São Paulo, sábado, 14 de março de 2009

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WALTER CENEVIVA

Estupro + aborto = excomunhão


Interpretando a lei e vendo o direito canônico, o arcebispo escolheu um modo inoportuno para marcar a posição da igreja

A ADIÇÃO RESOLVIDA pelo reverendíssimo arcebispo José Cardoso Sobrinho coroou seus 75 anos de vida com uma notoriedade na qual se mesclam as parcelas humanas do título, mais o direito canônico e o direito penal em um país católico. Quanto ao primeiro, sabe o bispo que, na história, a posição da Igreja Católica variou. A posição mais branda surgiu no século 13, devido a uma interpretação do Êxodo (21, 22, 23), modificada no século 16, quando voltou à firme reprovação do aborto.
Fui pesquisar a matéria, em várias fontes jurídicas. Também tratei de ver posições de outras igrejas cristãs em mais de um país. Se o resultado interessar ao leitor, aí vai. Artigo de Pio Cipriotti na "Enciclopédia Del Diritto" (Giuffrè), tratando do assunto no direito canônico, encontrou referência ao aborto terapêutico. Neste, o risco para a mãe, equiparado a verdadeiro estado de necessidade, abranda a punição, mas não a exclui. Chega conforme as circunstâncias, à dispensa da chamada "sententia lata", da excomunhão automática, aplicada pelo bispo, para todos os que, diretamente, tiveram interferência no abortamento. A interpretação radical predominou para o bispo, afastada a mais branda, viável em circunstâncias como as do estupro e as do sério risco para a vida da menina-gestante de gêmeos aos nove anos de idade.
Fora do catolicismo, a opinião mais severa é partilhada em segmentos muçulmanos da Nigéria, em que uma jovem estuprada não teve acolhida para sua queixa, isento, porém, o estuprador. Avaliações menos drásticas existem em países cristãos em que predominam as religiões protestantes. Contemplam, com maior abertura, o aborto terapêutico e o desejado pela estuprada.
No Brasil, a lei é bem clara. No aborto praticado pela gestante ou com seu conhecimento (Código Penal, art. 124), a pena é de detenção de um a três anos. Nesse caso, dá-se a interrupção da gravidez, sem considerar o tempo decorrido desde a concepção ou qualquer risco para a paciente. A lei brasileira distingue a conduta para aborto praticado sem o consentimento da gestante (reclusão de três a dez anos).
A forma mais agravada é a do parágrafo único do artigo 126, cabível quando a gestante não é maior de 14 anos ou é débil mental ou, ainda, se seu consentimento para abortar é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
O caso da menina estuprada está referido no artigo 128 do Código Penal: não se pune o aborto praticado por médico, considerado imprescindível para salvar a vida da gestante ou na gravidez advinda de estupro. O abortamento deve ser precedido pelo consentimento da gestante ou, sendo ela incapaz, de seu representante legal.
O estupro, em nossa lei penal, é crime contra a liberdade sexual, muito mais grave que o aborto. Consiste em constranger mulher à conjunção carnal mediante violência (real ou presumida) ou grave ameaça, sujeitando o autor à pena de reclusão de seis a dez anos, nos termos da lei nº 8.072 /90, que alterou o artigo 213 do Código Penal.
Interpretando a lei e vendo o direito canônico, ao dizer que o estupro pode ser perdoado, mas o aborto não, o arcebispo escolheu um modo inoportuno para marcar a posição da igreja. Esqueceu as alternativas da penitência e do perdão, antes da excomunhão radical.


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