São Paulo, domingo, 12 de maio de 2002

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"Os meninos têm medo de que eu não volte"

" Vejo os meninos bem cedinho, quando ainda está escuro, e depois das nove da noite, quando volto. Fico falando com eles pelo telefone da casa das minhas patroas: Marcelo, já comeu? Não deixa o Luquinha abrir a porta, não aceita doce na rua, não conversa com pessoas de fora. Às vezes, o Marcelo liga pedindo ajuda na tarefa da escola, a gente faz a lição pelo telefone.
Falando com eles eu me sinto melhor, porque, quando penso que eles estão longe, me dá vontade de chorar. Eles lá, no Itaim Paulista, eu aqui, no outro lado da cidade [ela trabalha na Vila Olímpia e em Perdizes". É a avó deles quem me ajuda, sem ela não sei o que ia fazer.
De manhã, o menorzinho sempre me agarra pedindo que eu fique, eu beijo os dois, digo que um dia vou ficar o tempo inteiro com eles. Aí saio porque não gosto de chorar perto deles. O mais velho sempre diz: "Mãe, quando crescer vou dar tudo para a senhora não trabalhar mais".
Fico pensando que estou fazendo isso para o sustento deles, mas isso não consola, sempre dá uma tristeza, uma culpa muito grande.
Quando volto de noite, rezo para que o ônibus ande mais depressa. Os meninos têm medo de que eu não volte, como aconteceu com o pai. Quando chego, os dois estão me esperando, ficam conversando, vendo TV, eu fazendo a comida, eles em volta.
Eles sofreram muito quando o pai foi embora, no ano passado. A gente nunca brigava, nós dois saíamos juntos para o trabalho, na rua as pessoas chamavam a gente de casal 20. Eu achava que a gente era muito feliz, mas ele começou a ficar diferente, um dia reuniu os meninos e eu, chorou muito, e disse que ia embora. No dia seguinte, ele me pediu para ajudar a levar as malas, tomamos o lotação até o Anhangabaú, ele foi para um lado, eu fui para o trabalho. Achei que iria morrer."


Maria de Jesus Nunes, 46, empregada doméstica, separada e mãe de dois filhos: Marcelo, 11, e Lucas, 5.


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