São Paulo, Domingo, 13 de Junho de 1999
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ARTIGO/SAÚDE
Ao crescimento benigno
da próstata, um copo de vinho

MIGUEL SROUGI
especial para a Folha

Marcel Aymé dizia que a história da vida invariavelmente termina mal. Além da decadência física e do espectro da morte, os homens ainda enfrentam o tormento das doenças da próstata, pequena glândula situada na saída da bexiga e que produz o esperma, líquido que transporta os espermatozóides no momento da ejaculação.
Por que essa estrutura tão diminuta, que pesa 15 g (o equivalente a apenas 0,0002% do nosso peso!) causa tanta comoção nos homens e na ciência médica? Erroneamente, porque desde tempos primordiais atribui-se à próstata os dons de controlar a função e o prazer sexual, atributos que ela definitivamente não tem. Corretamente, porque essa glândula pode ser envolvida por dois problemas frequentes e distintos, ambos de consequências negativas para a quantidade e qualidade de vida de seus portadores.
Em primeiro lugar, a próstata pode originar o câncer mais comum do homem, que atingirá um em cada seis indivíduos que viverem até os 75 anos e não poupará nenhum que sobreviver até 100 anos.
Além do câncer, outra doença pode acometer a próstata. Quase todos os homens apresentam, após os 40 anos de idade, um crescimento benigno da glândula, chamado de hiperplasia ou hipertrofia prostática. Esse crescimento, sem nenhuma relação com o câncer local, estrangula a luz do canal uretral e cria graus variados de dificuldade para se expelir a urina. Nos casos extremos, torna-se necessária uma cirurgia para aliviar o padecimento urinário.
A frequência do crescimento benigno da próstata aumenta com a idade, assim como os riscos de uma intervenção cirúrgica local (veja quadro). As chances de um homem com idade entre 60 e 70 anos apresentar hiperplasia benigna e necessitar de cirurgia para contornar o problema, são, respectivamente, da ordem de 80% e 10%, números incômodos até para o menos convicto dos hipocondríacos.
Além do sofrimento físico que impõe aos seus portadores, o crescimento da próstata tem implicações econômicas que não podem ser menosprezadas. Estatísticas publicadas pela Organização Mundial da Saúde indicam que em 1996 gastou-se no mundo US$ 280 milhões com medicações para tratar o problema. Nos Estados Unidos, onde existem cerca de 30 milhões de homens com mais de 50 anos de idade, são gastos US$ 2 bilhões a cada ano para o diagnóstico e tratamento do crescimento benigno da próstata, quase 20% do total de dinheiro destinado à saúde anualmente em nosso país. Se levarmos em conta que o Brasil tinha em 1996 mais de 12 milhões de homens nessa faixa etária e que esse número dobrará em 20 anos, fica fácil entender o impacto econômico negativo que uma única doença exercerá sobre a nossa sociedade.
As causas do crescimento benigno da próstata não são completamente conhecidas, mas sabe-se que alguns fatores aumentam os riscos de aparecimento do problema. As evidências sobre a transmissão hereditária da doença são contraditórias, mas levantamento realizado recentemente na cidade de Baltimore, nos Estados Unidos, demonstrou que a hiperplasia prostática é três vezes mais comum em homens cujos pais foram submetidos à cirurgia da próstata. Por outro lado, observou-se que a necessidade de uma intervenção cirúrgica local é 50% menor em fumantes e em indivíduos obesos. Duas explicações são dadas para essa observação. A otimista e inédita: o fumo e a obesidade impedem o crescimento da próstata. Inédita porque pela primeira vez em medicina estaria sendo provado que o hábito de fumar e o excesso de peso fazem bem à saúde. A segunda explicação, menos grandiosa e mais plausível, é que tanto fumantes como obesos têm a mesma propensão que os demais ao crescimento prostático, apenas sofrem menos cirurgias por não viverem o suficiente para tanto ou por receio dos médicos de enfrentar casos de maior risco cirúrgico.
Embora quase todos os homens estejam destinados a apresentar sintomas relacionados com o crescimento da próstata, apenas em 30% ou 40% deles as manifestações tornam-se mais significativas e inconvenientes. Incluem-se aqui o enfraquecimento do jato de urina, o aumento do número de micções durante o dia e, principalmente, à noite, graus variados de urgência para urinar e desconforto no baixo ventre quando a bexiga está cheia. Vale notar que essas manifestações são oscilantes, com períodos de melhora espontânea que se intercalam com outros de exacerbação dos sintomas. Nesse sentido, vários estudos realizados com pacientes portadores de crescimento prostático demonstraram, de forma coerente, que cerca de 30% deles apresentam melhora nos sintomas urinários quando reavaliados após quatro ou cinco anos. Infelizmente, nesse mesmo período um terço dos casos sofre deterioração do quadro exigindo tratamento medicamentoso ou cirúrgico.
Manifestações clínicas semelhantes podem surgir nos pacientes com câncer da próstata. A distinção entre os casos de crescimento benigno ou maligno pode ser feita com precisão pelo especialista, por meio do toque da próstata e das dosagens no sangue do antígeno prostático específico (PSA). Felizmente, a grande maioria dos homens com dificuldade urinária apresenta quadros de hiperplasia benigna, o que, de qualquer forma, não deve servir de escusa para tais indivíduos fugirem de uma avaliação médica periódica.
Outras doenças podem produzir sintomas urinários e simular doenças da próstata, como, por exemplo, enfermidades neurológicas que afetam a bexiga e alguns casos de câncer de bexiga. Não só os pacientes, mas também os médicos devem reconhecer essas situações, de modo a evitar que tais casos sejam tratados indevidamente.
Como consequência do crescimento prostático, alguns pacientes podem apresentar bloqueio completo da uretra, quadro bastante desconfortável conhecido como retenção urinária. Felizmente essa complicação surge em apenas 7 de cada 1.000 homens maduros e, na maioria das vezes, reverte-se espontaneamente após alguns dias. Vale lembrar que a retenção urinária pode ser precipitada por algumas medicações, principalmente descongestionantes nasais, agentes anestésicos e drogas antidepressivas, que, por isso, devem ser empregadas parcimoniosamente em portadores de crescimento prostático.

