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VIOLÊNCIA
Governo federal e Câmara querem esclarecer mais de cem casos que teriam sido praticados por policiais em 42 cidades
Tortura no entorno de Brasília é investigada
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Após praticamente quatro anos
de ocorrências de assassinatos e
denúncias, o governo federal iniciou, no mês passado, uma investigação em conjunto com a Câmara dos Deputados sobre mais
de cem casos de tortura supostamente praticada por policiais no
chamado entorno de Brasília.
A região já era vista com preocupação pela cúpula da segurança
pública nacional desde 1999,
quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso definiu a
área como prioritária. Até o papa
João Paulo 2º recebeu uma carta
de deputados, relatando os crimes
contra direitos humanos.
Na última década, a população
do entorno da capital federal cresceu de forma atabalhoada e sem
planejamento -fruto da ausência de uma política comum das
administrações de Goiás e de Brasília. As práticas policiais, segundo relatórios da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados, ainda conservam um
"modus operandi" típico dos governos militares.
O entorno de Brasília é composto por 42 municípios (29 de Goiás
e 13 de Minas Gerais). Uma das cidades mais conhecidas é Buritis
(MG), onde fica a fazenda da família do ex-presidente FHC.
De acordo com depoimentos
colhidos pela comissão, as práticas mais comuns são o afogamento, asfixiamento com sacos plásticos e a aplicação de choques elétricos nos órgãos genitais, nas
pontas dos dedos, na língua e nas
orelhas. O objetivo é não deixar
marcas identificáveis em exames.
"Quando cheguei à delegacia,
algemaram-me em um ferro. O
policial me deu um tapa e um soco no rosto. Veio outro e deu um
tapa. Um outro, mais velho, bateu
também. Então ele disse: "Levanta, bebê, vamos acabar logo com
isso". Foi quando trouxeram o saco de lixo", disse C.I.C, 30.
O sufocamento com saco plástico é usado pelos policiais para
conseguir uma confissão. Segundo C., que trabalhava como doméstica em Águas Lindas até
março de 2002, era preciso bater
com o pé três vezes na hora confessar o crime não cometido.
"Em 1999, já havia estudos que
constatavam absoluta ausência
do Estado no entorno", afirma
Augustino Pedro Veit, secretário
de subcomissão criada para estudar o assunto na Câmara.
O quadro é ainda mais grave
quando se leva em conta que as tímidas tentativas para integração
das polícias goiana e brasiliense
servem hoje como hospedaria para torturadores. Inacabados, os
prédios dos futuros órgãos viraram esqueletos e abrigam locais
de tortura em cidades como Luziânia e Formosa.
Todas as informações colhidas
pelos deputados foram encaminhadas ao governo federal em junho, em reunião do Conselho de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, que é presidido pelo ministro Nilmário Miranda (Secretaria
Especial de Direitos Humanos).
Ficou decidido, então, criar
uma comissão especial formada
pelos governos federal, de Brasília
e de Goiás, Ministério Público e
organizações não-governamentais para investigar os casos.
Segundo o ministro, além da
identificação dos episódios em
que houve tortura, será criado um
grupo para vistorias sem aviso em
delegacias, quartéis, presídios e
instituições correcionais para menores. "Quem praticar tortura vai
trabalhar com a possibilidade de
nosso grupo aparecer lá. É uma
maneira não só de coibir, mas de
chamar atenção da sociedade para o problema", afirmou.
Goiás
No cargo desde 1999, o governador de Goiás, Marconi Perillo
(PSDB), fez uma reforma administrativa no início do ano, adotando o que há de mais moderno
na área de segurança pública, segundo especialistas do setor.
Há, agora, uma corregedoria
única para a polícia, ouvidoria e
uma gerência de direitos humanos na Secretaria de Segurança.
Por tortura praticada no entorno de Brasília, já foram afastados
cerca de 40 policiais desde janeiro,
segundo a secretaria.
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