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ARTIGO/SAÚDE
Ao crescimento benigno
da próstata, um copo de vinho
MIGUEL SROUGI
especial para a Folha
Marcel Aymé dizia que a história
da vida invariavelmente termina
mal. Além da decadência física e
do espectro da morte, os homens
ainda enfrentam o tormento das
doenças da próstata, pequena
glândula situada na saída da bexiga e que produz o esperma, líquido
que transporta os espermatozóides no momento da ejaculação.
Por que essa estrutura tão diminuta, que pesa 15 g (o equivalente a
apenas 0,0002% do nosso peso!)
causa tanta comoção nos homens e
na ciência médica? Erroneamente,
porque desde tempos primordiais
atribui-se à próstata os dons de
controlar a função e o prazer sexual, atributos que ela definitivamente não tem. Corretamente,
porque essa glândula pode ser envolvida por dois problemas frequentes e distintos, ambos de consequências negativas para a quantidade e qualidade de vida de seus
portadores.
Em primeiro lugar, a próstata
pode originar o câncer mais comum do homem, que atingirá um
em cada seis indivíduos que viverem até os 75 anos e não poupará
nenhum que sobreviver até 100
anos.
Além do câncer, outra doença
pode acometer a próstata. Quase
todos os homens apresentam, após
os 40 anos de idade, um crescimento benigno da glândula, chamado de hiperplasia ou hipertrofia
prostática. Esse crescimento, sem
nenhuma relação com o câncer local, estrangula a luz do canal uretral e cria graus variados de dificuldade para se expelir a urina. Nos
casos extremos, torna-se necessária uma cirurgia para aliviar o padecimento urinário.
A frequência do crescimento benigno da próstata aumenta com a
idade, assim como os riscos de
uma intervenção cirúrgica local
(veja quadro). As chances de um
homem com idade entre 60 e 70
anos apresentar hiperplasia benigna e necessitar de cirurgia para
contornar o problema, são, respectivamente, da ordem de 80% e
10%, números incômodos até para
o menos convicto dos hipocondríacos.
Além do sofrimento físico que
impõe aos seus portadores, o crescimento da próstata tem implicações econômicas que não podem
ser menosprezadas. Estatísticas
publicadas pela Organização
Mundial da Saúde indicam que em
1996 gastou-se no mundo US$ 280
milhões com medicações para tratar o problema. Nos Estados Unidos, onde existem cerca de 30 milhões de homens com mais de 50
anos de idade, são gastos US$ 2 bilhões a cada ano para o diagnóstico e tratamento do crescimento
benigno da próstata, quase 20% do
total de dinheiro destinado à saúde
anualmente em nosso país. Se levarmos em conta que o Brasil tinha
em 1996 mais de 12 milhões de homens nessa faixa etária e que esse
número dobrará em 20 anos, fica
fácil entender o impacto econômico negativo que uma única doença
exercerá sobre a nossa sociedade.
As causas do crescimento benigno da próstata não são completamente conhecidas, mas sabe-se
que alguns fatores aumentam os
riscos de aparecimento do problema. As evidências sobre a transmissão hereditária da doença são
contraditórias, mas levantamento
realizado recentemente na cidade
de Baltimore, nos Estados Unidos,
demonstrou que a hiperplasia
prostática é três vezes mais comum em homens cujos pais foram
submetidos à cirurgia da próstata.
Por outro lado, observou-se que a
necessidade de uma intervenção
cirúrgica local é 50% menor em fumantes e em indivíduos obesos.
Duas explicações são dadas para
essa observação. A otimista e inédita: o fumo e a obesidade impedem o crescimento da próstata.
Inédita porque pela primeira vez
em medicina estaria sendo provado que o hábito de fumar e o excesso de peso fazem bem à saúde. A
segunda explicação, menos grandiosa e mais plausível, é que tanto
fumantes como obesos têm a mesma propensão que os demais ao
crescimento prostático, apenas sofrem menos cirurgias por não viverem o suficiente para tanto ou
por receio dos médicos de enfrentar casos de maior risco cirúrgico.
