São Paulo, terça-feira, 12 de abril de 2005

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MARIA INÊS DOLCI

O crime compensa contra mutuários do SFH

2005, como os anteriores, é um ano especial para os mutuários do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) que tiveram a infelicidade de confiar no governo, nas leis e até na Justiça. Quem comprou um imóvel pelo SFH, pouco antes do Plano Collor, pelo financiamento com resíduo a pagar ao final do contrato, provavelmente deva, hoje, mais do que o valor de mercado do imóvel.
O milagre da multiplicação do saldo devedor (ou seja, o que o comprador do imóvel deve depois de pagar a parcela mensal do financiamento) é fácil de ser explicado. Em 1990, logo após o Plano Collor, os bancos que financiavam imóveis, em nome do SFH, utilizaram o Bônus do Tesouro Nacional Fiscal (BTNf) para atualizar, monetariamente, os saldos das cadernetas de poupança, ou seja, 41,28%. E, espertamente, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), de 72,78% (março de 1990) ou 84,32% (abril de 1990), para corrigir os saldos dos financiamentos habitacionais.
O descasamento entre saldo devedor, cadernetas de poupança e salários, contudo, não foi a única maldade que os bancos, com total beneplácito do Banco Central e, lamentavelmente, de uma parcela significativa da Justiça, fizeram aos mutuários. Ainda em relação ao saldo devedor, uma das artimanhas mais freqüentes é abater o pagamento da prestação mensal depois da correção monetária, provocando o efeito "bola de neve". Além disso, o saldo devedor é corrigido pela Taxa Referencial (TR), e são aplicados juros sobre juros, o que configura um crime contra os direitos do consumidor. É um abuso contra aqueles que estão nesta situação, sem dúvida.
Bem, a Velhinha de Taubaté, personagem do escritor Luís Fernando Veríssimo, que em tudo acreditava, poderia perguntar: "Então, a saída seria recorrer ao Judiciário ou ao governo?". Não sei dizer, porque ambos, na maioria das vezes, jogam no time dos bancos. O Banco Central sempre defende a posição dos bancos, seja na negação do Código de Defesa do Consumidor, nos abusos de juros e cobranças indevidas, seja, principalmente, na hora de tomar imóveis de mutuários que tiveram seus direitos solapados por leis equivocadas, planos econômicos malucos e todo tipo de abusos.
E o Judiciário costuma ser extremamente pró-banco e antimutuário, excetuando-se uma minoria do Sul do país, com posição corajosa e avançada, que sabe que as leis são aplicadas a seres humanos. Resta, então, recorrer a associações de mutuários, entidades ou a advogados, em uma luta de Dom Quixote contra os moinhos de dinheiro.
Situação ainda mais cruel quando se trata do único imóvel daquele(a) coitado(a) que acreditou na existência de leis e contratos durante 10, 15 ou 20 anos. E que foi, por isso, ludibriado, desrespeitado e lesado, pois pagou, pagou e ainda tem, ao final do contrato, um saldo devedor superior ao valor de mercado do imóvel. E isso não mudou nada quando FHC passou o bastão a Lula. O que prova que santo de casa, no Brasil, só faz milagre para quem já tem várias casas.


E-mail - midolci@yahoo.com.br

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