São Paulo, domingo, 13 de maio de 2001

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FEBEM

Entidade recebe orientação psicológica, cuida de trâmites judiciais e denuncia práticas de tortura

Grupo de mães protege os internos

João Wainer/Folha Imagem
Dora Elida Dorneles Fleitas, 69, uma das responsáveis pela associação de mães de internos


SÉRGIO DURAN
DA REPORTAGEM LOCAL

"Neste ano não vai ter Dia das Mães para mim", diz a diarista Isabel Jesus de Oliveira, 42. É o primeiro que passa longe do filho mais velho. E., 16, está internado na Febem de Franco da Rocha, por roubo e envolvimento com drogas. Por isso, há um ano, ela perdeu o sossego. Trabalha ligada no rádio, rezando para não ouvir a palavra rebelião.
Controlar a ansiedade, resistir ao desespero e aprender um pouco sobre a burocracia da Febem são as lições básicas que toda mãe novata de um interno tem de aprender. São também os principais atributos de uma entidade fundada em 1998, mas que começa a se organizar agora.
O nome é Amar (Associação de Mães e Amigos da Criança e do Adolescente em Risco), mas é conhecida entre internos e monitores como "mães da Febem".
"A gente surgiu e cresceu no desespero, na porta das unidades, quando acontecia rebelião e nós, de repente, nos pegávamos abraçadas, uma consolando a outra", conta a uruguaia naturalizada brasileira Dora Élida Dornelles Fleitas, 69, conhecida como Avó.

Cuidados
Em uma sala no edifício Andraus, no centro de São Paulo, elas se reúnem, cuidam dos trâmites judiciários dos internos, recebem orientação psicológica e denunciam ao Ministério Público a prática de tortura e espancamento contra os filhos nas unidades da Febem. Segundo Lucimara Conceição Rosa da Silva, 24, que tem dois irmãos internos e milita na Amar, em seis meses são encaminhadas mais de 350 denúncias.
São odiadas pelos monitores, dizem. Principalmente nas rebeliões, quando se oferecem para mediar as negociações, quando permitem. "Antigamente, éramos muito solicitadas. Os próprios meninos pediam, chamando o pelotão das mães. Agora isso parou. Não interessa ao Estado. Interessa vender a imagem de que são delinquentes perigosos. Quando a gente chega, eles sabem que as coisas se acalmam, mas preferem a tropa de choque", diz.
A presidente da Amar, a funcionária pública Maria da Conceição Andrade Paganele Santos, 45, mediou diversos conflitos, alguns dois quais com o próprio filho C., 16, envolvido. "Ser mãe da Febem é doloroso, decepcionante. É ser humilhada, excluída", afirma.
A entidade sofre para arrecadar fundos. Para pagar o aluguel de R$ 300 da sala no Andraus, faz jantares beneficentes, que acabam sendo pagos por elas próprias. "Ouvimos muito que a culpa dos nossos filhos estarem na Febem é nossa, que não soubemos educá-los", diz.
Os adolescentes de classe média também cometem delitos, alguns graves, mas não há nenhuma mãe dessa classe social no cadastro da Amar. "Eles nunca vão para lá. A família providencia um advogado para retirá-los ainda na delegacia. Essa mãe que culpam geralmente é uma mulher que teve de sair às 5h para trabalhar, sem ter uma creche onde deixar o filho, uma escola de qualidade", considera.

Sossego
Há um ano o filho de Maria da Conceição deixou a Febem. É o caçula de cinco. "Quando meu marido morreu, ele tinha três anos. Tive de trabalhar e nunca pude levá-lo à escola, por exemplo. Os irmãos faziam isso por mim." Dentro ou fora da instituição, o sossego dela e da sua família, em relação ao adolescente, acabou. Ele é dependente químico. Basta uma saída sem avisar, um telefonema, para a tranquilidade da casa ser quebrada.
Antes, o domingo do Dias das Mães, como os outros, seguia sua rotina. Maria da Conceição enchia a piscina de plástico no quintal e ficava olhando as crianças enquanto cozinhava. "Isso acabou, não volta mais."
Hoje ela tinha planejado ir à porta da Febem de Franco da Rocha abraçar as mães que entram na fila para ganhar abraço e algum trabalho manual feito pelo filho na unidade. "Mas desisti. Quero ficar juntinho dele, em casa", diz Maria da Conceição.


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