Embora quase todos os homens
estejam destinados a apresentar
sintomas relacionados com o crescimento da próstata, apenas em
30% ou 40% deles as manifestações tornam-se mais significativas
e inconvenientes. Incluem-se aqui
o enfraquecimento do jato de urina, o aumento do número de micções durante o dia e, principalmente, à noite, graus variados de
urgência para urinar e desconforto
no baixo ventre quando a bexiga
está cheia. Vale notar que essas
manifestações são oscilantes, com
períodos de melhora espontânea
que se intercalam com outros de
exacerbação dos sintomas. Nesse
sentido, vários estudos realizados
com pacientes portadores de crescimento prostático demonstraram, de forma coerente, que cerca
de 30% deles apresentam melhora
nos sintomas urinários quando
reavaliados após quatro ou cinco
anos. Infelizmente, nesse mesmo
período um terço dos casos sofre
deterioração do quadro exigindo
tratamento medicamentoso ou cirúrgico.
Manifestações clínicas semelhantes podem surgir nos pacientes com câncer da próstata. A distinção entre os casos de crescimento benigno ou maligno pode ser
feita com precisão pelo especialista, por meio do toque da próstata e
das dosagens no sangue do antígeno prostático específico (PSA). Felizmente, a grande maioria dos homens com dificuldade urinária
apresenta quadros de hiperplasia
benigna, o que, de qualquer forma,
não deve servir de escusa para tais
indivíduos fugirem de uma avaliação médica periódica.
Outras doenças podem produzir
sintomas urinários e simular
doenças da próstata, como, por
exemplo, enfermidades neurológicas que afetam a bexiga e alguns
casos de câncer de bexiga. Não só
os pacientes, mas também os médicos devem reconhecer essas situações, de modo a evitar que tais
casos sejam tratados indevidamente.
Como consequência do crescimento prostático, alguns pacientes
podem apresentar bloqueio completo da uretra, quadro bastante
desconfortável conhecido como
retenção urinária. Felizmente essa
complicação surge em apenas 7 de
cada 1.000 homens maduros e, na
maioria das vezes, reverte-se espontaneamente após alguns dias.
Vale lembrar que a retenção urinária pode ser precipitada por algumas medicações, principalmente
descongestionantes nasais, agentes anestésicos e drogas antidepressivas, que, por isso, devem ser
empregadas parcimoniosamente
em portadores de crescimento
prostático.
Com o objetivo de definir a magnitude da obstrução prostática e a
necessidade de tratamento, a Associação Americana de Urologia
estabeleceu em 1993 um questionário, cujas respostas são traduzidas por uma escala numérica (veja
quadro). Quando a soma de pontos situa-se entre 0 e 7, o processo
obstrutivo é considerado de pouco
significado, não exigindo nenhuma ação médica. Homens com
pontuação entre 8 e 19 vivem, em
geral, de forma mais desconfortável e alguns requerem tratamento,
que nesse grupo costuma ser feito
com medicações. Já nos pacientes
com a soma de pontos maior que
19, quase sempre a qualidade de vida está comprometida e o padecimento só pode ser aliviado definitivamente por meio da cirurgia.
Gostaria de reafirmar que o tratamento da hiperplasia benigna da
próstata somente deve ser instituído quando os sintomas urinários
são proeminentes. A existência de
manifestações discretas e toleráveis não justifica a realização de
qualquer tratamento, mesmo
quando a próstata apresenta aumento mais significativo de tamanho. Certos especialistas, muitas
vezes por excesso de zelo, algumas
vezes por outro tipo de excesso,
costumam indicar a remoção cirúrgica da glândula sempre que ela
está aumentada, com o argumento
de que estariam sendo prevenidos
problemas futuros. Essa posição é
inconsistente, já que atualmente as
intervenções prostáticas podem
ser realizadas com segurança em
homens de qualquer idade. Além
do mais, não existiriam filas, hospitais e dinheiro suficientes se todos os homens com crescimento
assintomático da próstata passarem a ser tratados com medicações
ou cirurgia.
Quando se opta pelo tratamento
medicamentoso, os especialistas
têm à disposição três grupos de
agentes: os bloqueadores adrenérgicos (doxazocina, tansulozina e
outros), os inibidores hormonais
(finasterida) e os fitoterápicos
(Saw palmetto, Pygeum africanum
e outros). Esses produtos têm eficiência moderada, promovendo
melhora dos sintomas urinários
em 30% a 60% dos casos. Como
10% a 15% dos pacientes tratados
desenvolvem distúrbios na esfera
sexual e na regulação da pressão
sanguínea, não se justifica a utilização indiscriminada desses medicamentos. Mesmo levando em
conta que os efeitos colaterais são
reversíveis, o tratamento com esses agentes só deve ser instituído
quando o quadro urinário tem certa relevância clínica.
