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COTIDIANO IMAGINÁRIO
Política, mentiras & videoteipe
MOACYR SCLIAR
Considerando que a mídia
hoje é tudo em política, o partido resolveu que todos os
candidatos a candidatos deveriam mostrar sua habilidade frente às câmeras. Para isso, organizaram uma simulação. Em estúdio, os postulantes seriam interrogados por
ferozes entrevistadores. Os
que se saíssem melhor integrariam a nominata.
No dia marcado, centenas
compareceram ao local. Um a
um era admitido no estúdio e
submetido a uma barragem
de perguntas. Muitos mentiam, claro. Mas este era o
problema: as mentiras não
eram convincentes. E a comissão encarregada da seleção ia
eliminando um a um.
Finalmente apareceu um
candidato, estranho e pitoresco na aparência, mas de desempenho absolutamente soberbo. Mentia como ninguém.
Crivavam-no de questões, ele
se saía com notáveis fabulações, sempre ditas com ar de
absoluta sinceridade. Enfim,
atuação extraordinária.
Apesar disso, a comissão o
rejeitou. Irritadíssimo, o candidato a candidato quis saber
o motivo daquilo que lhe parecia perseguição pessoal.
-Você de fato mente muito
bem -disse o chefe da comissão. -Mentiu melhor do que
qualquer um dos que o precederam. Mas não serve. Por
três razões. A primeira: você é
muito jovem, não tem idade
suficiente para ser candidato.
A segunda: você é um boneco
de madeira. Você alegará que
é vantagem, que ninguém é
mais cara-de-pau que você,
mas a Justiça Eleitoral não
aceitará esse argumento. A
terceira e mais importante: o
seu nariz cresce cada vez que
você mente. E nariz que chega
até a câmera não serve.
Sem responder, o boneco foi
embora, irritado, proferindo
impropérios. O que a comissão já esperava; afinal, se até
o bom Gepeto tinha problemas com o Pinóquio, não seriam eles exceção, seriam?
Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal
O escritor
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