São Paulo, sábado, 14 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LETRAS JURÍDICAS

Fugindo do Estado democrático de Direito

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

O projeto de lei do governo federal que cria Conselhos de Jornalismo de âmbitos nacional e regionais, por ser iniciativa governamental, nasceu sob o signo da suspeita. É natural que assim seja, sobretudo por causa das queixas constantes dos governantes contra a mídia e seus profissionais. A coincidência entre a iniciativa do projeto e as reiteradas reclamações contra o denuncismo inviabiliza, para o governo, o benefício da dúvida quanto às suas intenções. Afinal, os conselhos serão de jornalismo, mas, como autarquias federais, criarão um modelo administrativo de controle, que, embora em conjunto com os sindicatos, será dominável com mais firmeza.
Por isso mesmo, antes de avaliar os dispositivos do projeto, é necessário pensar qual é o interesse governamental em criar tal órgão ante uma tripla realidade: a da garantia fundamental da liberdade da comunicação, a da vigência da Lei de Imprensa e a da representação do jornalismo pelos sindicatos dos jornalistas e das empresas. O interesse transparente, do ponto de vista do exercício jornalístico e de suas garantias, afasta-se do Estado democrático de Direito (Constituição, artigo 1º) por entrar nos limites da liberdade de expressão. A suspeita existirá sempre, seja qual for o partido no poder, mas se torna mais evidente no governo atual por sua lamentação, na condição de "vidraça", agora que se torna vítima das mesmas "estilingadas" que o ajudaram a chegar ao poder.
É necessário que a cidadania inclua em sua avaliação o confronto entre os interesses dos políticos em sua autoproteção, os dos governos em quererem divulgação favorável ou, pelo menos, não-crítica e as garantias resultantes do exercício jornalístico isento de censura. A crítica à liberdade jornalística tem estado presente nos extremos da direita e da esquerda, como se pode recordar, desde os tempos do nazismo alemão e do comunismo soviético. É fácil vender a idéia do abuso jornalístico. Veja-se o exemplo recente dos Estados Unidos na era Bush. Sempre haverá os que insistam na desnecessidade de informação pormenorizada sobre os atos de governo.
Apesar dessa realidade, o cidadão há de pensar que a garantia da crítica livre é direito fundamental preservado pela Constituição, como especial arma de defesa do indivíduo em face do Estado. Tem havido abusos na divulgação desmedida. Mesmo assim, a história mostra quantos desmandos foram descobertos e quanta corrupção veio à tona graças ao trabalho cuidadoso do jornalismo investigativo.
Conselhos de Jornalismo constituirão um excesso administrativo em termos constitucionais. Tenho manifestado, mais de uma vez, ser favorável a uma Lei de Imprensa, democraticamente votada e aprovada, convencido de que ela servirá para afirmar a liberdade contra qualquer censura e assegurar a punição dos excessos ofensivos da honra alheia, insuficientemente preservada no Código Penal. Este foi pensado num tempo em que os meios de comunicação impressa ou eletrônica não tinham atingido a penetração alcançada na segunda metade do século 20. Uma Lei de Imprensa que supra a deficiência será inconfundível com o projeto referido ante a finalidade, nele evidente, de controle da informação. O assunto é palpitante e o projeto deve ser avaliado pelos juristas e por todos os cidadãos mesmo antes da discussão congressual. Creio que em mais duas colunas vá conseguir dar uma síntese opinativa sobre o tema.


Texto Anterior: SP tem 300 famílias ainda em áreas de risco
Próximo Texto: Livros jurídicos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.