São Paulo, Segunda-feira, 14 de Junho de 1999
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EM BUSCA DE UMA FAMÍLIA

"Órfãos" lutam por uma vida normal

ALESSANDRA BLANCO
da Reportagem Local

Thompson, 12, e André, 12, "detestam" ir à escola toda vez que se aproxima o Dias das Mães ou o Dia dos Pais.
Como todos os outros alunos, eles fazem presentes manuais que deveriam entregar em casa, mas têm de enfrentar os amigos que perguntam quem eles vão presentear. Para eles, essas cobranças são ainda piores do que quando brigam com algum colega e sempre acabam sendo chamados de "Aids".
Os dois vivem há quatro anos na Casa Siloé, que trata de 28 crianças, filhas de pais soropositivos (que têm o vírus da Aids) e que não têm mais condições de cuidar delas. Os dois também têm famílias -irmãos, tios, primos-, recebem visitas esporádicas e, às vezes, vão passar as férias com eles, mas não ficam porque as famílias não têm nem mesmo condições de pagar o coquetel que eles têm de tomar diariamente. Eles sonham em ser adotados.
"Se eu fosse adotado, poderia ter um quarto só para mim, videogame, skate e bicicleta", diz André.
Segundo o padre Valeriano Paitoni, que administra a Casa Siloé, a convivência das crianças na escola -metade delas em um colégio particular de freiras e a outra metade em uma escola municipal- é relativamente tranquila.
Um pai retirou seu filho do colégio ao saber que crianças soropositivas estudavam lá, já houve alguns abaixo-assinados para que eles saíssem e, recentemente, novos problemas começaram a surgir.
"Um dos garotos beijou uma menina na boca, ela contou para os pais, que fizeram um bafafá. Outro menino distribuiu algumas camisinhas para os amigos e novamente houve confusão", contra o padre.
"Se não transar de camisinha pega Aids? Meu pai transou sem camisinha", diz André no meio da entrevista. "Meu pai, não. Ele usava drogas", conta Thompson.
E nenhum dos dois teve a sorte de Lucas, 2, ou de Taís, 1, que negativaram no exame de HIV (vírus da Aids) e estão sendo adotados. "Algumas crianças estão começando a ser adotadas mesmo não tendo negativado, é um avanço, mas ainda muito difícil", diz o padre.
Lucas está morando há um ano com Sandra de Carvalho Gouvea, 43, e seu marido, Sérgio Martins Gouvea, 47, que aguardam a permissão judicial para a adoção. Sua mãe deu à luz na Casa da Mãe Solteira e o entregou a um juiz porque sabia que estava doente.
"Desde a primeira vez que o vimos já sabíamos que queríamos ficar com ele. Conversamos com nossos dois filhos, de 18 e 22 anos, que aprovaram na hora e hoje são os padrinhos dele", conta Sandra.
Mesmo estando tanto tempo com o casal, toda vez que Lucas volta na instituição em que morava não solta da mão da "mãe" nem come junto com as outras crianças. "Ele tem medo de ficar lá, como ficou tantas outras vezes até conseguirmos ter sua guarda", conta Sandra.
O casal diz que vai contar "tudo" para o menino quando ele crescer, mas ninguém mais, ou seja, escola, amigos, precisa saber, para que ele leve uma vida normal.
Na Casa Siloé, várias outras crianças esperam ter a mesma sorte que Lucas.
Jessica, 7, seus irmãos Ingrid, 8, e Cleiton, 6, e sua prima Alane, 7, estão na instituição há um ano e um mês. As mães deles, duas irmãs, morreram de Aids. Nem mesmo a família sabe como contraíram a doença.
A avó das crianças mora no Paraná, não tem condições de criá-las e só consegue visitá-las poucas vezes por ano. Elas sabem que suas mães morreram e, no início, tiveram dificuldade de adaptação. Suas chances de adoção são poucas. Elas não negativaram no teste de HIV.


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