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RIO
Relatos de 88 adolescentes a pesquisadores apontam a possibilidade de ascensão na estrutura hierárquica das quadrilhas
Tráfico paga até R$ 12 mil de salário a garotos
MARIO HUGO MONKEN
DA SUCURSAL DO RIO
Os adolescentes que trabalham
para traficantes de favelas cariocas recebem de R$ 100 a R$ 3.000
por semana e participam de uma
estrutura hierárquica que lhes
possibilita subir de cargo e aumentar seus vencimentos.
Essa constatação foi feita por
pesquisadores do Departamento
de Ciências da Escola de Saúde
Pública da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) com base em entrevistas com 88 adolescentes, entre
14 e 19 anos, que participaram do
programa Sistema Aplicado de
Proteção, desenvolvido pelo governo do Rio entre 1999 e 2000.
O trabalho resultou na elaboração do livro "Nem Soldados Nem
Inocentes", de autoria dos pesquisadores Otávio Cruz Neto (morto
em 2002), Marcelo Rasga Moreira
e Luiz Fernando Mazzei Sucena,
lançado recentemente pela editora Fiocruz. A obra contém todos
os dados colhidos na pesquisa.
Nenhum dos entrevistados havia completado o ensino fundamental, 37 não frequentavam a
escola e apenas dois adolescentes
cursavam a 8ª série.
Implementado pela Fundação
para a Infância e Adolescência do
Rio, o Sistema Aplicado de Proteção tinha como meta retirar adolescentes do tráfico e inseri-los no
mercado de trabalho.
Os entrevistados estavam detidos em instituições do Degase
(Departamento de Ações Sócio-Educativas) por envolvimento
com o tráfico de drogas.
O livro revela que os adolescentes começam no tráfico fazendo
pequenos serviços, como enviar
recados dos traficantes e comprar
comida para eles.
À medida que vão ganhando a
confiança dos chefes, passam a
olheiros ou fogueteiros -pessoas
que alertam sobre a chegada da
polícia. A partir daí, vão subindo
de posto, podendo chegar a gerente-geral, que recebe de R$
2.000 a R$ 3.000 por semana.
Dos 88 adolescentes entrevistados, 25% deles disseram que seus
ganhos no tráfico ultrapassavam
R$ 500 semanais.
Assim como ocorre em uma
empresa, para ocupar um cargo
no tráfico é necessário preencher
alguns pré-requisitos. Para se tornar gerente da cocaína (pessoa
que administra a venda da droga),
é preciso ter exercido com sucesso
a função de vapor -quem vende
a mercadoria na boca-de-fumo.
Segundo os depoimentos dos
adolescentes, o dinheiro obtido
com o tráfico serve para realizar
sonhos e desejos de consumo, como comprar roupas caras e carros, frequentar lugares famosos e
obter sucesso com as mulheres.
Mais da metade (52,3%) dos entrevistados disse que usa drogas
de duas a seis vezes ao dia. Segundo os pesquisadores, isso acaba
criando entraves para que o jovem deixe o tráfico, porque muitos ficam endividados.
Um levantamento feito em 2002
pelo Ibiss (Instituto Brasileiro de
Inovações em Saúde Social)
-ONG fluminense que realiza
trabalhos sociais em favelas- indica que cerca de 7.000 crianças e
adolescentes trabalham para o
tráfico de drogas no Rio.
O fato de trabalharem para o
tráfico fez com que os jovens
abandonassem os estudos ou tivessem mau desempenho na escola. Dos entrevistados, 86,36%
disseram ter sido reprovados pelo
menos uma vez e 35,23% afirmaram que tinham perdido três ou
mais anos de estudo.
A pesquisa revelou também
que, em virtude de sua condição
social e da baixa escolaridade, os
jovens não tinham muita ambição na vida. Quando questionados sobre qual profissão gostariam de exercer, as mais citadas
foram mecânico (20 vezes), jogador de futebol (cinco) e office-boy
(quatro). Das 38 atividades profissionais mencionadas, apenas
seis eram de nível superior.
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