São Paulo, domingo, 13 de agosto de 2000


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OPINIÃO
Laboratório sem cartório

JOSÉ SERRA


Em entrevista à revista "Dinheiro", o presidente do maior laboratório farmacêutico nacional, o Aché, um empresário que é considerado competente, parece ter perdido o rumo. Declara-se contra os genéricos e reclama do fato de que eu estaria promovendo o consumo desses medicamentos. Acha, também, que os pobres devem se conformar em não poder comprar remédio, pois são pobres. E é contra o acordo de congelamento temporário dos preços de medicamentos, embora a indústria farmacêutica, inclusive o Aché, tenha altas margens de lucro e possa perfeitamente suportar a manutenção dos seus preços por cinco meses. Tanto é assim que a grande maioria dos laboratórios aderiu ao acordo.
Só há um motivo para laboratórios como o Aché hoje ganharem menos: a crescente concorrência dos genéricos. Acostumados a não gastar nada com pesquisa, vivendo de licença, invenção de similares e remarcação de preços, esses laboratórios realmente poderão perder diante do aumento da concorrência. Mas o presidente do Aché considera essa concorrência, a dos genéricos, desleal. Por isso, sem dúvida, merece o prêmio de empresário cartorialista do ano.
Ele argumentou, também, que não devemos trazer remédios do exterior porque a indústria doméstica tem capacidade ociosa. Vejam só: se fosse ainda um empresário competente e se tivesse um mínimo de visão social, bastaria adotar outra estratégia: preços menores e maiores vendas. Essa é uma prática conhecida desde Henry Ford. Com ela, continuaria ganhando dinheiro, manteria as importações de lado, atenderia melhor a população e evitaria a amolação de ministros preocupados com a saúde dos pobres.
O presidente do Aché fica realmente incomodado com os produtos farmacêuticos indianos. De fato, esses produtos são baratos e de altíssima qualidade. A Índia vende para países da União Européia, para os Estados Unidos. Quer dizer que abertura e concorrência devem valer para toda economia menos para os produtos farmacêuticos? Deve valer só para turismo em Miami e importação de badulaques?
Ele está tão sem rumo que sugere que o governo ponha na prisão quem aumentou muito seus preços. Mas quem aumentou pouco (segundo o empresário do Aché) deve ficar numa boa. Quer dizer que ele defende o método da cadeia? O governo não deseja esse caminho. Preferimos combater os abusos com firmeza e punições, mas de forma democrática e mediante estratégias econômicas que estimulem a concorrência e a qualidade.
Aliás, o dever do governo e do Ministério da Saúde é esse mesmo: ficar do lado das pessoas que sofrem com o abuso de preços de laboratórios como o Aché. Por isso, se ele aumentar os preços, vamos sugerir que os consumidores comprem os mesmos produtos de outros laboratórios, mais baratos. Não tenham dúvida.


José Serra é ministro da Saúde


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