo brasileiro contra tortura.
Nos novos casos, policiais militares e civis continuam sendo citados como torturadores.
Das 206 denúncias, 109 teriam sido cometidas em distritos policiais e nas ruas por policiais civis (78) e militares (31). Os números são da Ouvidoria da Secretaria Estadual da Segurança Pública.
Outras 72 teriam ocorrido em unidades da Febem, segundo a Promotoria da Infância e da Juventude. As demais 25 teriam acontecido em cadeias públicas, de acordo com dados da Associação Cristã para Abolição da Tortura (Acat), que avalia que o número deva ser ainda maior.
Entre as vítimas, pelo menos 450 são internos da Febem. No entanto, para as comissões de direitos humanos, dos novos casos, o mais emblemático é o do vendedor Wander Cosme Carvalheiro, 28, preso no dia 1º de fevereiro, na zona sul de São Paulo.
Carvalheiro foi levado ao Depatri (Departamento de Investigações sobre Crimes Patrimoniais), sob suspeita de participar do assassinato de um delegado.
Horas depois de sua prisão, policiais teriam ligado para seus pais solicitando pagamento de fiança de R$ 100 para liberá-lo, no dia seguinte, por porte de drogas (um cigarro de maconha).
O vendedor acabou não sendo liberado. Denúncia feita na Ouvidoria, 34 dias depois da prisão, indica que ele teria sido torturado durante toda a madrugada, com choques no pênis e no ânus, preso a um pau-de-arara.
O caso ganhou repercussão inclusive entre os presos, que se dispuseram a testemunhar. Um advogado também viu Carvalheiro depois da prisão.
Na Ouvidoria, o vendedor disse que o perito do Instituto Médico Legal, para onde ele teria sido levado no dia 3 pelos próprios torturadores, não o examinou.
A Comissão de Direitos Humanos de São Paulo vai entrar com uma representação contra o perito do IML no Conselho Regional de Medicina (CRM).


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