Com o objetivo de definir a magnitude da obstrução prostática e a necessidade de tratamento, a Associação Americana de Urologia estabeleceu em 1993 um questionário, cujas respostas são traduzidas por uma escala numérica (veja quadro). Quando a soma de pontos situa-se entre 0 e 7, o processo obstrutivo é considerado de pouco significado, não exigindo nenhuma ação médica. Homens com pontuação entre 8 e 19 vivem, em geral, de forma mais desconfortável e alguns requerem tratamento, que nesse grupo costuma ser feito com medicações. Já nos pacientes com a soma de pontos maior que 19, quase sempre a qualidade de vida está comprometida e o padecimento só pode ser aliviado definitivamente por meio da cirurgia.
Gostaria de reafirmar que o tratamento da hiperplasia benigna da próstata somente deve ser instituído quando os sintomas urinários são proeminentes. A existência de manifestações discretas e toleráveis não justifica a realização de qualquer tratamento, mesmo quando a próstata apresenta aumento mais significativo de tamanho. Certos especialistas, muitas vezes por excesso de zelo, algumas vezes por outro tipo de excesso, costumam indicar a remoção cirúrgica da glândula sempre que ela está aumentada, com o argumento de que estariam sendo prevenidos problemas futuros. Essa posição é inconsistente, já que atualmente as intervenções prostáticas podem ser realizadas com segurança em homens de qualquer idade. Além do mais, não existiriam filas, hospitais e dinheiro suficientes se todos os homens com crescimento assintomático da próstata passarem a ser tratados com medicações ou cirurgia.
Quando se opta pelo tratamento medicamentoso, os especialistas têm à disposição três grupos de agentes: os bloqueadores adrenérgicos (doxazocina, tansulozina e outros), os inibidores hormonais (finasterida) e os fitoterápicos (Saw palmetto, Pygeum africanum e outros). Esses produtos têm eficiência moderada, promovendo melhora dos sintomas urinários em 30% a 60% dos casos. Como 10% a 15% dos pacientes tratados desenvolvem distúrbios na esfera sexual e na regulação da pressão sanguínea, não se justifica a utilização indiscriminada desses medicamentos. Mesmo levando em conta que os efeitos colaterais são reversíveis, o tratamento com esses agentes só deve ser instituído quando o quadro urinário tem certa relevância clínica.
A terapêutica cirúrgica da hiperplasia benigna é recomendada quando o desconforto urinário está comprometendo a qualidade de vida do homem. A intervenção pode ser realizada por meio de incisão abdominal (cirurgia aberta) ou pelo canal uretral (cirurgia endoscópica), essa última mais cômoda por dispensar uma incisão cutânea, mas exequível apenas em glândulas com crescimento moderado, menores de 80 gramas.
Quando realizadas apropriadamente, essas intervenções acompanham-se de sucesso em cerca de 90% dos pacientes. Infelizmente, em 10% dos casos os sintomas que levaram à cirurgia mantém-se inalterados ou podem reaparecer, em decorrência de estreitamento do canal uretral causados pela intervenção ou em consequência de mal funcionamento da bexiga, comprometida pela sua luta prolongada contra a obstrução prostática. Ademais, as cirurgias da próstata podem se acompanhar de sequelas, algumas de fácil adaptação, como o orgasmo seco, que se manifesta em 70% a 95% dos pacientes, e outras mais indesejáveis, como incontinência ou a perda involuntária de urina, que ocorre em 0,5% a 3% dos casos.
Uma palavra sobre a possibilidade de impotência sexual, implicada com as cirurgias prostáticas. Essa complicação, caracterizada pela incapacidade de obter a ereção peniana apesar do orgasmo preservado, costuma surgir nos pacientes operados de câncer local, atingindo 25% dos homens com menos de 55 anos de idade e 60% daqueles com mais de 65 anos. Por outro lado, a literatura médica revela que a impotência ocorre em 0,5% a 5% dos pacientes submetidos à cirurgia por crescimento benigno da glândula. Com toda a suspeita que pode ter a opinião de um cirurgião, atrevo-me a dizer que inexistem riscos de impotência nas cirurgias de hiperplasia benigna. A meu ver, os eventuais relatos de disfunção sexual notados em tais casos são gerados por outras causas que não a intervenção. Nesse sentido, gostaria de citar um estudo realizado na Universidade de Queens, no Canadá, com o objetivo de avaliar a eficiência do tratamento medicamentoso da hiperplasia prostática. Um dos grupos de pacientes recebeu cápsulas que simulavam a medicação, mas que continham apenas farinha, ao final 6,3% deles queixaram-se de impotência. É óbvio que fatores psicológicos e, talvez, uma certa propensão, desencadearam a disfunção sexual nesses casos e isso pode também ocorrer quando se institui qualquer tratamento para o crescimento da próstata, incluindo a cirurgia.

