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GILBERTO DIMENSTEIN
Brasília teimosa
Cercada de refletores e de
miseráveis, a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
acompanhado de seus ministros,
a comunidades desvalidas foi essencialmente uma operação de
marketing político. A fome transformou-se em pretexto para exibir sensibilidade social, num estilo típico de horário eleitoral gratuito. Provavelmente essa excursão marque o perfil do governo
Lula nos próximos quatros anos.
Na semana passada, o governo
revelou que ainda não tem um
plano detalhado de combate à fome, com metas, métodos e recursos definidos. Ou seja, não se sabe
quantas pessoas serão atendidas
nem como será a distribuição dos
recursos nem de onde vai sair o
dinheiro para o programa.
Difícil imaginar que uma excursão para a comunidade de Brasília Teimosa, em Pernambuco, tivesse para os ministros o efeito didático de lembrá-los da importância de combater a miséria. Se,
por acaso, alguém chegou ao primeiro escalão de um governo eleito graças à bandeira da mudança
social insensível à pobreza ou desinformado sobre ela, deve estar
no lugar errado. Ou o próprio governo está errado.
O fato relevante da viagem é a
convicção de Lula e de seus assessores mais próximos de que o governo terá de permanecer com
um pé no palanque, reprisando
sempre a mensagem da mudança, na batalha para garantir a legitimidade.
Se não garantir a imagem de
que está fazendo algo pelos pobres, seja lá o que for, apesar de
rendido à realidade econômica
do aperto fiscal, dos juros altos e
do baixo crescimento, Lula estará
metido numa arapuca.
Oscila entre o patético e o cômico uma das propostas para distribuir o cartão de alimentação.
Chegaram a cogitar (aliás, ainda
cogitam) a possibilidade de um
comitê gestor analisar as notas
fiscais dos produtos comprados
pelas famílias. Imagine a burocracia a ser criada para tal tarefa
-e isso tudo apenas para garantir que o benefício seria usado
apenas no combate à fome, na suposição de que o faminto teria
coisa melhor a fazer com o dinheiro do que encher a barriga.
Seria bem mais simples, mais
barato e mais eficiente, ampliar as
bolsas já existentes, incluindo o recurso extra no cartão magnético.
Um estudo localizaria, sem grandes dificuldades, as áreas de maior
incidência da desnutrição. Seria
uma boa solução técnica, mas um,
digamos, desastre político.
Quem se dispuser a ler as complexas tabelas desenvolvidas há
anos pelo Ipea, instituto ligado ao
Ministério do Planejamento, vai
ver matematicamente que não é
automática a relação entre fome
e renda, variando de região para
região. Essa análise é vital para
saber o número de pessoas a serem atendidas, onde e como, para
evitar desperdício de recursos.
Afinal, Lula estaria apenas
complementando um programa
de seu antecessor, a quem acusou,
nos palanques, de nada ou pouco
ter feito pelo social. Mas, acima de
tudo, não teria uma marca registrada, supostamente assegurada
pelo cartão de alimentação.
O que se viu na semana passada, com a posse do novo presidente do Banco Central, Henrique
Meirelles, é que o governo Lula já
sabe o que vai fazer na área econômica. E o que vai fazer basicamente é o que, em essência, já estava sendo feito, como indicou,
desde o primeiro momento, o ministro Antonio Palocci Filho.
A tradução, em poucas palavras, do realismo econômico acenado pelo PT para assegurar a estabilidade é a seguinte: crescimento alto, com a redenção do
emprego, é para o futuro se tudo
correr bem.
Não se votou em Lula para tudo
permanecer como está, mas, como demonstra o programa da fome, uma coisa é o palanque e outra, bem diferente, o Diário Oficial. Essa é a verdadeira Brasília
teimosa.
Nada disso significa, obviamente, que Lula não esteja sinceramente preocupado com a desnutrição. Nem que eleger o combate
à fome não seja correto. É simplesmente uma questão de falta
de alternativa para manter sua
legitimidade. Ele sabe que, se mexer na economia, com soluções
exóticas, provocará um movimento capaz de desestabilizá-lo.
Mas que, se começarem a dizer,
na fila do ônibus ou na favela,
que "político é tudo igual", perderá o carisma e a chance de negociar com a sociedade organizada,
tornando-se tão vulnerável quanto um Sarney ou, pior, quanto um
Collor.
Não é fácil convencer a opinião
pública de que está havendo mudanças. Exige-se, além de política
consistente (o que não é, por enquanto, a campanha da fome),
uma guerra de comunicação diária, a ser vencida a cada edição
da mídia.
Manter-se no palanque, como
na Caravana da Fome, não é um
episódio de começo de governo,
mas a necessidade permanente de
criar fatos, imagens e sonhos na
guerra da comunicação. É a esperança de que, a médio prazo, já
haja números, ou melhor, empregos, para mostrar.
PS - Morei 13 anos em Brasília e
nunca endossei aquelas baboseiras de quem a considera uma
"ilha da fantasia". Nem acredito
que seja um antro de corrupção.
Quase ninguém fala, mas a corrupção na iniciativa privada é
tão grande quanto na administração pública. Brasília é um lugar em que se tem muito mais clareza sobre o Brasil do que em São
Paulo ou no Rio.
Mas fazer governos itinerantes
serve para cutucar, mesmo que
momentaneamente, aquele ambiente poluído de corte, onde a regra é o excesso de bajulação e de
esperteza, quando o servidor se
distancia de quem deveria ser servido.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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