São Paulo, segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Só estou achando meio vazio", diz Antônio, 46

DA ENVIADA ESPECIAL A CARAGUATATUBA

Para qualquer direção que Antônio olhe, a paisagem é a mesma: mato, muito mato. São tantas árvores que mal dá para ver a estradinha de terra que liga a fazenda Santa Mônica, no pé da Serra do Mar, até a parte asfaltada de Caraguatatuba. Desde quarta-feira, Antônio de Paula, 46, morador de rua acostumado a dormir nos quiosques da praia, vive na fazenda, alugada pela prefeitura para abrigar seus mendigos.
No primeiro dia de funcionamento da casa, chovia sem parar. Antônio não perdeu tempo. Pegou o guarda-chuva e foi dar uma volta ao redor da sede. Gostou. "Vou achar bom aqui. Sei que é Deus que está me dando essa chance", dizia segurando o crucifixo no pescoço.
A chuva apertou. E Antônio teve de entrar. Com o olhar curioso, queria saber onde seria seu quarto. Ficou contente quando ganhou muda de roupa, toalha, coberta. "Só estou achando meio vazio, espero que chegue mais gente." Seu pedido foi atendido. Na sexta-feira, a fazenda tinha mais 15 moradores, que se distribuíram nos três dormitórios e tentavam se acostumar com os insistentes borrachudos.
Com 16 alqueires, a Santa Mônica tem 4.000 bananeiras, 1.200 coqueiros e um número sem fim de insetos. Na sede, além dos quartos, escritório, enfermaria, refeitório, banheiros, área social e cozinha. Lucimara dos Santos, 23, é a cozinheira oficial. Nunca fez comida para tanta gente. "A macarronada vai ser sucesso", apostava. Na quarta-feira, o cardápio do jantar tinha arroz, feijão, frango e sopa. "Hoje vou ter janta de rei", dizia Antônio.
A mordomia, para ele, compensava a distância do centro da cidade. Até lá, são 23 quilômetros, 13 deles em uma estrada de terra esburacada e praticamente deserta. Algumas casas são encontradas pelo caminho, mais três bares e muitos búfalos.
Pimenta, 23, o segundo estreante na fazenda, ficou boquiaberto ao ver os animais. "O bicho é forte", dizia com dificuldade já que, na noite anterior, havia consumido crack demais. Ele só se deu conta da distância quando quis ir ao posto médico e soube que teria de esperar.
Ônibus na estradinha da Santa Mônica, só uma vez por semana. Assim, os moradores de rua que quiserem pedir esmolas aos turistas terão de caminhar horas a pé.


Texto Anterior: Longe dos olhos: Caraguá esconde mendigos de turistas
Próximo Texto: Ex-morador de rua vai comandar a fazenda
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.