São Paulo, terça-feira, 14 de janeiro de 2003

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RIO

Relatos de 88 adolescentes a pesquisadores apontam a possibilidade de ascensão na estrutura hierárquica das quadrilhas

Tráfico paga até R$ 12 mil de salário a garotos

MARIO HUGO MONKEN
DA SUCURSAL DO RIO

Os adolescentes que trabalham para traficantes de favelas cariocas recebem de R$ 100 a R$ 3.000 por semana e participam de uma estrutura hierárquica que lhes possibilita subir de cargo e aumentar seus vencimentos.
Essa constatação foi feita por pesquisadores do Departamento de Ciências da Escola de Saúde Pública da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) com base em entrevistas com 88 adolescentes, entre 14 e 19 anos, que participaram do programa Sistema Aplicado de Proteção, desenvolvido pelo governo do Rio entre 1999 e 2000.
O trabalho resultou na elaboração do livro "Nem Soldados Nem Inocentes", de autoria dos pesquisadores Otávio Cruz Neto (morto em 2002), Marcelo Rasga Moreira e Luiz Fernando Mazzei Sucena, lançado recentemente pela editora Fiocruz. A obra contém todos os dados colhidos na pesquisa.
Nenhum dos entrevistados havia completado o ensino fundamental, 37 não frequentavam a escola e apenas dois adolescentes cursavam a 8ª série.
Implementado pela Fundação para a Infância e Adolescência do Rio, o Sistema Aplicado de Proteção tinha como meta retirar adolescentes do tráfico e inseri-los no mercado de trabalho.
Os entrevistados estavam detidos em instituições do Degase (Departamento de Ações Sócio-Educativas) por envolvimento com o tráfico de drogas.
O livro revela que os adolescentes começam no tráfico fazendo pequenos serviços, como enviar recados dos traficantes e comprar comida para eles.
À medida que vão ganhando a confiança dos chefes, passam a olheiros ou fogueteiros -pessoas que alertam sobre a chegada da polícia. A partir daí, vão subindo de posto, podendo chegar a gerente-geral, que recebe de R$ 2.000 a R$ 3.000 por semana.
Dos 88 adolescentes entrevistados, 25% deles disseram que seus ganhos no tráfico ultrapassavam R$ 500 semanais.
Assim como ocorre em uma empresa, para ocupar um cargo no tráfico é necessário preencher alguns pré-requisitos. Para se tornar gerente da cocaína (pessoa que administra a venda da droga), é preciso ter exercido com sucesso a função de vapor -quem vende a mercadoria na boca-de-fumo.
Segundo os depoimentos dos adolescentes, o dinheiro obtido com o tráfico serve para realizar sonhos e desejos de consumo, como comprar roupas caras e carros, frequentar lugares famosos e obter sucesso com as mulheres.
Mais da metade (52,3%) dos entrevistados disse que usa drogas de duas a seis vezes ao dia. Segundo os pesquisadores, isso acaba criando entraves para que o jovem deixe o tráfico, porque muitos ficam endividados.
Um levantamento feito em 2002 pelo Ibiss (Instituto Brasileiro de Inovações em Saúde Social) -ONG fluminense que realiza trabalhos sociais em favelas- indica que cerca de 7.000 crianças e adolescentes trabalham para o tráfico de drogas no Rio.
O fato de trabalharem para o tráfico fez com que os jovens abandonassem os estudos ou tivessem mau desempenho na escola. Dos entrevistados, 86,36% disseram ter sido reprovados pelo menos uma vez e 35,23% afirmaram que tinham perdido três ou mais anos de estudo.
A pesquisa revelou também que, em virtude de sua condição social e da baixa escolaridade, os jovens não tinham muita ambição na vida. Quando questionados sobre qual profissão gostariam de exercer, as mais citadas foram mecânico (20 vezes), jogador de futebol (cinco) e office-boy (quatro). Das 38 atividades profissionais mencionadas, apenas seis eram de nível superior.


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