São Paulo, sábado, 14 de abril de 2007

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WALTER CENEVIVA

Lei desnatura crimes hediondos

A descrença na punição justa talvez seja o maior estímulo para o crime, com o que sofre toda a sociedade

A LEI NÚMERO 11.464, de 28 de março último, deu nova redação à lei sobre crimes hediondos, restringindo a distinção entre estes e outros delitos. Os crimes hediondos vêm definidos no inciso XLIII do artigo 5º da Constituição. Inafiançáveis, insuscetíveis de graça ou anistia, incluem a prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e os definidos na lei especial.
O assunto merece atenção nesta sociedade aflita com a segurança pessoal enfraquecida. A preocupação social se mostrou na pesquisa que comprovou crescente apoio à pena de morte, que nem seria invocada se a norma constitucional sobre crimes hediondos, com delitos reconhecidamente providos de gravidade excepcional, fosse cumprida, o que não acontece. Daí resulta o inconveniente estímulo à defesa da pena de morte, agravado pela forte tendência ao abrandamento das penas destinadas aos grandes delitos.
Um passo para diminuir a distinção entre hediondos e não-hediondos foi dada pelo Supremo Tribunal Federal. Outro passo é o da Lei nº 11.464. Com ela, o artigo 2º da Lei nº 8.072 que, desde 1990, dispôs originalmente sobre a hediondez, foi modificado. A punição, antes cumprida em regime fechado, passa a ter a aplicá-lo apenas no início da segregação. A progressão foi permitida após o cumprimento de dois quintos da pena, se o apenado for primário.
Mesmo os reincidentes, não importa quantas vezes, foram lembrados pela generosidade do legislador.
Aplicou a progressividade, no cumprimento da sentença, depois de transcorridos três quintos do tempo de condenação. Suponhamos uma pena de 20 anos de prisão. O réu primário, seja qual for seu delito, poderá voltar às ruas após oito anos. Já o reincidente terá de esperar um pouco mais. Pensando novamente em 20 anos de pena, ele poderá voltar às ruas em 12 anos.
Há uma vantagem a mais para o delinqüente: o juiz pode suspender os efeitos de sua sentença condenatória, se oferecida apelação. Isto é: pode permitir, em decisão fundamentada, que o réu apelante continue em liberdade até que seu recurso seja julgado, o que, conforme o caso, pode demorar anos e anos.
Mesmo a prisão temporária, que foi objeto da Lei nº 7.960/89, quando aplicada aos crimes hediondos passa a ter prazo de 30 dias, prorrogável, no máximo por mais 30, mas este só em caso de "extrema e comprovada necessidade".
A prisão temporária cabe quando imprescindível para investigações no curso do inquérito e em mais duas alternativas legais: a do indiciado sem residência fixa e sem identidade esclarecida ou quando houver fundada razão de que o detido possa ser autor de vários crimes, entre os quais os hediondos. Esgotado o prazo, deve ser liberado, mesmo que a investigação não tenha acabado.
O caminho do direito parece direcionado para o abrandamento das punições, o que justifica as queixas dos que se vêem cada vez mais vitimados pela fraqueza do aparelhamento do Estado. A tendência é preocupante, em particular porque dá amparo evidente a criminosos providos de mais recursos financeiros, com a possibilidade de terem bons advogados. A descrença na punição justa talvez seja o maior estímulo para o crime, com o que sofre toda a sociedade.


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