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LETRAS JURÍDICAS
Fugindo do Estado democrático de Direito
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
O projeto de lei do governo federal que cria Conselhos de Jornalismo de âmbitos nacional e regionais, por ser iniciativa governamental, nasceu sob o
signo da suspeita. É natural que
assim seja, sobretudo por causa
das queixas constantes dos governantes contra a mídia e seus profissionais. A coincidência entre a
iniciativa do projeto e as reiteradas reclamações contra o denuncismo inviabiliza, para o governo,
o benefício da dúvida quanto às
suas intenções. Afinal, os conselhos serão de jornalismo, mas, como autarquias federais, criarão
um modelo administrativo de
controle, que, embora em conjunto com os sindicatos, será dominável com mais firmeza.
Por isso mesmo, antes de avaliar os dispositivos do projeto, é
necessário pensar qual é o interesse governamental em criar tal órgão ante uma tripla realidade: a
da garantia fundamental da liberdade da comunicação, a da vigência da Lei de Imprensa e a da
representação do jornalismo pelos sindicatos dos jornalistas e das
empresas. O interesse transparente, do ponto de vista do exercício
jornalístico e de suas garantias,
afasta-se do Estado democrático
de Direito (Constituição, artigo
1º) por entrar nos limites da liberdade de expressão. A suspeita
existirá sempre, seja qual for o
partido no poder, mas se torna
mais evidente no governo atual
por sua lamentação, na condição
de "vidraça", agora que se torna
vítima das mesmas "estilingadas"
que o ajudaram a chegar ao
poder.
É necessário que a cidadania
inclua em sua avaliação o confronto entre os interesses dos políticos em sua autoproteção, os dos
governos em quererem divulgação favorável ou, pelo menos,
não-crítica e as garantias resultantes do exercício jornalístico
isento de censura. A crítica à liberdade jornalística tem estado
presente nos extremos da direita e
da esquerda, como se pode recordar, desde os tempos do nazismo
alemão e do comunismo soviético. É fácil vender a idéia do abuso
jornalístico. Veja-se o exemplo recente dos Estados Unidos na era
Bush. Sempre haverá os que insistam na desnecessidade de informação pormenorizada sobre os
atos de governo.
Apesar dessa realidade, o cidadão há de pensar que a garantia
da crítica livre é direito fundamental preservado pela Constituição, como especial arma de defesa do indivíduo em face do Estado. Tem havido abusos na divulgação desmedida. Mesmo assim,
a história mostra quantos desmandos foram descobertos e
quanta corrupção veio à tona
graças ao trabalho cuidadoso do
jornalismo investigativo.
Conselhos de Jornalismo constituirão um excesso administrativo
em termos constitucionais. Tenho
manifestado, mais de uma vez,
ser favorável a uma Lei de Imprensa, democraticamente votada e aprovada, convencido de que
ela servirá para afirmar a liberdade contra qualquer censura e
assegurar a punição dos excessos
ofensivos da honra alheia, insuficientemente preservada no Código Penal. Este foi pensado num
tempo em que os meios de comunicação impressa ou eletrônica
não tinham atingido a penetração alcançada na segunda metade do século 20. Uma Lei de Imprensa que supra a deficiência será inconfundível com o projeto referido ante a finalidade, nele evidente, de controle da informação.
O assunto é palpitante e o projeto
deve ser avaliado pelos juristas e
por todos os cidadãos mesmo antes da discussão congressual.
Creio que em mais duas colunas
vá conseguir dar uma síntese opinativa sobre o tema.
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