A terapêutica cirúrgica da hiperplasia benigna é recomendada
quando o desconforto urinário está comprometendo a qualidade de
vida do homem. A intervenção pode ser realizada por meio de incisão abdominal (cirurgia aberta) ou
pelo canal uretral (cirurgia endoscópica), essa última mais cômoda
por dispensar uma incisão cutânea, mas exequível apenas em
glândulas com crescimento moderado, menores de 80 gramas.
Quando realizadas apropriadamente, essas intervenções acompanham-se de sucesso em cerca de
90% dos pacientes. Infelizmente,
em 10% dos casos os sintomas que
levaram à cirurgia mantém-se
inalterados ou podem reaparecer,
em decorrência de estreitamento
do canal uretral causados pela intervenção ou em consequência de
mal funcionamento da bexiga,
comprometida pela sua luta prolongada contra a obstrução prostática. Ademais, as cirurgias da próstata podem se acompanhar de sequelas, algumas de fácil adaptação,
como o orgasmo seco, que se manifesta em 70% a 95% dos pacientes, e outras mais indesejáveis, como incontinência ou a perda involuntária de urina, que ocorre em
0,5% a 3% dos casos.
Uma palavra sobre a possibilidade de impotência sexual, implicada com as cirurgias prostáticas. Essa complicação, caracterizada pela
incapacidade de obter a ereção peniana apesar do orgasmo preservado, costuma surgir nos pacientes operados de câncer local, atingindo 25% dos homens com menos de 55 anos de idade e 60% daqueles com mais de 65 anos. Por
outro lado, a literatura médica revela que a impotência ocorre em
0,5% a 5% dos pacientes submetidos à cirurgia por crescimento benigno da glândula. Com toda a suspeita que pode ter a opinião de um
cirurgião, atrevo-me a dizer que
inexistem riscos de impotência nas
cirurgias de hiperplasia benigna. A
meu ver, os eventuais relatos de
disfunção sexual notados em tais
casos são gerados por outras causas que não a intervenção. Nesse
sentido, gostaria de citar um estudo realizado na Universidade de
Queens, no Canadá, com o objetivo de avaliar a eficiência do tratamento medicamentoso da hiperplasia prostática. Um dos grupos
de pacientes recebeu cápsulas que
simulavam a medicação, mas que
continham apenas farinha, ao final
6,3% deles queixaram-se de impotência. É óbvio que fatores psicológicos e, talvez, uma certa propensão, desencadearam a disfunção
sexual nesses casos e isso pode
também ocorrer quando se institui
qualquer tratamento para o crescimento da próstata, incluindo a cirurgia.
Para terminar, uma notícia auspiciosa. Talvez já seja possível evitar o crescimento benigno da próstata. Alguns alimentos provavelmente interferem com o crescimento dessa glândula, o que explicaria a menor frequência do problema em homens asiáticos. A soja, certos vegetais (tomate, brócolis, feijão, ervilha, legumes) e algumas frutas (abóbora, melancia),
consumidos em larga escala nos
países do extremo oriente, promovem no organismo um acúmulo de
enterolactonas, daidzeina e genisteina, produtos que têm um efeito
inibidor sobre o crescimento prostático. A ingestão desses alimentos
talvez seja pouco útil para quem já
tem sua próstata crescida, mas poderia atenuar o desenvolvimento
da glândula quando praticada desde a adolescência.
Duas outras observações de interesse prático foram feitas recentemente. Pesquisas realizadas em
Honolulu, no Havaí, e em Rhode
Island, nos Estados Unidos, demonstraram que os riscos de uma
cirurgia de próstata são 50% menores nos homens que ingerem
diariamente um copo de vinho ou
três copos de cerveja, quando
comparados aos indivíduos sem
esses hábitos. Um outro estudo do
Dr. Edward Giovannucci, da Universidade de Harvard, demonstrou que homens que realizam três
horas de exercícios físicos semanais têm menos sintomas atribuíveis ao crescimento da próstata.
Mesmo que o valor real dessas observações não tenha sido perfeitamente esclarecido, acho que nada
custa aos homens incorporarem
esses hábitos à sua vida. Na pior
das hipóteses, o incômodo prostático persistirá, todos continuarão
indo repetidamente ao banheiro,
porém bem-humorados e de forma mais ágil.
Miguel Srougi, 52, é professor titular de urologia da Escola Paulista de Medicina (Unifesp) e
pós-graduado em urologia pela Universidade de
Harvard (EUA).
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