São Paulo, Segunda-feira, 14 de Junho de 1999
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INFÂNCIA
Desse total, 136,6 mil são filhos de mulheres com HIV, 57,6 mil estão com a mãe doente e 15,9 mil já perderam a mãe
País tem 210 mil crianças afetadas pela Aids

Fotos Fabiano Accorsi/Folha Imagem
Crianças na casa Siloé, que cuida de filhos de portadores do HIV


AURELIANO BIANCARELLI
da Reportagem Local

O Brasil tem hoje cerca de 210 mil crianças vivas "afetadas" pela Aids. Equivale à população de crianças menores de 13 anos de uma cidade de mais de um milhão de habitantes.
Desse total, 136,6 mil são filhos de mães que estão com HIV. Outras 57,6 mil estão com a mãe doente de Aids. E 15,9 mil já perderam a mãe.
A maioria dessas crianças -um número não conhecido- já perdeu o pai vítima da doença. O número de crianças "afetadas" pela Aids foi estimado pelo Global Orphan Project, ONG internacional que trabalha com a prevenção da orfandade.
Suas projeções se fundamentam em dados do Instituto Promundo, ONG brasileira que fez uma primeira estimativa em 1996. Os números atuais foram publicados pela revista inglesa "Childhood".
Para chegar a essas estimativas, os pesquisadores levaram em consideração o número de mães infectadas, consideraram a taxa de fertilidade e descontaram as crianças já mortas pela Aids ou outras doenças.
"A proposta era chamar a atenção para o impacto social da Aids e propor programas de prevenção da orfandade", diz Miguel Fontes, diretor do Instituto Promundo e pesquisador do Global Orphan Project.
Construído o cenário, é possível desenvolver ações para tentar lidar com a criança antes de a mãe cair doente. É possível também preparar as escolas onde já estudam e onde estudarão essas crianças.
Esse, aliás, é um dos temas do 3º EducAids, encontro que começa hoje em São Paulo e que é promovido pela Apta (Associação para a Prevenção e Tratamento da Aids).
O tema central são os programas de prevenção à Aids nas escolas, no Brasil e no mundo. Terezinha Reis Pinto, presidente da Apta, estima que mais de 6.000 crianças com HIV ou Aids estejam hoje frequentando escolas públicas e privadas, no país.
Oficialmente, cerca de 5.000 casos de Aids em crianças foram notificados. Mais de 60% delas já morreram.
Outro tema do encontro trata da "criança doente" e das "perdas na escola", desde a partida de um coleguinha até a morte de alguém próximo. Um dos trabalhos apresentados é o da psicóloga Cecília Casalli, que vem estudando o processo de luto das "viúvas da Aids" para uma tese de mestrado na PUC de São Paulo.
Cecília está acompanhando 60 famílias onde vivem 110 crianças e adolescentes menores de 20 anos. Todas as mulheres são casadas ou vivem com companheiros com Aids ou já são viúvas da Aids.
Entre essas crianças e adolescentes, 71 já tinham perdido o pai. A maioria delas (61) está no primeiro grau e 52 têm entre 4 e 11 anos. Cerca de 80% das mulheres estavam com HIV ou Aids e a maioria tinha sido infectada pelo marido ou companheiro. Entre as crianças, apenas oito foram contaminadas.
Cecília faz parte do Lelu, Laboratório de Luto da PUC, e da equipe do Quatro Estações, um serviço voltado para pessoas enlutadas. Dentro da Apta, a equipe procura "entender" o processo de luto das perdas pela Aids.
"O luto na Aids é ainda mais difícil. Muitas vezes se procura esconder a causa da morte, por culpa, por vergonha, pelo medo do preconceito e pelo temor de perder os amigos e o trabalho."
São as mulheres que carregam o fardo maior, observa Cecília. "Elas cuidam do marido doente, cuidam do filho e delas próprias." É graças às mães que os filhos vão para a escola, mesmo enfrentando preconceitos.
"A grande pergunta dessas mulheres é o que será de seus filhos. O desemprego e a sobrevivência provocam desespero. Elas sabem que terão de levar o filho ao médico ou precisarão faltar ao trabalho para buscar os remédios. Elas dizem que enfrentariam tudo pelo filho, desde que tivessem um emprego."
Outro tema a ser debatido no EducAids é o trabalho "preventivo" do luto entre crianças e adolescentes. Quando morre o pai ou a mãe de um aluno, ou um professor cai gravemente doente, a escola fica sem saber como agir.
"É preciso permitir que as crianças chorem, que expressem o que estão sentindo", diz Cecília. Não há metodologia para se ensinar a lidar com a morte, mas uma regra básica é não esconder o luto.


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