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MARIA INÊS DOLCI
O crime compensa contra mutuários do SFH
2005, como os anteriores, é
um ano especial para os mutuários do Sistema Financeiro da
Habitação (SFH) que tiveram a
infelicidade de confiar no governo, nas leis e até na Justiça.
Quem comprou um imóvel pelo
SFH, pouco antes do Plano Collor, pelo financiamento com resíduo a pagar ao final do contrato,
provavelmente deva, hoje, mais
do que o valor de mercado do
imóvel.
O milagre da multiplicação do
saldo devedor (ou seja, o que o
comprador do imóvel deve depois de pagar a parcela mensal
do financiamento) é fácil de ser
explicado. Em 1990, logo após o
Plano Collor, os bancos que financiavam imóveis, em nome do
SFH, utilizaram o Bônus do Tesouro Nacional Fiscal (BTNf) para atualizar, monetariamente, os
saldos das cadernetas de poupança, ou seja, 41,28%. E, espertamente, o Índice de Preços ao
Consumidor (IPC), de 72,78%
(março de 1990) ou 84,32% (abril
de 1990), para corrigir os saldos
dos financiamentos habitacionais.
O descasamento entre saldo devedor, cadernetas de poupança e
salários, contudo, não foi a única
maldade que os bancos, com total beneplácito do Banco Central
e, lamentavelmente, de uma parcela significativa da Justiça, fizeram aos mutuários. Ainda em relação ao saldo devedor, uma das
artimanhas mais freqüentes é
abater o pagamento da prestação mensal depois da correção
monetária, provocando o efeito
"bola de neve". Além disso, o saldo devedor é corrigido pela Taxa
Referencial (TR), e são aplicados
juros sobre juros, o que configura
um crime contra os direitos do
consumidor. É um abuso contra
aqueles que estão nesta situação,
sem dúvida.
Bem, a Velhinha de Taubaté,
personagem do escritor Luís Fernando Veríssimo, que em tudo
acreditava, poderia perguntar:
"Então, a saída seria recorrer ao
Judiciário ou ao governo?". Não
sei dizer, porque ambos, na
maioria das vezes, jogam no time
dos bancos. O Banco Central
sempre defende a posição dos
bancos, seja na negação do Código de Defesa do Consumidor, nos
abusos de juros e cobranças indevidas, seja, principalmente, na
hora de tomar imóveis de mutuários que tiveram seus direitos
solapados por leis equivocadas,
planos econômicos malucos e todo tipo de abusos.
E o Judiciário costuma ser extremamente pró-banco e antimutuário, excetuando-se uma minoria do Sul do país, com posição corajosa e avançada, que sabe que
as leis são aplicadas a seres humanos. Resta, então, recorrer a
associações de mutuários, entidades ou a advogados, em uma luta
de Dom Quixote contra os moinhos de dinheiro.
Situação ainda mais cruel
quando se trata do único imóvel
daquele(a) coitado(a) que acreditou na existência de leis e contratos durante 10, 15 ou 20 anos. E
que foi, por isso, ludibriado, desrespeitado e lesado, pois pagou,
pagou e ainda tem, ao final do
contrato, um saldo devedor superior ao valor de mercado do imóvel. E isso não mudou nada quando FHC passou o bastão a Lula. O
que prova que santo de casa, no
Brasil, só faz milagre para quem
já tem várias casas.
E-mail - midolci@yahoo.com.br
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