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Trecho
"A cela, xadrez ou barraco é a unidade funcional da cadeia. Suas dimensões variam sem lógica
aparente: algumas, até espaçosas, são individuais; em outras, espremem-se sete, oito, vinte ou, como nas de Triagem, sessenta homens.
Há muitos anos a direção da Casa perdeu o direito de posse nos pavilhões maiores, como o Cinco,
o Sete, o Oito e o Nove. Nesses, cada xadrez tem dono e valor de mercado. No Pavilhão Cinco, custam mais barato: de 150 a 200 reais; no Oito há um xadrez de luxo com azulejos de primeira, cama
de casal e espelhos que vale 2 mil.
A origem da propriedade perde-se no passado, quando os recursos da Casa começaram a minguar
e a manutenção das celas ficou por conta dos próprios detentos, como explica Juscelino, um mineiro de sorriso encantador que comprava maconha no sertão de Pernambuco e voltava de ônibus
leito com a droga na mochila:
- O companheiro gasta o dele no melhoramento do barraco. Depois, a polícia vai querer colocar
outro lá para morar de graça. Cadê a justiça?
Na opinião do dr. Walter, que começou ainda menino como carcereiro, formou-se advogado e
chegou a diretor-geral do presídio, para resolver o problema seria preciso transferir todos os detentos, fechar a cadeia e começar de novo:
- No meio da noite, o senhor manda o preso para um xadrez. De manhã, ele sai e diz que não fica
de jeito nenhum; sem explicar por quê. Pode insistir, ameaçar, fazer o que quiser que ele não volta;
tem medo de morrer. Há xadrez em que o dono é libertado e deixa um inquilino pagando aluguel.
Trecho do capítulo "O Barraco", do livro "Estação Carandiru", de Drauzio Varella
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