São Paulo, domingo, 13 de outubro de 2002

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Teste na Vila Madalena identifica atividade informal e constata falta de seguro de percurso e garagem fechada

Manobristas são "flanelinhas de luxo"

DA REPORTAGEM LOCAL

O motorista que passa pela rua Fidalga, na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo, em uma noite de sexta ou sábado é convidado a deixar seu veículo no Estacionamento da Tia, perto do número 162. A placa luminosa na calçada anuncia a existência de um serviço de manobrista. Mas, na frente da propaganda, não há nenhum bar, restaurante ou casa noturna.
O Estacionamento da Tia tenta atrair os clientes dos estabelecimentos da mesma rua, cansados de esperar em filas para estacionar nas demais empresas de valet.
O motorista que deixa a chave com os "funcionários" do Estacionamento da Tia só não imagina que eles são, na verdade, flanelinhas de luxo. Esse valet não existe enquanto empresa, não tem garagens nem seguro -embora os comprovantes entregues aos clientes anunciem esse benefício.
O rapaz que coordena as atividades dele, que se identifica por Lucas, diz que a segurança dos clientes é a sua palavra. "Por enquanto, é um trabalho informal. Mas estamos providenciando tudo", afirma Lucas, que passou a atuar no começou deste ano.
O Estacionamento da Tia foi um dos 11 valets testados pela Folha nos últimos quatro meses, que atendem a 17 bares e restaurantes nas imediações das ruas Inácio Pereira da Rocha, Fidalga e Luís Murat, todas na Vila Madalena.
Essa "empresa" de manobristas representa uma modalidade que consegue burlar as recomendações do Procon. O órgão avalia que os motoristas devem buscar a reparação de danos não só com a empresa que manobra, mas também com os estabelecimentos onde eles atuam. Os restaurantes, bares ou casas noturnas são responsáveis mesmo que essas atividades sejam terceirizadas.
"O cliente é dele, está na porta dele, ele também responde pelo serviço prestado", afirma Maria Lumena Sampaio, diretora de atendimento do Procon.
Essa recomendação é, muitas vezes, a única garantia dos clientes, já que os valets costumam ser "nômades", sem sede própria, podendo escapar sem deixar pistas, e dificilmente têm patrimônio suficiente para bancar os custos de batidas graves ou roubos.

Investimento
Segundo levantamento feito pela Folha em cartórios, das 11 empresas de manobristas pesquisadas, uma não existe oficialmente e seis têm capital social inferior a R$ 5.000 -preço insuficiente para a compra de um Fusca 94. Na San Park, ele é de apenas R$ 1.000.
O capital social representa os investimentos feitos na empresa. O presidente da Federação dos Contabilistas do Estado de São Paulo, João Bacci, explica que, se ele for baixo e a empresa não constituir uma reserva ou uma provisão para contingências, haverá um risco "enorme" de ela não ter como ressarcir os prejuízos a terceiros.
Os serviços testados pela Folha e seus respectivos estabelecimentos foram os seguintes: Wal Park (Fidalga 33, Brancaleone e Enfarta Madalena), Cia Valet (Galinheiro e A Lanterna), ELN Valet Park (Ópera Liz e Morrinson), Prudente Vallet Parking (Blen Blen), Art Park Valet Service (Kingston), Villa's Park (Filial, Santa Gula e Entreposto da Lata), San Park (Officina das Pizzas e Matterello), Grill da Vila, Koringa Park (Bom Motivo) e JRA (Venice), além do já citado Estacionamento da Tia.
De todos, só os manobristas do Grill da Vila não são terceirizados. No Bom Motivo e no Venice, as empresas responsáveis já foram trocadas nos últimos meses -para Wisard e Prudente Vallet Parking, respectivamente.
A Folha foi atendida nas últimas semanas por 7 dos 11 valets e por 14 dos 17 estabelecimentos.
Do total, A Lanterna, Kingston, Grill da Villa, Blen Blen, Filial, Santa Gula, Entreposto da Lata, Fidalga 33 e Galinheiro reconheceram ser responsáveis pelos veículos dos clientes. Bom Motivo, Officina das Pizzas, Matterelo, Ópera Liz e Morrinson disseram que não arcariam com as falhas cometidas pelos serviços de valet. Os donos do Brancaleone e do Venice não foram encontrados, e a gerência do Enfarta Madalena não se posicionou.
Entre os valets, ao menos 6 dos 11 deixam ou já deixaram os veículos nas ruas, conforme admitem os próprios donos ou segundo a Folha conseguiu identificar. São eles: Wal Park, Prudente Vallet Parking, Art Park Valet Service, Villa's Park, San Park e Estacionamento da Tia. Mas não significa que os demais deixam os carros em lugares fechados, já que dois deles não deram entrevistas -Cia Valet e ELN Valet Park, que está registrado em Barueri, na Grande SP- e dois não foram localizados -os antigos valets do Venice e do Bom Motivo.

Valets
Valdeci Mata da Silva, dono do Wal Park, diz ter convênio com dois estacionamentos, mas que as vagas reservadas não dão conta. "A gente põe na rua quando lota. Você não pode dizer ao cliente que não vai atender. O serviço que fala que não põe na rua está mentindo", afirma Silva, que considera seu trabalho "arriscado" por não ter seguro de percurso -que cobriria a distância do bar ao lugar onde são deixados os carros.
Segundo ele, a experiência mais grave enfrentada pela empresa foi quando um manobrista capotou um Palio. A Wal Park diz que pagou R$ 10 mil ao cliente.
A Villa's Park está sendo processada por um cliente que teve seu BMW blindado batido por um manobrista. O conserto de R$ 3.500 foi pago, mas ele alega que a blindagem não voltará ao normal.
Segundo Luís Cláudio Medeiros, dono do valet, 90% dos veículos são deixados em estacionamentos. O restante é colocado na rua Aspicuelta, onde eles pagam R$ 1,20 por carro para um guardador. Medeiros diz que não tem seguro de percurso porque a Real não quis fazer a apólice. Ele afirma que teria condições de bancar do próprio bolso um roubo ou uma batida "dependendo do valor do carro".
José Luiz Albuquerque de Castro, proprietário do Prudente Vallet Parking, afirma que não deixa na rua "nem 20%" dos veículos que manobra. "Eu não preciso de seguro de percurso porque a maioria das nossas garagens fica perto do bar. Quando os carros são muito caros, a gente pede para eles levarem a chave."
No primeiro semestre, a Folha chegou a flagrar veículos manobrados pelo San Park e estacionados na rua. O dono do valet, Antonio Márcio Medeiros, diz ter feito convênio com estacionamentos de lá para cá e afirma ter seguro -embora não tenha nem nota fiscal para fornecer aos clientes.
O dono do Art Park Valet Service, Jaime Machado, disse que deixava os veículos em um estacionamento da Equipark, na rua Simão Álvares. O dono da garagem, José Ribamar de Oliveira, porém, afirmou que "eles têm só dez vagas reservadas".
Confrontado com a posição da Equipark, Machado reconheceu só ter as dez vagas garantidas, mas disse que tenta "alugar espaços de emergência" na frente de alguma casa protegida por correntes.
Hector William Gomes, responsável pelo Grill da Vila, diz ter seguro e convênio com um estacionamento da rua Simão Álvares e que reserva 16 vagas de garagem na frente de casas e lojas vizinhas para atender a demanda.(AI)


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