Para terminar, uma notícia auspiciosa. Talvez já seja possível evitar o crescimento benigno da próstata. Alguns alimentos provavelmente interferem com o crescimento dessa glândula, o que explicaria a menor frequência do problema em homens asiáticos. A soja, certos vegetais (tomate, brócolis, feijão, ervilha, legumes) e algumas frutas (abóbora, melancia), consumidos em larga escala nos países do extremo oriente, promovem no organismo um acúmulo de enterolactonas, daidzeina e genisteina, produtos que têm um efeito inibidor sobre o crescimento prostático. A ingestão desses alimentos talvez seja pouco útil para quem já tem sua próstata crescida, mas poderia atenuar o desenvolvimento da glândula quando praticada desde a adolescência.
Duas outras observações de interesse prático foram feitas recentemente. Pesquisas realizadas em Honolulu, no Havaí, e em Rhode Island, nos Estados Unidos, demonstraram que os riscos de uma cirurgia de próstata são 50% menores nos homens que ingerem diariamente um copo de vinho ou três copos de cerveja, quando comparados aos indivíduos sem esses hábitos. Um outro estudo do Dr. Edward Giovannucci, da Universidade de Harvard, demonstrou que homens que realizam três horas de exercícios físicos semanais têm menos sintomas atribuíveis ao crescimento da próstata. Mesmo que o valor real dessas observações não tenha sido perfeitamente esclarecido, acho que nada custa aos homens incorporarem esses hábitos à sua vida. Na pior das hipóteses, o incômodo prostático persistirá, todos continuarão indo repetidamente ao banheiro, porém bem-humorados e de forma mais ágil.


Miguel Srougi, 52, é professor titular de urologia da Escola Paulista de Medicina (Unifesp) e pós-graduado em urologia pela Universidade de Harvard (EUA).





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