São Paulo, quinta-feira, 12 de abril de 2001

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RIO

Pesquisa qualitativa feita pela Universidade Candido Mendes com 55 soldados aponta que negros são vistos como suspeitos

Estudo com policiais indica racismo na PM

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
O cabo Fábio Luciano da Silva na favela Cantagalo, em Copacabana; apesar dos riscos, ele diz que nos morros é mais respeitado


ANTONIO CARLOS DE FARIA
DA SUCURSAL DO RIO

A Polícia Militar do Estado do Rio age com discriminação contra os negros, escolhendo-os prioritariamente como suspeitos.
Essa é uma impressão dominante entre 55 policiais militares negros entrevistados pela Universidade Candido Mendes. A pesquisa, ainda em andamento, será editada em livro no próximo ano.
"Nossa sociedade, de certa forma, é discriminatória. O policial vem desse meio... Ele vem para cima do negro com essa carga de discriminação", afirma um major, que, como os demais entrevistados incluídos no estudo, prefere não ser identificado.
Esse preconceito seria incorporado pelos próprios policiais negros, que, além disso, não querem mostrar atitudes condescendentes, diz um cabo que trabalha há 15 anos no policiamento.
"Quando um policial negro pega um negro suspeito, ele quer mostrar para o branco que não passa a mão na cabeça."
Os policiais acreditam que a mesma discriminação não ocorre dentro da corporação onde trabalham, que é vista como um veículo de ascensão social, analisa o antropólogo Livio Sansone, coordenador da pesquisa.
Os entrevistados dizem que uma manifestação ostensiva do preconceito da sociedade estaria na rejeição, por parte dos moradores da zona sul, mais ricos, à idéia de compartilhar as praias com os suburbanos, em grande parte negros, jovens e pobres.
"Essa cultura do racismo velado não permite que eles digam claramente: não queremos negros aqui. Eles dizem que não querem baderneiros, farofeiros", afirma um dos policiais entrevistados.
A rejeição ocorreria até por parte dos negros residentes na zona sul, segundo os policiais.
Os resultados preliminares da pesquisa "O Negro na Polícia Militar Fluminense: Ascensão Social e Relações Raciais" serão expostos, no próximo dia 11 de maio, em seminário na universidade.
O objetivo é dar subsídios para o aperfeiçoamento dos policiais e o planejamento de suas ações.
A pesquisa tem o apoio do Comando Geral da PM e é realizada em três batalhões: Copacabana (zona sul), Niterói (cidade na região metropolitana) e turístico (com atuação em todo o Estado).
A ação discriminatória da polícia fluminense também foi apontada em um levantamento concluído pelo Iser (Instituto Superior de Estudos da Religião) em 1999. O instituto chegou a essa conclusão a partir de registros de confrontos policiais, com 805 mortos, em quatro anos.
Os dados mostram que 30% dos mortos eram negros -que representavam 12,7% da população em 1999. Já os brancos representaram também 30% dos mortos, mas 61,7% da população do Estado.
Os entrevistados dizem que a discriminação contra a população negra é um fenômeno em transição, pois estaria havendo uma maior conscientização da própria polícia e um aprimoramento das técnicas de trabalho.
As mudanças são identificadas como fruto das medidas que começaram a ser implantadas pelo comando da corporação nas duas gestões do coronel PM Carlos Magno Nazareth Cerqueira.
O coronel, assassinado em 1999, foi o primeiro oficial negro a dirigir a PM do Rio. Ele exerceu o cargo entre 1983 e 1987, voltando de 1991 até o fim de 1994, nomeado em ambas as vezes pelo ex-governador Leonel Brizola (PDT).
Foi no segundo período de governo brizolista que se iniciaram os chamados arrastões nas praias do Rio. Ficaram célebres as imagens de multidões correndo em pânico nas areias porque, supostamente, uma gangue teria iniciado um roubo coletivo.
Para os policiais entrevistados, os arrastões nunca existiram. Foram uma reação coletiva de histeria dos moradores da zona sul diante das badernas e brigas causadas por grupos de jovens negros do subúrbio.
As mudanças introduzidas por Cerqueira na corporação teriam buscado mudar o modo de operação. "Ele tinha na cabeça que a polícia é um serviço, em contraposição à idéia de polícia-força", afirma um tenente-coronel.
Os PMs entrevistados reconhecem a discriminação da corporação em relação ao público externo, mas dizem que internamente a cor não se configura como fato determinante para a carreira.
Isso aconteceria, na opinião dos entrevistados, porque as promoções na PM dependem de tempo de serviço e de cursos que tenham sido realizados por seus integrantes, não entrando no processo critérios subjetivos que permitam o exercício do racismo.

Metodologia
A PM do Rio tem 29,5 mil policiais em atividade, dos quais 30,7% são considerados brancos e 47,68%, afrodescendentes, segundo os pesquisadores.
Na categoria de afrodescendentes, 4,88% são classificados como de cor preta. Esses números, obtidos no Centro de Documentação e Estatística da PM, não são completos, pois, do total de policiais da corporação, 21,62% não têm a cor informada em seus registros profissionais.
Cada uma das 55 entrevistas já realizadas teve a duração média de duas horas. Elas refletem a maneira de pensar do policial negro da PM fluminense, mas não têm validade estatística.
Isso ocorre porque estão sendo aplicadas técnicas de pesquisas qualitativas, e não quantitativas. "São entrevistas em profundidade, que mostram o perfil de um grupo de policiais", diz Sansone.
As entrevistas continuarão até o próximo ano, podendo chegar a uma centena. Um dos focos é o papel da PM como um dos grandes centros de emprego no Estado. A pesquisa questiona até mesmo o grau de satisfação do policial no desempenho de seus serviços.
É nesse quesito que os pesquisadores têm identificado a corporação como um meio de ascensão social para os afrodescendentes, que ocupariam, hoje, 30% das 1.900 vagas de oficiais da PM.


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