São Paulo, Domingo, 13 de Junho de 1999
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A FALA DOS GESTOS
Promessas e planos fazem parte do relacionamento

da Reportagem Local

O "amor bandido" entre os moradores das penitenciárias do Estado e Feminina é permeado de promessas e planos para o futuro.
Aparentemente, as mulheres são as mais sonhadoras. "A gente tem planos de ficar juntos quando formos soltos", diz Ivone de Oliveira, 31, que abana há seis meses com Carlos, 48, preso há 28 anos por homicídio e assalto.
Condenada a 12 anos por homicídio, Ivone já cumpriu 8 anos da pena e espera sair logo da prisão. Carlos, condenado a 58 anos, será libertado em no máximo 2, já que ninguém pode ficar preso no Brasil por mais de 30 anos.
Carlos jura que ama Ivone, mas afirma não saber se ficarão juntos de verdade algum dia. "Eu não a conheço", diz. Além disso, Carlos é cético: "Muitas mulheres dizem que virão visitar seus abanos quando saírem da penitenciária, mas nunca aparecem".
Em 28 anos de prisão, Carlos já abanou muito e diz que foi pego "na marra" por Ivone. "Ela me interditou e não deixou eu abanar com mais ninguém."

Visita da sogra
Silvana Nascimento Silva e Marcelo parecem ter planos mais concretos para o futuro -apesar da aliança que ele usa na mão esquerda para marcar um relacionamento de oito anos com outra mulher.
No domingo, a mãe de Marcelo vai conhecer Silvana na prisão. "Se a outra pedir que eu a largue, eu não largo", diz ele.
Marcelo afirma que está apaixonado e que visitará Silvana na prisão quando conseguir passar para o regime semi-aberto -o que deve ocorrer nos próximos meses. Por esse sistema, o preso pode sair da prisão durante o dia.
Em sua cela, Silvana tem fotos de Marcelo e da filha dele, Michele. Também há fotos de sua mãe e de seus dois filhos, Leandro, 4, e Luan, 6, além de um diploma de "mãe maravilhosa" enviado por Marcelo no Dia das Mães. "A gente fala em casar quando sair da prisão", diz Silvana.
Telma Maria de Jesus, namorada de Antônio Carlos, tenta não fazer planos. "Ele diz que eu sou a louca paixão da vida dele, mas eu não acredito muito, não", afirma.
Antônio Carlos é o terceiro abano de Telma. Os dois anteriores foram libertados, mas não foram vê-la. Um, porque era casado. O outro, ela não sabe a razão. "A gente vive de promessas. A gente não pode ter planos enquanto está aqui."
Com ou sem promessas, os namorados da prisão tentam fazer tudo o que fazem os que estão fora dela -inclusive sexo, ainda que virtual. "A gente se ama ali no pano. Só não tem o calor humano", diz Marcelo. "Até amor no corpo a gente faz com o abano", completa Antônio Carlos.
Ivone explica que o pano usado no abano representa o corpo do outro. Se beija o pano, é como se estivesse beijando o namorado, afirma.
As palavras formadas com o abano são fundamentais para a "prática" do sexo. "Ele fala o que quer fazer comigo e eu falo o que eu quero fazer com ele", conta Ivone.


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