São Paulo, sábado, 12 de dezembro de 2009

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WALTER CENEVIVA

O tempo acaba na administração


Os olhos do prefeito de SP, negando o caos, não foram os olhos de seus munícipes, paralisados nas ruas

CADA segundo que passa é um milagre que não se repete. Conheço a frase há muitos anos, mas não tive tempo de descobrir seu autor. Este pequeno jogo de palavras tem grande importância para quem avalia a operação do Estado, na administração direta e indireta, especialmente quando discute a aplicação dos artigos 37 a 42 da Constituição. As questões da qualidade dos serviços do Estado, com muitas restrições, têm estado presentes na preocupação da cidadania, particularmente nos balanços de fim de ano, quando a relação dos três poderes constitucionais com a comunidade dá causa a reavaliação qualitativa nos órgãos de comunicação social.
É o que também será feito na coluna nas últimas semanas de 2009. Começo das prestações da Justiça Oficial, mais lentas do que deveriam ser. Os antigos diziam que Justiça lenta é injustiça. As deficiências do processo, o aumento quantitativo das questões submetidas ao Judiciário, não foram compensados pela adequação da capacidade da resposta, no gargalo da Justiça. É a verdade, embora o Judiciário tenha implantado medidas para abreviar o tempo entre o pedido inicial e a execução final, em esforço louvável tentando chegar à eficiência constitucional.
O tempo é muito diferente para quem precisa da administração no Poder Executivo dos municípios, dos Estados e da União e para quem tem a obrigação de a prestar. Chegam a ser posições antagônicas. Para o interessado, cada segundo sem resposta é tempo longo. Em "economês", diria-se que se trata de uma riqueza perdida, com o curso do tempo excessivo para a apreciação dos requerimentos e registros administrativos.
No Executivo e no Judiciário, em que os conceitos de impessoalidade e de eficiência são mais exigidos, é difícil compreender a existência de serviços rápidos e qualificados em alguns órgãos e retardamento insuportável em outros. Não há explicação razoável para cartórios, juízos e tribunais com processos terminados em meses que, em outros órgãos judiciais, se eternizam.
No Legislativo, percorrida a lista dos projetos aprovados, o predomínio absoluto dos meramente burocráticos, das leis para dar nomes de ruas, praças, estradas e prédios, das homenagens que interrompem pautas congestionadas são piores, mais danosas que a perda de tempo com questões distantes do interesse do povo.
A realidade da prática é desoladora. Por isso se entende que a administração pública em geral veja o tempo com olhos que não são os da comunidade. Os olhos do prefeito de São Paulo, negando o caos depois dos aguaceiros, não foram os olhos de seus munícipes, paralisados ou afogados nas ruas. No Distrito Federal, até a preciosa invenção do panetone foi sacrificada, na ocultação de condutas duvidosíssimas. É tempo de, sob inspiração de princípios constitucionais, os exercentes de cargos públicos recordem a frase de John Kennedy, quando sugeriu aos seus patrícios não perguntarem o que o país podia fazer por eles, mas sim dizerem o que eles podiam fazer pelo país. No passo atual é preciso acabar com a indiferença da autoridade pelo tempo de cada serviço. Burocracia lenta gera corrupção. Corrupção estimula o crime. O crime não contido nem punido em tempo breve asfixia a sociedade, que se revolta.


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