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São Paulo, terça-feira, 12 de agosto de 2003

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VIOLÊNCIA

Governo federal e Câmara querem esclarecer mais de cem casos que teriam sido praticados por policiais em 42 cidades

Tortura no entorno de Brasília é investigada

IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Após praticamente quatro anos de ocorrências de assassinatos e denúncias, o governo federal iniciou, no mês passado, uma investigação em conjunto com a Câmara dos Deputados sobre mais de cem casos de tortura supostamente praticada por policiais no chamado entorno de Brasília.
A região já era vista com preocupação pela cúpula da segurança pública nacional desde 1999, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso definiu a área como prioritária. Até o papa João Paulo 2º recebeu uma carta de deputados, relatando os crimes contra direitos humanos.
Na última década, a população do entorno da capital federal cresceu de forma atabalhoada e sem planejamento -fruto da ausência de uma política comum das administrações de Goiás e de Brasília. As práticas policiais, segundo relatórios da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, ainda conservam um "modus operandi" típico dos governos militares.
O entorno de Brasília é composto por 42 municípios (29 de Goiás e 13 de Minas Gerais). Uma das cidades mais conhecidas é Buritis (MG), onde fica a fazenda da família do ex-presidente FHC.
De acordo com depoimentos colhidos pela comissão, as práticas mais comuns são o afogamento, asfixiamento com sacos plásticos e a aplicação de choques elétricos nos órgãos genitais, nas pontas dos dedos, na língua e nas orelhas. O objetivo é não deixar marcas identificáveis em exames.
"Quando cheguei à delegacia, algemaram-me em um ferro. O policial me deu um tapa e um soco no rosto. Veio outro e deu um tapa. Um outro, mais velho, bateu também. Então ele disse: "Levanta, bebê, vamos acabar logo com isso". Foi quando trouxeram o saco de lixo", disse C.I.C, 30.
O sufocamento com saco plástico é usado pelos policiais para conseguir uma confissão. Segundo C., que trabalhava como doméstica em Águas Lindas até março de 2002, era preciso bater com o pé três vezes na hora confessar o crime não cometido.
"Em 1999, já havia estudos que constatavam absoluta ausência do Estado no entorno", afirma Augustino Pedro Veit, secretário de subcomissão criada para estudar o assunto na Câmara.
O quadro é ainda mais grave quando se leva em conta que as tímidas tentativas para integração das polícias goiana e brasiliense servem hoje como hospedaria para torturadores. Inacabados, os prédios dos futuros órgãos viraram esqueletos e abrigam locais de tortura em cidades como Luziânia e Formosa.
Todas as informações colhidas pelos deputados foram encaminhadas ao governo federal em junho, em reunião do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, que é presidido pelo ministro Nilmário Miranda (Secretaria Especial de Direitos Humanos).
Ficou decidido, então, criar uma comissão especial formada pelos governos federal, de Brasília e de Goiás, Ministério Público e organizações não-governamentais para investigar os casos.
Segundo o ministro, além da identificação dos episódios em que houve tortura, será criado um grupo para vistorias sem aviso em delegacias, quartéis, presídios e instituições correcionais para menores. "Quem praticar tortura vai trabalhar com a possibilidade de nosso grupo aparecer lá. É uma maneira não só de coibir, mas de chamar atenção da sociedade para o problema", afirmou.

Goiás
No cargo desde 1999, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), fez uma reforma administrativa no início do ano, adotando o que há de mais moderno na área de segurança pública, segundo especialistas do setor.
Há, agora, uma corregedoria única para a polícia, ouvidoria e uma gerência de direitos humanos na Secretaria de Segurança.
Por tortura praticada no entorno de Brasília, já foram afastados cerca de 40 policiais desde janeiro, segundo a secretaria.


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