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OPINIÃO
Laboratório sem cartório
JOSÉ SERRA
Em entrevista à revista
"Dinheiro", o presidente do
maior laboratório farmacêutico
nacional, o Aché, um empresário
que é considerado competente,
parece ter perdido o rumo. Declara-se contra os genéricos e reclama do fato de que eu estaria promovendo o consumo desses medicamentos. Acha, também, que
os pobres devem se conformar
em não poder comprar remédio,
pois são pobres. E é contra o acordo de congelamento temporário
dos preços de medicamentos, embora a indústria farmacêutica, inclusive o Aché, tenha altas margens de lucro e possa perfeitamente suportar a manutenção
dos seus preços por cinco meses.
Tanto é assim que a grande maioria dos laboratórios aderiu ao
acordo.
Só há um motivo para laboratórios como o Aché hoje ganharem
menos: a crescente concorrência
dos genéricos. Acostumados a
não gastar nada com pesquisa, vivendo de licença, invenção de similares e remarcação de preços,
esses laboratórios realmente poderão perder diante do aumento
da concorrência. Mas o presidente do Aché considera essa concorrência, a dos genéricos, desleal.
Por isso, sem dúvida, merece o
prêmio de empresário cartorialista do ano.
Ele argumentou, também, que
não devemos trazer remédios do
exterior porque a indústria doméstica tem capacidade ociosa.
Vejam só: se fosse ainda um empresário competente e se tivesse
um mínimo de visão social, bastaria adotar outra estratégia: preços
menores e maiores vendas. Essa é
uma prática conhecida desde
Henry Ford. Com ela, continuaria
ganhando dinheiro, manteria as
importações de lado, atenderia
melhor a população e evitaria a
amolação de ministros preocupados com a saúde dos pobres.
O presidente do Aché fica realmente incomodado com os produtos farmacêuticos indianos. De
fato, esses produtos são baratos e
de altíssima qualidade. A Índia
vende para países da União Européia, para os Estados Unidos.
Quer dizer que abertura e concorrência devem valer para toda economia menos para os produtos
farmacêuticos? Deve valer só para
turismo em Miami e importação
de badulaques?
Ele está tão sem rumo que sugere que o governo ponha na prisão
quem aumentou muito seus preços. Mas quem aumentou pouco
(segundo o empresário do Aché)
deve ficar numa boa. Quer dizer
que ele defende o método da cadeia? O governo não deseja esse
caminho. Preferimos combater os
abusos com firmeza e punições,
mas de forma democrática e mediante estratégias econômicas
que estimulem a concorrência e a
qualidade.
Aliás, o dever do governo e do
Ministério da Saúde é esse mesmo: ficar do lado das pessoas que
sofrem com o abuso de preços de
laboratórios como o Aché. Por isso, se ele aumentar os preços, vamos sugerir que os consumidores
comprem os mesmos produtos
de outros laboratórios, mais baratos. Não tenham dúvida.
José Serra é ministro da Saúde
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